Desarmamento

Derrota do governo: CCJ do Senado derruba decreto que flexibiliza porte de armas

Decisão contraria interesses da bancada da bala; discussão sobre decreto editado em maio vai a plenário

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Senadores da CCJ durante votação de PDL que suspende decreto do porte de armas
Senadores da CCJ durante votação de PDL que suspende decreto do porte de armas - Alessandro Dantas

Em mais uma derrota do governo Bolsonaro (PSL), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado rejeitou, nesta quarta-feira (12), pelo placar de 15 votos a 9, o parecer do senador Marcos do Val (Cidadania-ES) em defesa dos decretos presidenciais que expandiram o porte de armas de fogo no país, flexibilizando as normas do Estatuto do Desarmamento. A pauta será avaliada pelo plenário. 

Na prática, o colegiado aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 233/2019, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e outras seis medidas (PDLs 235, 238, 239, 286, 287 e 332) que tramitavam de forma apensada, ou seja, conjuntamente, porque têm o mesmo conteúdo. Todas elas pedem a suspensão do Decreto 9.785/2019, editado pelo presidente Jair Bolsonaro em maio deste ano.  

“Nós conseguimos um grande resultado. Já era esperado que nós tivéssemos essa maioria aqui na CCJ, e também acreditamos que vamos ter maioria no plenário”, disse o líder da bancada do PT na Casa, Humberto Costa (PE).

A pauta dividiu algumas bancadas da Casa. Votaram contra o relator os senadores Humberto Costa (PT-PE), Rogério Carvalho (PT-SE), Renilde Bulhões (Pros-AL), Rodrigo Pacheco (DEM-MG), Rodrigo Cunha (PSDB-AL), Rose de Freitas (Podemos-ES), Eduardo Girão (Podemos-CE), Antonio Anastasia (PSDB-MG), Renan Calheiros (MDB-AL), Otto Alencar (PSD-BA), Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Fabiano Contarato (Rede-ES), Cid Gomes (PDT-CE), Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) e Esperidião Amim (PP-SC).  

Já os senadores Marcos Rogério (DEM-RO), Ciro Nogueira (PP-PI), Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Arolde Oliveira (PSD-RJ), Ângelo Coronel (PSD-BA), Oriovisto Guimarães (Pode-PR), Juíza Selma (PSL-MT) e Jorginho Mello (PL-SC) defenderam o decreto de Bolsonaro, votando favoravelmente ao relatório.

A rejeição à medida tomou fôlego mesmo diante da articulação de apoiadores do governo, como é o caso do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, e do líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP).  

Membro da bancada da bala, este último investiu, nas últimas semanas, na mobilização pró-decreto nas redes sociais, mas viu o plano perder força diante de uma tentativa frustrada de aprovação de audiências públicas sobre o decreto na CCJ. A ideia era aprovar as audiências para adiar a votação do PDL enquanto se tentava atrair novos apoiadores -- na ocasião, o placar terminou em 16 votos contrários e apenas quatro favoráveis.     

Constitucionalidade  

Do ponto de vista técnico, a análise da CCJ recai sobre a admissibilidade do decreto, que foi considerado pela maioria dos senadores como inconstitucional e ilegal.    

“Ele altera substancialmente uma lei federal, violando a hierarquia das leis. Porque a Lei 10.826, de 2003, intitulada Estatuto do Desarmamento, estabelece, no artigo 6º, que, no Brasil, fica proibido o porte de armas de fogo. Essa é a regra. Jamais um decreto presidencial pode violar uma lei ordinária, uma lei federal. Ele [Bolsonaro] está rasgando a Constituição Federal e tendo um comportamento populista, imediatista”, analisou Fabiano Contarato (Rede-ES).      

O senador Renan Calheiros ressaltou que a edição do dispositivo por Bolsonaro ofende o Poder Legislativo e criticou “o uso excessivo de decretos” pelo presidente.  

“É um mal, um precedente com o qual o Congresso não pode concordar. Os estados de exceção acontecem pela reiteração de excepcionalidades, e nós não podemos concordar com isso”, defendeu.

A derrota governista levou à aprovação de um voto em separado, editado pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB), que se posicionou contrariamente ao decreto e, portanto, favorável à anulação da medida. Outros dois votos com o mesmo teor foram apresentados pelos senadores Rogério Carvalho (PT-ES) e Contarato. O parecer escolhido para avaliação do plenário é do pessebista.   

Assim como os demais, Rêgo disse que o decreto extrapola o poder regulamentar do presidente da República. Também acrescentou que, ao alterar significativamente as regras impostas pelo Estatuto do Desarmamento, o dispositivo “não observa o princípio da razoabilidade”.   

Debate

Embora a avaliação da CCJ seja tecnicamente centrada no aspecto jurídico da matéria, a análise de mérito não ficou na periferia do debate, que foi marcado por intensa oposição ao conteúdo do decreto.

Ao defender a aprovação do seu parecer, o senador Marcos do Val fez referência ao que chamou de “sagrado direito de proteger a si”. “Armas sozinhas não matam ninguém. Armas são objetivos inanimados. As pessoas é que matam. A questão, portanto, não é a quantidade de armas, e sim as pessoas com quem elas estão”, acrescentou, no que foi duramente criticado pelos opositores.

“Nós vivemos em um país onde não se controla nem o mosquito da dengue e nem pessoas embriagadas no volante ou brigando no trânsito. Imaginem todo mundo armado na rua”, disse o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que não votou pelo fato de não ser membro titular da CCJ.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder do bloco de oposição que reúne Rede, PDT, Cidadania e PSB, destacou que o decreto de Bolsonaro recebeu parecer de ilegalidade e inconstitucionalidade das consultorias técnicas da Câmara e do Senado. Ele também contrapôs o argumento – utilizado por Bolsonaro e apoiadores nas últimas semanas – de que os opositores estariam criticando o decreto por supostamente serem "de esquerda".  

“Se alguém fez retórica política, foi o presidente da República, que quis animar sua base social com esse decreto. Essa não é uma questão nem de esquerda, nem de direita, nem de liberal, nem de socialista. É uma questão civilizatória, que une todos que defendem um pacto civilizatório mínimo de convivência”, argumentou o líder.

Tramitação

A CCJ aprovou ainda, por meio de votação simbólica, a tramitação de urgência do PDL. Após a votação no plenário da Casa, a proposta deve ser avaliada pela Câmara dos Deputados.    

 

 

 

Edição: Daniel Giovanaz