Desde o último domingo (9), quando o The Intercept Brasil publicou a série de três reportagens que indicam a interferência de Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, na Operação Lava Jato, o país debate a origem das conversas divulgadas pelo site. Em nenhuma linha das matérias, os repórteres envolvidos afirmam que a fonte responsável por fornecer os dados fosse um hacker. Aliás, nada é dito sobre a fonte. Protagonista do episódio, o premiado jornalista Glenn Greenwald lançou mão de um expediente absolutamente comum no jornalismo, garantir que seu informante seja mantido em anonimato.
“Produzidas a partir de arquivos enormes e inéditos — incluindo mensagens privadas, gravações em áudio, vídeos, fotos, documentos judiciais e outros itens — enviados por uma fonte anônima, as três reportagens revelam "comportamentos antiéticos e transgressões que o Brasil e o mundo têm o direito de conhecer”, afirma a equipe de editores do site, Glenn Greewald, Betsy Reed e Leandro Demori.
Dias antes da série do Intercept, em 4 de junho, Moro anunciou que seu celular foi hackeado. O invasor teve acesso, durante seis horas, às conversas do ministro no Telegram, aplicativo russo de conversa online. O hacker chegou a trocar mensagens com contatos do ex-juiz da Lava jato.
Em sua primeira manifestação pública sobre as denúncias que a série do Intercept suscitaram, Sérgio Moro preferiu tergiversar a respeito das acusações que lhe pesam e com a autoestima peculiar dos togados deste país, não imaginou que pode ter sido traído por algum outro membro de grupos de conversa do Telegram. O ministro aproveitou o anúncio recente da invasão de seu aparelho para acusar um “responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores”, imaginando que a opinião pública poderia fazer a associação entre os dois episódios.
“Sobre supostas mensagens que me envolveriam publicadas pelo site Intercept neste domingo, 9 de junho, lamenta-se a falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores”, explicou o ministro, sem tratar do mérito, mas sim do que ele supôs ser o método utilizado para chegar até suas conversas privadas.
Assim, Sérgio Moro, bem como Deltan Dallagnol, procurador do Ministério Público, conseguiram se esquivar de ofertar à sociedade suas respostas sobre a possibilidade de que o ministro de Jair Bolsonaro fosse “o chefe da força tarefa da Lava jato” como Glenn Greewald chegou a insinuar em entrevista.
No texto que abre a série, escrito pela equipe de editores do Intercept, os jornalistas já tentavam combater o possível argumento de Moro e sua trupe para jogar fumaça nas denúncias.
“O único papel do The Intercept Brasil na obtenção desse material foi seu recebimento por meio de nossa fonte, que nos contatou há diversas semanas (bem antes da notícia da invasão do celular do ministro Moro, divulgada nesta semana, na qual o ministro afirmou que não houve “captação de conteúdo”) e nos informou de que já havia obtido todas as informações e estava ansiosa para repassá-las a jornalistas”, afirmam os editores.
Se uma parte da mídia e dos parlamentares se preocupava em analisar o conteúdo da denúncia oferecida pelo Intercept e especular sobre a saída de Moro do ministério, dada a gravidade que significa a interferência do juiz em favor da equipe da Lava Jato. Por outro, o movimento foi intensificar o debate sobre proteção de dados e combate aos hackers.
Rapidamente, as portas do covil foram abertas e de lá saíram os irmãos Carlos e Eduardo Bolsonaro — o terceiro dos filhos do presidente, Flávio, não encontra amparo ético para elaborar crítica alguma após o episódio “Queiroz”— que lançaram tuítes e mais tuítes atacando Glenn e o Intercept. De imediato, receberam apoio do espectro bolsonariano das redes sociais, que passaram a atacar também o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), marido do jornalista.
Em dois dias, as manchetes de jornais e portais já mostravam uma preocupação mais intensa com os hackers, em detrimento das denúncias. Parlamentares da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados tentam convocar Glenn Greewald para que ele dê explicações sobre como adquiriu as conversas de Moro com membros da Lava Jato. O que os deputados parecem ignorar, por má-fé ou desconhecimento, é que o sigilo de fonte do jornalista está estampado no inciso XIV do artigo 5º da Constituição Federal.
A quem interessa que o foco da histórica série de reportagens do Intercept Brasil seja um hacker, que nunca foi citado nos textos, ao invés do conteúdo, que aponta para a interferência direta de um juiz federal na maior operação policial do país, auxiliando a acusação?
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira