O Ministério Público do Trabalho (MPT) informou nesta quarta-feira (12), data que marca o Dia Internacional de Combate ao Trabalho Infantil, que recebe, em média, 12 denúncias envolvendo crianças por ano.
De 2014 a 2018, o órgão registrou mais de 21 mil denúncias de trabalho infantil. Na média histórica, o MPT calcula que haja 4,3 mil denúncias de trabalho infantil por ano.
Foram ajuizadas 968 ações e firmados 5.990 termos de ajustamento de conduta, um instrumento administrativo para corrigir práticas irregulares. Neste contexto, o Ministério Público lançou a campanha nacional Toda Criança é Nossa Criança.
Em entrevista à Rádio Brasil de Fato, o diretor de direitos humanos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Marcus Barberino Mendes, afirma que o uso da força de trabalho de crianças é “uma das formas mais nefastas de negar futuro aos brasileiros”.
“Deve-se tentar evitar qualquer forma de exposição da criança ao trabalho para o mercado até os 14 anos de idade. Primeiro, porque temos uma regra constitucional. Mas não é apenas por essa razão formal, mas porque isso é uma forma de impulsioná-los no futuro. Inclusive, impulsioná-los do ponto de vista da cidadania econômica, quando eles estiverem no mercado de trabalho”, sintetizou.
Mais de 2,4 milhões de crianças e adolescentes brasileiros, entre cinco e 17 anos, trabalham, segundo dados do IBGE. O trabalho infantil acontece na zona rural, mas também em centros urbanos, em setores como agricultura, construção civil, comércio, pecuária e outros.
De acordo com o observatório digital do trabalho escravo, entre 2003 e 2018, mais de 900 crianças foram resgatadas em condições análogas à escravidão.
Confira a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato: O que é trabalho infantil e em setor ele é mais frequente?
Marcus Barberino Mendes: Nosso mote é que criança não tem que trabalhar, mas tem que sonhar. Sonhar com tudo o que é possível. O que a gente chama de trabalho infantil é uma das formas mais nefastas de negar futuro aos brasileiros, que é submeter qualquer ser humano com menos de 14 anos de idade a qualquer forma de trabalho que lhes retire as possibilidades de futuro.
Isso envolve, principalmente, a exposição do trabalho ao mercado e essa é a questão fundamental. Se tem algo que é estruturante na nossa Constituição da República é a ideia da proteção integral à infância. E a gente só consegue proteger as crianças de modo integral se tiver acolhimento e afeto na família, mas se tiver, sobretudo, a possibilidade de que a Educação retire daquela criança a trajetória de vulnerabilidade em que ela se encontra. Esse é um ponto central.
A forma de trabalho infantil mais abjeta, naturalmente, é aquela que ainda reúne uma segunda negação absoluta da cidadania, que é encontrar crianças submetidas ao trabalho escravo contemporâneo. E isso é muito recorrente no Brasil.
E, por exemplo, os pais colocam seu filho adolescente para trabalhar na loja da família, é considerado trabalho infantil?
Esse é um assunto bastante fomentado porque a gente mistura as coisas. A ideia de que você pode forjar o caráter dos seres humanos para o trabalho desde cedo é um senso comum. E a gente associa isso a um setor nível de vulnerabilidade da família. Inclusive a pequenos comerciantes ou mesmo ambulantes de rua. E com isso você tenta sensibilizar para essa questão. Mas o fato é que, seja neste pequeno comércio ou em uma loja, a criança não deve ser exposta ao trabalho para o mercado.
A criança tem múltiplas possibilidades. A gente esquece que brincar é uma forma lúdica e, também, é uma forma de trabalho. Uma forma mais adequada de trabalho às crianças e adolescentes. O ideal é não expor a criança a nenhuma forma de trabalho voltada para o mercado. E nos atemos àquilo que é possível: a legislação brasileira tem uma forma de sociabilidade para as crianças e adolescentes, quando eles têm mais aptidão e capacidade de entender todas as circunstâncias e riscos do trabalho, que é o trabalho para aprendizagem. Aí temos uma forma adequada que tenta mesclar trabalho com a formação educacional dos adolescentes.
Mas a gente deve tentar evitar qualquer forma de exposição da criança ao trabalho para o mercado até os 14 anos de idade. Primeiro, porque temos uma regra constitucional. Mas não é apenas por essa razão formal, mas porque isso é uma forma de impulsioná-los no futuro. Inclusive, impulsioná-los do ponto de vista da cidadania econômica, quando eles se tornarem pessoas que vão ao mercado de trabalho.
Dados do Ministério da Saúde mostram que o Brasil registrou, nos últimos 11 anos, cerca de 44 mil acidentes de trabalho com crianças e adolescentes, entre cinco e 17 anos. Mais de 260 meninas e meninos perderam a vida trabalhando. As crianças e adolescentes estão mais suscetíveis à acidentes de trabalho? Por quê?
Evidente. O medo é uma forma de prevenção. Então, para a gente se prevenir de certos riscos a gente precisa compreender toda a circunstância que o trabalho se desenvolve. É uma tragédia que a gente tenha um nível desses de acidentes de trabalho com crianças. E é uma coisa assustadora ter esse número de mortes.
Naturalmente que, por trás disso, está um outro tipo de vulnerabilidade que é onde a gente insere os pais dessas crianças — que são famílias que já estão em situação de vulnerabilidade e, portanto, são impelidas a ter seus filhos submetidos a esse tipo de riscos. A criança não domina completamente a consciência cinestésica ou mesmo dos riscos envolvidos em tudo aquilo que é o meio ambiente transformado pelos seres humanos.
Então, é necessário evitar essa exposição. Se as crianças estão presentes no ambiente do trabalho, elas serão as mais vulneráveis física e ontologicamente, mas também serão as mais segregadas, aquela em que, se houver algum tipo de segurança, não serão a elas que será dado treinamento para isso ou qualquer visibilidade. Então, aumenta exponencialmente o risco de qualquer atividade a presença de crianças no ambiente trabalho — trabalhando ou não. Às vezes elas só estão acompanhando os pais e isso aumenta exponencialmente o risco do ambiente de trabalho.
Quem entra em contato com algum caso de trabalho infantil, o que deve fazer?
Nós temos hoje uma rede de apoio à criança que é vasta. Mesmo em municípios menores do país, há um juizado da criança e do adolescente, ministério público do estado, seja o ministério público do trabalho — que é quem tem mais esse perfil e tem mais expertise e viabilidade de cuidar desses problemas. Também tem os conselhos tutelares.
Essa rede é capaz de captar a denúncia, processá-la e dar um tratamento adequado. E isso é fundamental. A gente não deve pensar só no aspecto punitivo que envolve esses órgãos de repressão, mas a gente deve pensar que eles são fundamentais até para o que há de desenvolvimento de políticas públicas que a gente consiga melhorar a condição de acesso dos adultos ao mercado de trabalho, mas principalmente para cuidar que a criança tem que sonhar. E para sonhar ela tem que ir para a escola e não a nenhum ambiente de trabalho.
* Com a colaboração de Rute Pina
Edição: Rodrigo Chagas