A Pastoral Carcerária e familiares de vítimas do massacre que ocorreu semana passada em quatro presídios do Amazonas denunciaram nesta segunda-feira (3) que os presos sofriam maus-tratos e descaso por parte da direção das unidades. “As mortes não acontecem num contexto de briga de facções, mas de violações de direitos muito graves dentro dos presídios”, afirma Luiza Cytrynowicz, advogada da Pastoral Carcerária, em entrevista à Rádio Brasil de Fato, lembrando o assassinato de 56 homens nos cárceres amazonenses.
Cytrynowicz visitou o Complexo Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM) -- que, assim como as outras unidades onde ocorreu o massacre, é administrado pela Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda -- e relatou o descaso do poder público com a situação dos presos. “O que escutamos foram relatos muito graves de tortura e outras violações nos últimos meses dentro dessas mesmas unidades. Os relatos deixam claro como essas unidades estavam vivendo um barril de pólvora, e que uma hora iria explodir”, disse a advogada. Em seguida, ela exemplificou as formas de violência às quais os internos estariam expostos: “Há espancamento, presos que apanharam com cassetetes. São violências aplicadas pelo Choque e funcionários da Umanizzare”, finalizou.
Desde a semana passada, nenhum dos quatro presídios autorizou a entrada de parentes, que seguem aguardando informações mais precisas sobre as condições de saúde dos presos. Aos domingos, as visitas são liberadas. Porém, no último dia 2 de junho, o expediente não foi aplicado, e a angústia dos familiares continua.
Arlete é mãe de um preso que está no Compaj -- ela preferiu não revelar o sobrenome -- e denunciou as condições às quais seu filho está exposto. "Estão matando nossos filhos. Eles são maltratados. Todo dia eles apanham e ficam no sol. Os que não tem visita, ficam na quadra, pegando sol ou chuva. Tem gente com tuberculose, com pneumonia, todo mundo junto", ressaltou. "Nossos filhos estão sendo humilhados, comendo comida estragada, cheia de caramujo e pelo de gato. Eles trancam a torneira e eles são obrigados a tomar água do vaso", acrescentou.
Para Railda Alves, fundadora da Associação de Amigos e Familiares de Presos (Amparar), o poder público precisa se responsabilizar pelas mortes. “Esse Estado nos mata aos poucos, todos os dias, mas nós temos que enfrentar ele na cara. O Estado precisa saber que nós existimos. Ele precisa saber que pessoas perderam filhos, maridos ou pais lá dentro. O Estado tem que dar conta, pois as vítimas estavam sob a guarda do Estado lá dentro”, disse.
Cytrynowicz, que segue em Manaus para visitar as unidades prisionais onde ocorreu o massacre, aguarda uma posição do governo local e da empresa que administra os presídios. “O poder público tem nos dado péssimas respostas. O que temos escutados é que essas mortes eram inevitáveis, mas achamos que elas eram evitáveis -- se houvesse interesse do poder público de garantir a vida dessa população. Essas mortes estavam anunciadas", concluiu.
Outro lado
André Caires, diretor jurídico e porta-voz da Umanizzare, respondeu as acusações sobre agressões aos internos. “Os nossos colaboradores só fazem o trânsito dos presos dentro da unidade prisional. Eles não têm poder de polícia. Quando há uma ocorrência, comunicamos o diretor do presídio, que é responsável por manter a ordem dentro da unidade prisional. Nossos colaboradores não usam armas”.
Ainda de acordo com o representante da empresa, “todas as refeições servidas aos presos são submetidas à uma nutricionista. A Umanizzare não pode por livre arbítrio escolher o cardápio, ele é submetido ao diretor da unidade. Essa denúncia de que a comida teve caramujo não procede.”
* Com base em relatos de familiares de presos no estado do Amazonas concedidos à Pastoral Carcerária.
Edição: Daniel Giovanaz