Na manhã desta segunda-feira (03), por volta das 6h da manhã, a população do Porto do Capim foi acordada com marretas demolindo as casas dos moradores que assinaram acordo com a Prefeitura. Como era muito cedo, e sem qualquer aviso anterior, a população ficou assustada e sem entender o que ocorria, visto que as demolições haviam sido embargadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep) na sexta-feira (31). Agentes da Guarda Municipal, Sedurb e o secretário Zennedy Bezerra estiveram no local fazendo as demolições. Escombros das demolições ameaçam casas vizinhas (Foto: Arquivo Particular)
Guarda Municipal em pelotão para demolições (Foto: Arquivo Particular)
“Poderiam ter entrado na comunidade depois das 8h da manhã, com respeito. As casas são conjugadas e acordamos todos assustados porque a obra tinha sido embargada na última sexta-feira, mas ainda eram umas 6h, acordando crianças e velhos”, reclamou Adriana Lima moradora da comunidade. Adriana. Adriana Lima (Foto: Arquivo Particular) População impedida de entrar na prefeitura (Foto: Arquivo Particular)
Cartazes e indignação (Foto: Arquivo Particular)
Às 9h30 alguns moradores, juntamente com as mulheres da Associação de Mulheres, se organizaram coletivamente e foram para a frente da Prefeitura, em Água Fria. Lá estava sendo iniciada uma entrevista coletiva onde o Prefeito Luciano Cartaxo colocava que as demolições foram desembargadas pelo governo do estado. “O governador João Azevedo demonstrou um gesto que levou bom senso e equilíbrio para um tema muito importante para a cidade de João Pessoa, que é exatamente a construção do Parque Ecológico Sanhauá”, disse o Prefeito Luciano, em sala exclusiva, com ar-condicionado, no Gabinete do Prefeito. Prefeito Luciano Cartaxo convoca imprensa na sala do Gabinete (Foto: Arquivo Particular)
A comunidade que se deslocou para lá foi barrada na frente da Prefeitura, sendo impedida de adentrar em qualquer vão. Ficaram na frente do portão com cartazes e palavras de ordem: “Esta é a Prefeitura do diálogo que se diz dialogar tanto com a população e está barrando os moradores?!”, argumentou Raissa Holanda, liderança e integrante da Associação de Mulheres Porto do Capim.Raissa Holanda(Foto: Arquivo Particular)
Ela conta que a Prefeitura vem manipulando e amedrontando os moradores para aceitarem o acordo sem diálogo e respeito pela comunidade: “Há pessoas que aceitaram o acordo - cujas casas estão sendo demolidas - mas ressaltamos que há moradores que estão apenas há três semanas na comunidade, e a Prefeitura quer é números no seu cadastro. As pessoas que fizeram acordo não são filhas da comunidade tradicional ribeirinha Porto do Capim. São pessoas que vieram ocupar recentemente a comunidade, e já se encaixaram no projeto de habitação”, declara Raissa. Luta por moradia (Foto: Arquivo Particular)
A demolição de várias casas na comunidade Porto do Capim começou na tarde da última quarta-feira (29), após a Prefeitura convencer 26 moradores a abandonarem suas casas em troca de auxílio aluguel e uma promessa de apartamento no bairro Saturnino de Brito. A Prefeitura demoliu dezenas de casas, porém, na mesma leva, derrubaram a casa de Jobson da Silva Santos (o Dado), sem a sua autorização.
População luta há dois meses contra remoção
Em março, cerca de 160 famílias receberam notificações para deixar a área para que a obra do Parque Ecológico Sanhauá fossem iniciadas. Como justificativa, a Prefeitura de João Pessoa informou que os moradores ocupam uma área de preservação permanente. Um dia após as notificações, os moradores da comunidade do Porto do Capim fizeram um protesto contra a desocupação, e na terça-feira (28), a Prefeitura iniciou a demolição das casas das pessoas que aceitaram suas propostas. As demolições foram embargadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep) na tarde da última sexta-feira (31). O órgão recebeu ofício de um coletivo de organizações representativas da sociedade civil que reconhecem a comunidade do Porto do Capim como “um território tradicional ribeirinho, de grande valor para a diversidade cultural da Paraíba”. Segundo Cassandra Figueiredo, diretora executiva do Iphaep, as demolições deveriam ter sido objeto de análise dos órgãos de proteção da área, tendo em vista que é tombada pelo Iphaep e pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Na coletiva de imprensa, no entanto, o Prefeito disse que as licenças estão todas corretas e assegura que a Prefeitura já cumpriu todas as exigências feitas pelo Iphaep. Ele apresentou licenciamento concedido pelo Iphan que, segundo ele, inclusive, é o órgão do Governo Federal financiador das obras do Parque Sanhauá.Luta por moradia (Foto: Arquivo Particular)
Ao fim da manhã, os moradores que estiveram em frente à Prefeitura, impedidos de entrar, falaram que estavam voltando para a comunidade e iriam iniciar uma vigília para que os agentes da Prefeitura não violem as casas das pessoas que não aceitaram a proposta. “As casas são conjugadas, então se derrubam um muro, com certeza o outro vai ter avariação na estrutura da moradia”, comenta Raissa. “Eles oferecem auxílio aluguel e uma promessa de apartamento no Saturnino de Brito que não contempla o que a nossa comunidade quer e necessita. Então, 26 pessoas assinaram, mas o 27º morador, que era o Jobson não assinou; ele, a esposa e dois filhos vão ficar na rua?”, indaga Raíssa.
Adriana Lima denuncia, inclusive, que raramente vem acontecendo a coleta de lixo após o início desse processo com a Prefeitura. “O Prefeito deveria se preocupar com o saneamento básico, com a coleta de lixo que, desde março, só vem quando a gente liga e ameaça chamar a imprensa. Depois de muito tempo, e quando está muito lixo mesmo, é que eles vêm, e isso também é uma forma de pressão”, relata
A vereadora Sandra Marrocos enfatiza que é um desrespeito a falta de diálogo com a comunidade. “Eu avalio que o Governo do Estado ter liberado o desembargo sem, minimamente, ter um diálogo com a comunidade, não é bacana, não é correto. E eu estou do lado deles e delas”. Já a deputada Cida Ramos lamenta a falta de inclusão da população: “Lamento muito que a Prefeitura tenha feito uma opção de não incorporar os moradores, que são históricos daquela região. O embargo é apenas uma das questões que a Prefeitura tem atuado no sentido de prejudicar o povo daquelas comunidades. Eu tenho certeza que se houvesse boa boa vontade e sensibilidade as pessoas seriam incorporadas no projeto”, declara a deputada. Sandra Marrocos (Foto: Assessoria)
Cida Ramos (Foto: Assessoria)
O Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, José Godoy, vem acompanhando a questão e diz que no momento haverá uma observação para verificar se transcorreu tudo nos critérios técnicos e se não houve ingerência política. Ele afirma que fará defesa da comunidade nos seus direitos de povo tradicional: “O que temos dito, tanto para as comunidades como para as pessoas em geral, é que trata-se de uma comunidade tradicional, e que se essa comunidade quiser ficar, não importa a quantidade de famílias, o Ministério Público atuará de forma que isso aconteça pois há uma legislação específica em relação às comunidades tradicionais como a do Porto do Capim, que protege especialmente o território”, garantiu o membro do Ministério Público.José Godoy (Foto: site MPF-PB)
Edição: Cida Alves