Depois de duas semanas tumultuadas -- em que diferentes órgãos do Judiciário colombiano ordenaram a soltura do prisioneiro político Jesús Santrich, para depois imediatamente mandar prendê-lo de novo --, o ex-combatente e hoje liderança do partido político Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC) foi finalmente liberado na última quinta-feira (30), após decisão da Suprema Corte da Colômbia no dia anterior.
Em entrevista para imprensa concedida na sede da FARC após ser solto, Santrich ressaltou o compromisso com a luta por um processo real e duradouro de paz na Colômbia e reafirmou sua inocência no caso que abalou o país no último ano.
A Suprema Corte colombiana ordenou na quarta-feira que Santrich deveria ser solto e não poderia ser julgado no foro comum, pois foi indicado pelo seu partido como parlamentar na Câmara dos Representantes. O ex-guerrilheiro não pôde participar da cerimônia de posse em 20 de julho de 2018, pois foi preso em 9 de abril do mesmo ano. No dia 28 de maio, o Conselho de Estado deliberou que Santrich não poderia participar da cerimônia por “motivo de força maior” e que sua cadeira na Câmara dos Representantes deveria ser mantida -- e, consequentemente, o foro privilegiado.
A decisão de soltá-lo veio como um alívio para defensores da paz na Colômbia que se mobilizaram no último ano para exigir a liberdade do ex-combatente. Santrich foi um líder importante da antiga guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e participou da equipe de negociação de paz em nome do grupo.
O líder político foi detido depois que a agência antidrogas dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês) o acusou de crimes ligados ao tráfico de cocaína e exigiu sua extradição. Santrich foi levado ao presídio de La Picota, na capital colombiana, Bogotá, durante a investigação do suposto crime e a preparação para entregá-lo aos EUA.
A prisão de Santrich foi amplamente denunciada por violar os acordos de paz assinados em 2016 entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e o governo colombiano, que estabeleceram um sistema judiciário de transição chamado Jurisdição Especial de Paz (JEP) para investigar e julgar possíveis envolvidos em crimes cometidos durante as cinco décadas de conflito entre a guerrilha e as forças do Estado colombiano.
O artigo 71 do Acordo Final de Paz inclui um dispositivo estipulando que pessoas que participaram da JEP não poderiam ser extraditadas nem presas preventivamente com a intenção de extraditá-las “no âmbito dos atos sob análise pelo Sistema Amplo de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição”.
A justiça colombiana alegou que o suposto crime de Santrich foi cometido depois da assinatura dos acordos de paz, o que, portanto, excluiria a possibilidade de ser julgado pela JEP e permitiria uma possível extradição.
Mas depois de um ano da prisão do ex-guerrilheiro, no dia 15 de maio de 2019, a JEP divulgou uma decisão impedindo a extradição de Santrich e exigindo sua soltura imediata. A ordem também dizia que o caso dele teria de ser julgado pela JEP, e não na justiça comum, afirmando que a procuradoria e a DEA não apresentaram provas suficientes de que o crime havia sido cometido depois da assinatura dos acordos -- ou mesmo se havia qualquer crime.
Dois dias depois da decisão da JEP ser divulgada, a Suprema Corte de Bogotá decidiu, no dia 17 de maio, acatar o pedido de habeas corpus de Santrich, mandando soltá-lo imediatamente. No mesmo dia, foi noticiada a tentativa de suicídio do líder da FARC e a fragilidade de seu estado de saúde. Movimentos sociais e defensores de direitos humanos se mobilizaram na frente do presídio de La Picota e exigiram a liberdade imediata do líder político, pois duas instituições do Judiciário do país já haviam dado a ordem de soltura.
Depois de horas de negociação, Santrich saiu do presídio de La Picota inconsciente em uma cadeira de rodas, sendo, logo em seguida, detido por agentes da Unidade de Investigação Técnica e transferido para o bunker da Procuradoria-Geral do país.
Defensores de direitos humanos e advogados denunciaram a carceragem por aparentemente ter administrado remédios em Santrich antes de soltá-lo para que ele estivesse sedado e fraco física e psicologicamente no momento em que fosse novamente detido. Até mesmo a bengala dele foi pedida na ação, o que dificulta sua mobilidade, por ser cego.
Os advogados de Santrich só conseguiram se reunir com ele no bunker depois de várias horas e o encontraram em estado crítico. Quando a equipe de médicos foi finalmente autorizada a atendê-lo, ele foi imediatamente transferido para um hospital para receber tratamento. O líder da FARC chegou a ficar internado na unidade de tratamento intensivo depois de sofrer uma parada cardíaca. Depois da internação, Santrich foi novamente transferido para o bunker, onde ficou aguardando a resolução de sua situação jurídica.
Pouco depois de ser solto na quinta-feira, Santrich publicou uma carta escrita no bunker em que afirma que se apresentaria voluntariamente à Suprema Corte colombiana e que é “a pessoa mais interessada em esclarecer o processo para comprovar [sua] inocência”.
Solidariedade
Em uma das primeiras declarações após ser solto, Santrich teria feito menção ao líder social Julián Andrés Gil Reyes, segundo a agência Colombia Informa.
Julián Gil é secretário técnico e membro da comissão internacional do Congresso dos Povos e está preso na Colômbia desde junho de 2018. O Congresso dos Povos denuncia arbitrariedades no processo contra Julián Gil e fez um chamado para uma vigília e acompanhamento de uma audiência que acontecerá no dia 4 de junho em Bogotá.
Edição: Peoples Dispatch