O ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto anunciou, em 23 de maio, mudanças no Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Tais alterações não foram explicadas de maneira aprofundada, mas refletem a intenção e o interesse do governo Bolsonaro para a condução da política de habitação de interesse social, para o uso do patrimônio público da União e para a relação entre o governo e o setor imobiliário.
Entre as alterações anunciadas está o fim da propriedade do imóvel e a proposta de aluguel para a faixa 1 do programa (famílias que recebem até 1.800 reais) e para a faixa 1,5 (famílias que recebem até 2.600 reais). É de conhecimento que nestas faixas de renda se concentra a maior parte do deficit habitacional brasileiro, bem como, aquela em que o poder público atua com maior aporte de recursos. Na faixa 1, por exemplo, o subsídio chega atingir 90% do preço do imóvel.
A justificativa do ministro para esta alteração é de que muitos erros foram encontrados no funcionamento do programa nas faixas 1 e 1,5, principalmente a comercialização irregular de imóveis.
É certo que casos de venda irregular de imóveis do programa acontecem, embora o Ministério ainda não tenha apresentado dados precisos sobre esta irregularidade. Mas negar o direito de propriedade às famílias de mais baixa renda, tendo como propósito acabar com um problema de funcionamento do programa, é incoerente e contraditório. Por trás do que se anuncia está camuflado um objetivo perverso, ou seja, a diminuição de direitos e de poderes das famílias mais pobres deste país.
Negar a apropriação da pequena propriedade privada aos mais pobres é reproduzir um dos pilares que mantém a desigualdade socioespacial brasileira.
A propriedade privada da terra ou de um imóvel, em que pese suas contradições, é um elemento fundamental de empoderamento para as famílias de baixa renda. Estas famílias gastam seus salários com alugueis ou convivem com a insegurança jurídica da posse e a ameaça de despejos forçados. Portanto, para uma família pobre que vive nestas condições, apropriar-se da pequena propriedade privada, significa a incorporação de direitos e de poderes a sua vida cotidiana.
Outro interesse do governo com esta proposta é diminuir a demanda de imóveis para as famílias de baixa renda, diminuindo também os recursos públicos em subsídios, redirecionando a produção de unidades habitacionais para as faixas mais altas do programa, onde o preço do imóvel é muito maior, e consequentemente, o lucro da incorporação imobiliária. Desta forma, a política perde ainda mais o fundamento social, pois deixa de atender a quem mais precisa de moradia, abranda a participação do Estado e cede aos interesses do setor imobiliário.
Para piorar, foi anunciado também o interesse do governo em aprofundar parcerias com a iniciativa privada para acelerar a produção de unidades habitacionais no PMCMV. O problema é como o governo pretende realizar estas parcerias. Segundo o ministro, o governo está elaborando uma proposta de doação de imóveis públicos para as empresas, que em contrapartida construiriam e administrariam condomínios para as famílias mais pobres.
Neste cenário, desenha-se um instrumento de reprodução da segregação socioespacial e de uso indevido do patrimônio público. Ou seja, a fala do ministro expõe a intenção de trocar com as empresas do setor imobiliário, prédios públicos, bem localizados e valorizados, atendidos por toda rede de serviços e equipamentos de uso coletivo, pela construção de condomínios para famílias pobres em locais afastados e segregados.
O PMCMV se tornaria assim, um vetor de reprodução de desigualdades, impossibilitando a moradia bem localizada às famílias mais pobres, impedindo essas famílias de estarem próximas da escola, da creche, de hospitais, de serem atendidas por rede de saneamento e pavimentação, enfim, negando o direito à cidade para milhões de brasileiros.
Nas últimas décadas, os movimentos sociais urbanos vêm demonstrando que prédios públicos e privados abandonados podem e devem ser utilizados para moradia, sobretudo pela sua localização. Através de ações organizadas, os movimentos sociais ocupam e revitalizam prédios sem uso nos centros urbanos, comprovando que esta é uma alternativa viável para combater a carência de moradia para as famílias mais pobres. No entanto, o poder público, na maioria das vezes, reage com repressão e criminalização às ocupações urbanas, com o argumento de defesa ao patrimônio público.
Então, os prédios públicos abandonados, que não cumprem com a função social da propriedade, não podem ser ocupados por movimentos que representam famílias sem moradia, mas podem servir de moeda de troca para aumentar os lucros da incorporação imobiliária? Este é o uso que deve ser destinado ao patrimônio público da União? Indo na contramão de estimular a moradia bem localizada para as famílias de baixa renda.
A proposta do governo ainda não está totalmente elaborada, mas as notícias que se anunciam colocam pontos de interrogação e várias preocupações para o futuro da política nacional de habitação de interesse social.
As entidades que compõem o movimento de Reforma Urbana, a oposição e as pessoas que necessitam de moradia de qualidade e bem localizada, devem estar atentas para a possibilidade de mais uma ação do governo Bolsonaro visando a redução de direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras deste país.
*Cledir Lopes é Professor de Geografia, doutorando em Geografia na Unicamp. De 2013 a 2016, Secretário Adjunto de Habitação e Regularização Fundiária no município de Rio Grande-RS.
Edição: Daniela Stefano