Boeing e Embraer anunciaram, nesta quinta-feira (23), que o setor da estatal brasileira responsável pela aviação comercial agora chama-se Boeing Brasil - Commercial. A mudança de nome é oficializada após dois anos de tratativas e acordos entre a corporação norte-americana e a empresa brasileira, que afirmam estar estabelecendo uma joint venture, termo utilizado em referência a empreendimentos conjuntos e parcerias comerciais.
Porém, a partir desse novo acordo, a “velha” Embraer terá apenas 20% de sua própria área comercial, enquanto a Boeing controlará os 80% restantes. A compra, aprovada no início do ano pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), custou cerca de 4,2 bilhões de dólares para a empresa estrangeira. A previsão é que o negócio seja concluído até o final deste ano, com aprovações em órgãos regulatórios no Brasil e no exterior.
As negociações que poderiam levar a uma suposta aliança entre as empresas é amplamente criticada por especialistas na área. Para Marcos José Barbieri Ferreira, coordenador do Laboratório de Estudos das Indústrias Aeroespaciais e de Defesa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a troca de nome deixa claro que, na verdade, a divisão de aviação comercial da estatal está sendo vendida.
Barbieri explica que a Embraer se divide em três grandes áreas: comercial, executiva e defesa. E que, agora, abre mão de seu carro chefe.
“A área comercial é a principal área, a mais importante. Representa aproximadamente 55%, 60% do faturamento. É mais da metade da receita da empresa e cerca de 90% do lucro. O que vai sobrar? Uma empresa que representa pouco mais de 40% da receita e 10% do lucro. É um desmonte da empresa. Pior ainda: transfere-se para a Boeing as principais unidades produtivas, as mais avançadas”, diz, em referência à base da então estatal, localiza na avenida Faria Lima, na cidade de São José dos Campos (SP), e outras duas unidades em Portugal.
:: "Negócio da Embraer com Boeing é venda da empresa, não fusão", afirma Dieese ::
De acordo com dados oficiais da empresa, o faturamento da Embraer teve, em 2017, participação de 16% do setor de defesa e 26% da aviação executiva. Já a parte de produção de aviões comerciais foi responsável por 58% dos lucros.
Prejuízo ao desenvolvimento tecnológico
O pesquisador acrescenta que o desenvolvimento tecnológico das outras áreas também está comprometido, já que ao vender a divisão comercial para a Boeing, há um desmantelamento na produção das outras áreas, que se desenvolvem simultaneamente, a partir das mesmas pesquisas e laboratórios. “O que sobrar da defesa e executiva não vai parar de pé. É inviável economicamente a médio e longo prazo. Está se inviabilizando a empresa tecnológica e economicamente”, analisa.
Ele é enfático ao afirmar que o país está perdendo o setor mais avançado de alta tecnologia que já desenvolveu. “Além de ser uma grande fabricante de aviões, a terceira maior do mundo e muito bem sucedida na área dela, para dentro do Brasil, do ponto de vista tecnológico, ela é a maior empresa da área tecnológica do país, quando falamos de alta tecnologia. Tem empresas importantes como a Petrobras e outros setores, mas, em setor que envolve alta tecnologia, é a única grande empresa de tecnologia com uma inserção ativa no mundo.”
Segundo Herbert Claros, trabalhador da Embraer e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, o resultado do “acordo comercial” entre as empresas será negativo para o desenvolvimento nacional como um todo.
“O nome traduz tudo que a Boeing, na verdade, tem feito nos últimos anos: transformar uma empresa brasileira, que os brasileiros construíram, em uma empresa norte-americana. [Com a mudança de nome] Fica comprovado todas as denúncias que fizemos em relação à soberania nacional. Nós entregamos o maior patrimônio da indústria tecnológica do nosso país para os americanos”, denuncia.
“Nós vamos virar um quintal de produção. Sendo que hoje produzimos e geramos tecnologia. A partir do ITA [Instituto Tecnológico da Aeronáutica], das universidades públicas federais do país. Isso vai acabar. E não vai ser daqui muito tempo. O próprio nome já traduz tudo. Não respeitaram nem 50 anos de história da Embraer”, lamenta o trabalhador, que já representou sua categoria no Conselho Administrativo da empresa.
Herbert acredita que o futuro dos trabalhadores da então estatal, assim como da produção da empresa é incerto. Ele e outros colegas conheceram a Boeing nos Estados Unidos e identificaram que a empresa que “coloca seus interesses acima de tudo” e com uma postura antissindical muito forte.
“Nos últimos cinco anos, a empresa demitiu 36 mil trabalhadores nos Estados Unidos. Uma empresa que tem esse tipo de postura, não vai proteger os empregos no Brasil”, disse.
O sindicalista cita ainda que devido a crise que a corporação vive atualmente, envolvendo os aviões do modelo 737 Max, não haverá investimento no Brasil.
País sem defesa
O coordenador do Laboratório de Estudos das Indústrias Aeroespaciais e de Defesa da Unicamp, Marcos Barbieri Ferreira, compartilha da preocupação de Herbert com a soberania do país. Na visão do especialista, que estuda o tema há mais de 15 anos, a Embraer também é a principal empresa da indústria de defesa do Brasil.
“Todos os projetos grandes de defesa estão na mão da Embraer. O [avião] KC 390 que é de transporte, o Gripen que é um caça, os satélites também são da Embraer. O projeto de vigilância da Amazônia está com a Embraer, o projeto de fabricação de radares também. Ela é estratégica do ponto de vista tecnológico e todas as decisões do que vai ser produzido e de quando vai ser produzido no Brasil serão decididas em Chicago, onde é a sede da Boeing ”, critica.
Edição: Aline Carrijo