Recessão

Crise na Argentina de Macri faz exportações de cidades brasileiras caírem até 47%

Análise dos dados dos 10 municípios que mais exportam ao país vizinho mostram que setor automobilístico é o mais afetado

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bolsonaro e Macri, em momento de descontração, brindam com vinho durante encontro em Buenos Aires nesta semana
Bolsonaro e Macri, em momento de descontração, brindam com vinho durante encontro em Buenos Aires nesta semana - Juan Mabromata / AFP

Nove dos dez municípios que mais exportam para a Argentina têm registrado quedas consecutivas em suas operações. Em alguns casos, as exportações caíram quase pela metade por causa da crise econômica no país vizinho.

Entre janeiro e maio deste ano, as exportações do município de Goiana (PE), por exemplo, diminuíram 47%, em comparação com o mesmo período do ano passado. Só as vendas para o país vizinho caíram 62%.

A cidade está na lista dos dez municípios que mais venderam para Argentina em 2018, somando US$ 511 milhões em remessas. E cerca de 70% do que Goiana exportou no ano passado teve como destino a nação chefiada por Mauricio Macri, que é o terceiro na lista de parceiros comerciais Brasil.

Os produtos manufaturados, principalmente a indústria automotiva, alavanca as exportações para a Argentina — ao contrário das vendas para a China e os Estados Unidos, maiores compradores do Brasil, para quem o país exporta principalmente commodities agrícolas.

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Mesmo com diminuição de 30% das vendas para o país platino, Taubaté (SP) é o único município da lista que conseguiu manter o saldo positivo de exportações.

São Bernardo do Campo, localizada na região metropolitana de São Paulo, lidera as vendas para o país vizinho, em valores brutos. Mas, entre janeiro e maio de 2019, a cidade reduziu 69,1% das exportações para a Argentina — quando comparado com o mesmo período do ano passado.

A cidade é um dos principais polos da indústria automotiva no país, com fábricas de empresas como a Mercedes, Toyota e Volkswagen. Cerca de 32% do que a cidade exporta vão para o mercado argentino.

Em um cenário de maior dependência, a cidade de Porto Real (RJ) destinou quase 92% de toda sua remessa ao exterior à Argentina em 2018. As exportações para o país diminuíram de US$ 226,8 milhões, de janeiro a maio do ano passado, para US$ 90 milhões nos cinco primeiros meses deste ano — ou seja, uma queda de 60%. Isso teve um impacto de uma redução de 40% nas exportações totais da cidade fluminense.

Resposta conjunta

Nesta quinta-feira (6), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez sua primeira viagem a Buenos Aires. Na curta passagem pela capital portenha, Bolsonaro defendeu a reeleição de Macri nas eleições de outubro e defendeu a criação de uma moeda entre os países, que seria chamada de “peso-real”.

“O próprio Brasil esteve muito à beira desse abismo. Se a corrupção nos leva algo de concreto, as ideologias podem nos levar algo a que só se dá valor depois que se perde, que é a nossa liberdade”, disse em entrevista na Casa Rosada.

O Ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, defendeu mais ajustes fiscais nos países para a moeda única se tornar realidade e afirmou que “é preciso aceitar riscos”.

Bolsonaro, sobre a possibilidade de o Brasil "pagar um preço" na adoção de uma moeda única por causa da crise argentina, afirmou que “em todo casamento alguém perde alguma coisa e ganha outras”. “Eu sou pelo casamento. Eu sou pela família tradicional.”

Impactos

De janeiro a maio, as exportações de veículos pelas montadoras instaladas no Brasil tiveram queda de 42,2%, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O mercado argentino é o principal comprador dos automóveis brasileiros, e a crise econômica no país vizinho é considerada pela entidade a principal causa da diminuição nas exportações.

Para contornar o desaquecimento das vendas, montadoras como Volkswagen e General Motors anunciaram férias coletivas. Este é um mecanismo momentâneo para paralisar as atividades, enquanto as empresas tentam ganhar fôlego para escoar o que já foi produzido.

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O sindicato dos Metalúrgicos do ABC estima que 25 mil trabalhadores da região terão férias compulsórias de maio a julho deste ano.

O diretor executivo do sindicato, Wellington Damasceno, explica que os mercados argentino e brasileiro são interdependentes — já que o país também importa peças do país.

Para ele, a queda nas vendas pode ter "efeito cascata" nos municípios, com comprometimento da arrecadação do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e, no âmbito estadual, do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS).

Ele afirma ainda que a falta de mercado doméstico piora o quadro para as montadoras. "Se a gente não tiver recuperação do nosso próprio mercado, daqui um mês vamos estar discutindo o que fazer com esses trabalhadores porque a gente não tem produção", diz o dirigente, e continua:"Sem uma política pública do governo federal que dê condições de retomar o crescimento econômico, só vamos ver o agravamento da crise".

Em sua análise, com a redução do consumo no Brasil, a Argentina funcionou como uma válvula de escape. Com isso, Damasceno teme que o desaquecimento do setor possa significar demissões também na cadeia produtiva futuramente. "Quando as montadoras param, o setor de autopeças e os demais setores que abastecem as montadoras também entram em colapso".

Em Sorocaba (SP), a Toyota anunciou a demissão 340 funcionários. A previsão da montadora era produzir 154 mil veículos em 2019 na planta do município localizado no interior de São Paulo. A estimativa reduziu e, agora, a empresa espera fechar o ano com a produção de 137 mil carros.

Com isso, a multinacional japonesa iniciou um Programa de Demissão Voluntária (PDV) e indicou que, se não atingir o número planejado, vai interromper contratos temporários. A Toyota argumenta que crise na Argentina é um ponto importante, mas também citou a competitividade local, oscilação no dólar e o encarecimento dos peças importadas como outros fatores para a reorganização da montadora.

O economista Fernando Lima, da subseção do Dieese em Sorocaba, explica que o parque fabril foi programado para atender normalmente o mercado da América Latina. “A queda robusta da Argentina afeta a dinâmica de Sorocaba como um todo. Por enquanto, temos impactos na produção. Mas os ajustes no número de trabalhadores começaram a ser feitos, de maneira mais incisiva, agora", relata.

A assessoria de imprensa da Toyota afirma que as demissões são localizadas na sucursal de Sorocaba e não atingem outras plantas, como em São Bernardo do Campo ou Indaiatuba.

A Prefeitura de Sorocaba informou que, das 189 empresas que exportam em Sorocaba, 27 possuem a atividade primária ligada a veículos de passageiros e acessórios de automóveis — principais produtos vendidos à Argentina.  A assessoria de imprensa da administração de José Crespo (DEM) reconheceu que uma queda no número de exportações de empresas como a Toyota podem incorrer em déficit no saldo da balança comercial. Mas ponderou que ainda não é possível prever os impactos que a crise traz para a arrecadação municipal.

"O município tem criado arranjos produtivos para fazer com que o mercado local, tenha uma concepção de cooperativismo e até de autoconhecimento, e uma estratégia de empresas locais podem reverberar de forma positiva nas demais desta cadeia. Além disso, observamos de perto a movimentação dos outros entes (Estado e País) nas estratégias de combate a crise e fazemos sempre um trabalho no âmbito local para que nossas empresas participem dessa nova estratégia."

Lima, por sua vez, diz que a agenda dos poderes executivos têm que estimular o mercado doméstico. "Se o governo não pegar essa responsabilidade, não vai ser a iniciativa privada que vai fazer isso."

Entenda a crise argentina

A partir de 2003, os governos progressistas da América Latina foram beneficiados de aumento dos preços dos produtos agrícolas exportados. O ciclo financiou uma série de programas de distribuição de renda, estímulo ao consumo interno e de políticas pró-desenvolvimentistas.

No entanto, com o fim do chamado “boom das commodities” em 2011, a Argentina sofreu mais por ter menos estrutura industrial e depender mais das importações — ou seja, fica mais vulnerável às oscilações do mercado internacional. A leitura é do professor Luciano Wexell Severo, coordenador do Observatório da Integração Econômica da América do Sul da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).

A resposta do governo neoliberal de Mauricio Macri para o déficit, a partir de 2016, foi abrir ainda mais a economia. “Ele eliminou os controles do dólar, eliminou alguns impostos à exportação, retirou controles que o Estado tinha do comércio exterior e passou apostar da entrada de capitais estrangeiros para resolver o problema", explica.

Em reação à onda inflacionária, a Casa Rosada pediu empréstimo de US$ 50 bilhões (cerca de R$ 202 bilhões) ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Em contrapartida, o país vai aplicar medidas de austeridade. "A Argentina entrou em um círculo vicioso que cria essa situação de desemprego e inflação altíssimos", afirma.

"Uma ação de liberalização da economia gerou um problema gigantesco que é a paralisia da economia argentina, com uma inflação galopante e altíssima, alta taxa de desemprego e atividade industrial altíssimo. A taxa de juros beira os 70% e a situação é caótica", descreve o professor.

Desde janeiro de 2018, o peso argentino passa por um sucessivo histórico de desvalorização frente ao dólar e perdeu metade de seu valor. A inflação de abril deste ano ficou em 3,4% e, no acumulado de 12 meses, chega a 55,8%. Nos primeiros quatro meses de 2019, a alta é de 15,6%.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira