Entre o último domingo (26) e segunda-feira (27), 55 presos morreram dentro de quatro unidades prisionais no Amazonas: Complexo Anísio Jobim (Compaj), Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), Unidade Prisional do Puraquequara (UPP) e Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM1). Todos os presídios são administrados pela Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda.
A Umanizzare foi criada em 2011 e é uma “Sociedade Anônima Fechada”, o que permite ocultar o nome dos seus sócios. Na ficha cadastral da empresa, na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), revela apenas o nome de duas diretoras: Arleny de Oliveira Araújo e Regina Celi Carvalhaes de Andrade. De acordo com o documento, a primeira reside no Ceará e a segunda em Goiás. Porém, o registro mostra que a sede da empresa é no bairro da Vila Olímpia, bairro nobre de São Paulo.
Regina é a proprietária da Celi Participações e sócia de Arleny na LFJ Participações. As duas empresas formam a Umanizzare, que administra dois presídios no Tocantins e outros seis no Amazonas. Somente no estado nortista, o grupo recebeu R$ 836 milhões nos últimos cinco anos em contratos de gestão, manutenção, operação e fornecimento de serviços como limpeza e alimentação.
Para além da Umanizzare, Regina e Arleny estão ligadas, como sócias ou administradoras, a outras empresas que também atuam no mercado carcerário. São elas: Pamas Spe-SA (consórcio para administrar unidades prisionais no Amazonas), Ultratec Serviços Técnicos Ltda, Buon Piatto Alimentação Ltda, Mantec Serviços de Manutenção e Tecnologia Ltda, UBC-Gestora de Ativos Ltda, Cárcere Serviços e Sistemas Inteligentes Ltda e Infocensus Tecnologia Ltda.
Doações
A empresa deixou seus rastros na política. Para a campanha de 2014, a Umanizzare fez doações pomposas no Legislativo. O deputado federal Silas Câmara (PSC-AM) recebeu R$ 200 mil do grupo. Na campanha da esposa do parlamentar, Antônia Lúcia Câmara (PSC), à Câmara dos Deputados, a Umanizzare investiu R$ 400 mil e mais R$ 150 mil na campanha da filha do casal, Gabriela Ramos Câmara (PSC) à deputada estadual em Rio Branco (AC).
Silas Câmara é o principal expoente da chamada “bancada da jaula”, que defende os interesses das empresas que querem atuar no setor, por meio da privatização do sistema penitenciário ou da terceirização das atividades nas unidades prisionais. O parlamentar só exerce o mandato porque conseguiu uma autorização judicial, já que estava inelegível, após o Tribunal Regional do Acre (TRE-AC) o condenar por abuso de poder econômico.
O deputado trabalha nos corredores do Congresso Nacional para a aprovação da redução da maioridade penal. Em 2016, ele votou a favor da PEC 171/93, que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal. A medida aumentaria a população carcerária brasileira, o que pode favorecer as empresas que pretendem atuar no setor, inclusive a Umanizzare, que financiou sua campanha.
Regina Celi Carvalhaes de Andrade, uma das sócias da Umanizzare, fez uma doação pessoal para o ex-deputado federal Carlos Souza (PSD-AM) de R$ 44 mil. O ex-parlamentar foi condenado, em 8 de maio deste ano, junto com seu irmão, Fausto Souza, por associação para o tráfico de drogas.
Chacina em Manaus
De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, a chacina que vitimou 55 presos em Manaus ocorreu por conta de um racha na liderança da Família do Norte (FDN), terceira maior facção dos presídios brasileiros. Mesmo presos em unidades federais, José Roberto Barbosa e João Pinto Carioca teriam comandado os ataques.
Wilson Lima (PSC), governador do Amazonas, ordenou a transferência de 29 presos envolvidos na chacina para as unidades federais, afastadas de Manaus. Até o momento do fechamento desta matéria, o Instituto Médico Legal havia reconhecido 51 dos 55 corpos.
Outro lado
Em resposta aos questionamentos feitos pelo Brasil de Fato, a Umanizzare enviou uma nota:
"Os fatos a respeito das mortes registradas em unidades prisionais de Manaus nesses últimos dias apontam, de forma inequívoca, que essa crise ocorreu devido a uma disputa de poder interno dentro de uma facção criminosa.
A Umanizzare presta uma série de serviços assessórios e complementares à administração prisional -- no encargo do poder público -- que não estão disponíveis nos presídios em todo país, tais como assistência medica, odontológica, psicossocial, jurídica, rouparia, alimentação, entre outros. Quando se compara os valores praticados pela empresa com os gastos do estado, esses serviços não são computados.
Uma consulta no sistema do TSE comprovará que a empresa não fez qualquer doação na última eleição."
Assim que a resposta do deputado Silas Câmara sobre a matéria for obtida, a reportagem será atualizada.
Edição: Aline Carrijo