entrevista

“O país finalmente vai conhecer a verdade", diz Lula sobre Moro e Dallagnol

Confira os detalhes da primeira entrevista do ex-presidente após as denúncias do site The Intercept sobre a Lava Jato

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Entrevista foi feita pelos jornalistas Juca Kfouri e José Trajano e transmitida pela TVT na noite desta quinta-feira (13)
Entrevista foi feita pelos jornalistas Juca Kfouri e José Trajano e transmitida pela TVT na noite desta quinta-feira (13) - Reprodução TVT

Nesta quinta-feira (13), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu à TVT sua primeira entrevista após os vazamentos das conversas entre Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, e Deltan Dallagnol, procurador do Ministério Público, no site The Intercept Brasil. 

“A Globo é a grande mentora dessa panaceia toda. Ninguém é contra combater a corrupção. Tenho certeza que vocês não são, todos os 210 milhões de brasileiros são favoráveis, até os que roubaram. Perguntem ao Cabral ou ao Cunha se eles eram contra. Eles eram a favor até uma semana antes”, afirmou Lula. 

Ainda sobre as reportagens do The Intercept Brasil, tema que dominou grande parte da entrevista conduzida pelos jornalistas Juca Kfouri e José Trajano, Lula expôs sua indignação com o cárcere ao qual está submetido a um ano e três meses e se declarou inocente das acusações impostas pela força tarefa da Lava Jato. “Você acha que eu ia sujar minha mão com um apartamento que eu poderia comprar? Que eu ia sujar minha mão com um sítio que eu podia comprar?”, perguntou. 

Sobre as conversas reveladas pelo The Intercept, que indicam que o ministro, na época juiz responsável pela análise dos casos no âmbito da Lava Jato, pode ter interferido em favor da acusação, Lula voltou a criticar a atuação Sérgio Moro e Deltan Dallagnol.

“O país finalmente vai conhecer a verdade. Eu sempre disse que o Moro é mentiroso, é mentiroso. Eu disse no primeiro depoimento que fiz, está gravado, que ele estava condenado a me condenar. O Dallagnol é tão mentiroso, que depois de ficar uma hora e meia na televisão mostrando um PowerPoint, ele consegue dizer para a sociedade: ‘Não me peçam provas, só tenho convicções’. Ele deveria ter sido preso ali”, defendeu o ex-presidente.

Para o petista, o objetivo da dupla era impedi-lo de disputar as eleições presidenciais de 2018. “Se eu pudesse participar de debate na televisão, se eu pudesse participar de comício, a chance seria muito maior. O bloco de esquerda estaria conosco e certamente o PDT estaria conosco”, lembra o ex-presidente, para quem "Moro deixou de ser juiz há muito tempo. Quando a mosca azul da Globo pousou na testa dele, ele virou um serviçal da Globo. É por isso que ontem eu vi a loucura de tentarem desmoralizar o Glenn  [Greenwald, jornalista e sócio-fundador do The Intercept]. A Globo está com medo de ser citada, com medo de aparecer.” 

Durante a entrevista, Lula, por diversas vezes, desafiou seus acusadores a provarem o que dizem. “Eu gostaria que sentasse aí onde você está, o William Bonner, que há seis anos fala mal de mim todos os dias”. Para o ex-presidente, a Globo deveria organizar um debate entre ele, Dallagnol e Moro. “Eu contra os dois”, pediu. 

Para o ex-presidente, a emissora adotou outra postura sobre os vazamentos. “Eu estou vendo nesse instante a Globo tentando salvar o Dallagnol e o Moro. Dizendo que não se pode vazar coisas que não se pode saber de onde é, que isso teria vindo de um hacker. Ora, por que não tiveram essa seriedade quando vazaram a minha conversa com a  Dilma, quando vazaram a conversa dos meus filhos com a mãe? Por que não tiveram esse pudor?”

Eleições de 2014 e Bolsonaro

Durante a entrevista, Lula contou que quase disputou as eleições de 2014. “Chegou um momento em que era unanimidade o Lula ser candidato a presidente em 2014. Não tinha um empresário que não pedisse isso. A salvação da lavoura era o Lula ser candidato a presidente. Eu poderia ter discutido minha volta. Eu estava nos cascos, eu estava afiado. Eu tinha tanta vontade de fazer o que eu não tinha feito, eu estava com tanta vontade de fazer mais coisas que eu achava que era possível fazer”, lembra.

Em seguida, questionado sobre o que faria diferente, o petista emendou: “Era possível cuidar mais dos pobres, era possível fazer mais coisas... Era necessário, e hoje é urgente, fazer uma regulação dos meios de comunicação nesse país. Esse país não pode ter os meios de comunicação dominados por nove famílias. A nossa última regulação é de 1962.” 

Sobre 2018, Kfouri quis saber como Lula encarava o voto dos que não queriam eleger o PT e buscaram em Bolsonaro uma opção. “Alguém que se sentiu traído pelo PT, não precisava ter votado no Bolsonaro, poderia ter votado numa coisa melhor. O Boulos foi candidato. O Ciro, embora não mereça o voto por ser muito grosseiro, foi candidato. A Marina foi candidata. Não é porque estou me vingando de você que vou pegar um martelo e bater no meu dedo. Eu não estou me vingando, estou sendo um babaca”, argumentou. 

Para Lula, “Bolsonaro é resultado do pânico que os meios de comunicação e uma parte da elite brasileira criaram no Brasil sobre a política. O Bolsonaro funciona como se fosse um dos piores coronéis da política brasileira. Ele é presidente, tem um filho senador, um filho deputado e um filho vereador. Mesmo assim, se vendeu para a sociedade como um antissistema.”

Por fim, o ex-presidente falou sobre sua expectativa para a audiência do próximo dia 25 de junho, quando a segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) irá analisar um pedido sobre sua liberdade. “Eu espero que a Suprema Corte recupere o padrão de confiança da sociedade. Se a sociedade brasileira tem desconfiança da Igreja, tem desconfiança da imprensa, tem desconfiança da política, não acredita no Senado, não acredita na sua polícia e não acredita no Judiciário, aí estamos criando uma sociedade anarquista”, encerrou.

Leia a entrevista completa do ex-presidente:

Juca Kfouri: Presidente Lula, primeiro, muitíssimo obrigado por nos receber. Em segundo lugar, eu gostaria de saber do senhor o seguinte: durante os últimos tempos, o senhor tem dito que viveria para ver Moro e Dallagnol desmascarados, pegos na mentira. Isso acabou acontecendo mais rapidamente do que o senhor imaginava?

Lula: Juca, primeiro, eu sou um cristão fervoroso. E eu sempre disse que Deus é tão justo que ele consegue escrever [certo] por linhas tortas. Se a gente tivesse sido levado a sério pelos meios de comunicação no Brasil, quando nós fizemos todas as denúncias que o Intercept está fazendo agora, durante o processo, não teria surpresa o que aconteceu.

O que aconteceu foi dito por mim várias vezes, foi dito pelo Cristiano [Zanin Martins, advogado de defesa], foi dito por todo mundo que me defende. Eu, aproveitando para dizer a você que, estou ficando feliz com o fato de que o país finalmente vai conhecer a verdade. Eu o tempo inteiro disse que o Moro é mentiroso. É mentiroso. Eu disse que no primeiro depoimento que eu fiz, e isso está gravado, que ele estava condenado a me condenar, porque a mentira tinha ido muito longe. O Dallagnol é tão mentiroso que depois de ficar uma hora e meia na televisão mostrando o powerpoint, ele consegue dizer para a sociedade: não me peçam provas, eu só tenho convicção. Ele deveria ter sido preso ali. Ele deveria ter sido preso por enganar 210 milhões de brasileiros.

Mas como houve uma mentira no inquérito feito pelo delegado, houve uma mentira pela acusação feita pelo Dallagnol, houve uma mentira do Moro no  julgamento, referendada pelo TRF4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região] que nem leram o processo e julgaram, porque o objetivo é evitar que o Lula participasse do processo eleitoral de 2018, agora veio à tona. E o que está acontecendo de mais grave? É que estou vendo neste instante a Globo tentando salvar o Dallagnol e tentando salvar o Moro. Tentando mostrar, "olha, não pode vazar coisa que não se sabe de onde é porque isso aí foi um hacker…" Ora, por que é que não tiveram essa seriedade quando vazaram a conversa da Dilma comigo, quando vazaram a conversa dos meus filhos com a mãe, por que não tiveram esse pudor? Por que não tiveram o pudor de colocar a gente na televisão no momento em que acusavam a gente?

E nós estamos vivendo nesse instante, Juca, uma coisa extraordinária, que é o seguinte: acho que a máscara vai cair. O que vai acontecer não sei. Só quero te dizer que neste instante eu estou mais tranquilo do que o Moro, mais tranquilo do que o Dallagnol, tô mais tranquilo do que qualquer juiz neste país. Porque a minha tranquilidade é daqueles que sabem que é honesto, que sabe que Deus sabe que eu sou honesto, eu sei que sou honesto, o Moro sabe que eu sou honesto, o Dallagnol sabe que eu sou honesto, e eles sabem que estão mentindo. Então, essa é a minha tranquilidade, que eu espero que se faça justiça neste país. E o que eu espero? Que a Globo, porque a Globo, é, na verdade, a grande mentora dessa panaceia toda. Ninguém é contra combater a corrupção. Tenho certeza de que você não é, tenho certeza de que o Trajano não é, todos, 210 milhões de brasileiros são favoráveis ao combate, até os que roubaram são favoráveis. Perguntasse pro Sérgio Cabral uma semana antes, para o Eduardo Cunha uma semana antes se ele era favorável, ele me dizia que era, só que não sabia…?

Então, eu estou aqui, Juca, agradecendo essa entrevista, porque é a oportunidade que eu tenho. A Polícia Federal invadiu a minha casa. A Polícia Federal invadiu a casa dos meus filhos. A Polícia Federal invadiu o Instituto [Lula]. A Polícia Federal sabe que não encontrou absolutamente nada e não teve coragem de dizer na televisão que não tinha encontrado nada. Quando encontrava uma barra de ouro na casa do Nuzmann, fazia um carnaval, quando encontrava na casa do Sérgio Cabral fazia um carnaval, na minha casa não tiveram a coragem, a sensatez, não encontramos na casa do Lula, na casa dos filhos dele, debaixo do colchão da dona Marisa, desculpa, presidente Lula. Não fizeram isso. Porque embora eu seja o brasileiro que mais respeita as instituições… Duvido que a Polícia Federal tem um presidente que cuidou mais dela do que eu, duvido. Sem pedir um favor. Duvido que o Ministério Público tenha um presidente que mais respeitou a instituição do que eu.

Agora, essas instituições, que são poderosas não podem ser manipuladas por moleques irresponsáveis. Denunciar pessoas honestas. Eles só falaram que apuramos, arrecadamos R$ 3 bilhões. A pergunta que se faz é a seguinte: quantos bilhões, quantos empregos e quantas empresas quebraram pela brincadeira de vocês? Não era possível apurar corrupção sem quebrar empresa? Era. Prende o dono e deixa a empresa funcionando, como a Samsung continuou funcionando, como a Volkswagen continuou funcionando na Alemanha. Por que quebrar as empresas? Por que desmoralizar a Petrobras, quebrar a Petrobras?

Hoje, Juca, eu quero aproveitar vocês dois pra dizer: é porque o Dallagnol, o Moro e a Lava Jato estão hoje muito mais a serviço dos interesses norte-americanos do que a serviço aos interesses do combate à corrupção. Estou afirmando isso, espero que o Moro esteja ouvindo. Aliás, a Globo poderia fazer um debate entre eu, o Moro e o Dallagnol, eu sozinho contra os dois. Os dois fizeram curso em Harvard, são bem preparados, têm muitas informações, poderiam fazer um debate comigo, em qualquer horário que eles tivessem, pra gente ver quem está mentindo nesse país. O Brasil hoje é vítima de uma grande mentira. E estou dizendo isso sem negar as coisas importantes de combate à corrupção.

É muito importante que empresário que roubou esteja na cadeia, é muito importante que político que roubou esteja na cadeia. É muito importante que a delação seja feita espontaneamente, não manter as pessoas presas três ou quatro anos, pedindo pra pessoas citarem meu nome, como pediram pra muita gente citar meu nome. Tinha gente que era presa, a primeira coisa que ele falava: e o Lula, e o Lula? Eu passei quantos ouvindo falar: o que dia que prenderem o Emílio Odebrecht, o Lula está ferrado, o dia que prender o Marcelo está ferrado, o dia que prender o Léo [Pinheiro], o dia que prender o ? tá ferrado. Pode prender até o Moro, pode prender até os parentes dele. Porque eu duvido que neste país tenha um empresário, tenha um político, que tenha a coragem de dizer que um dia eu pedi 5 reais pra ele.

Juca: Mas o Lula não tá ferrado, presidente?

Lula: Eu não tô ferrado, não. Sinceramente. Eu estou acabrunhado. Eu gostaria de estar em liberdade, gostaria de estar vendo o meu Corinthians jogar, gostaria de estar vendo a minha família. Sabe? Eu já falei pra todo mundo que quando eu sair daqui eu vou casar.

Juca: Aliás, o senhor se arrepende de ter dito para o ex-ministro Bresser-Pereira da sua namorada? Porque parece que ela foi prejudicada por causa disso.

Lula: Eu não me arrependo, não me arrependo. Veja, deixa eu falar uma coisa pra você. Tem uma frase que é o seguinte: o amor sempre vencerá. Demora, mas vencerá. É como disse o Batochio (José Roberto Batochio, advogado) ontem: a verdade pode ficar doente, mas ela não morre. Eu gostaria de estar em liberdade, gostaria de estar na rua, gostaria de estar conversando (?) com vocês, mas eu estou aqui consciente que tem milhões e milhões e milhões de brasileiros pior do que eu, em liberdade. Ontem eu vi na televisão em Recife, na porta de um supermercado, o povo invadindo um caminhão que cata lixo para comer. Nós tínhamos acabado com a fome neste país. E essas pessoas não se dão conta que o falso moralismo delas levou o país à bancarrota. E digo levou o país à bancarrota porque a Globo tem culpa nisso. A Globo transformou o combate à corrupção numa grade dela, em que o Lula é citado, sabe, em quatro anos mais de 100 horas no Jornal Nacional.

Trajano: O próprio Glenn [Greenwald, editor do Intercept], numa entrevista ontem, coloca a Globo como parceira da Lava Jato.

Lula: Veja, quando o Moro começou esse processo, o Moro visitou a Folha, o Estadão, a Veja, a Épocaa IstoÉ, a Globo, visitou todos os canais de televisão. Ele diz no artigo dele, Mani pulite, que só é possível dar certo se a imprensa ajudar. Ora, é muito importante que a imprensa ajude, o que a imprensa não pode é condenar as pessoas antes do julgamento, o que não pode é um juiz votar pela manchete de um jornal. Um juiz tem que votar pelos autos do processo, pela testemunha.

Trajano: Mas, presidente, as matérias do Glenn na Intercept revelaram uma série de diálogos que mostram o conluio do Sergio Moro com o Dallagnol e os outros procuradores. A gente pode listar aqui vários assuntos diferentes, até listei alguns aqui: a sua condenação rápida, em segunda instância, a proibição da entrevista à Monica Bergamo, pode eleger o Haddad…

Lula: Mas, tudo isso, Trajano, tudo isso, a bala já saiu do cano, a bala já está em direção a mim. O que é duro é inventar o processo. O tal do apartamento da cota da Bancoop está na minha declaração de Imposto de Renda desde 1975.

Trajano: E ele mostra uma insegurança que não tinha provas.

Lula: Então, eles inventaram toda uma história. Porque o objetivo da Lava Jato… eu era a Copa Jules Rimet. Precisaria me conquistar, precisaria ganhar, nem que fizesse como a do Brasil (que roubaram depois) e me deixar logo depois. Mas era preciso chegar no Lula, senão não tinha valido a pena o golpe. Pra quê tirar a Dilma e deixar o Lula voltar em 2018? Então, eles montaram a estrutura de me trazer pra cá. No apartamento não dava para me trazer pra cá, então eles inventaram a seguinte fantasia: tinha uma empresa offshore no Panamá, que tinha comprado coisa da Petrobras, e que eu estava envolvido nisso, tal. Quando prenderam a moça do offshore, descobriram que o offshore era dono do apartamento dos Marinhos em Paraty e descobriram que a empresa era dona do helicóptero da Globo. O que que fizeram? Soltaram a moça, mas não me tiraram do processo. Quando nós entramos com o agravo, depois da sentença mentirosa do Moro, o que o Moro disse? Nunca disse que a Petrobras está envolvida e que o apartamento é do presidente. Então por que eu estou preso, por fato indeterminado? Que fato é esse, não se sabe? O que eles pensaram? Já que tá tu, vai tu mesmo.

Juca: Presidente, deixe eu fazer uma pergunta. O senhor há de se lembrar, quando fizemos este livro, A Verdade Vencerá, da editora Boitempo – aproveito pra dizer que está praticamente esgotado e vai sair uma nova edição –, há um momento em que o senhor se refere ao fato de que no Instituto Lula o senhor foi visitado por inúmeros grandes empresários brasileiros.

Lula: Todos.

Juca: O senhor poderia nominá-los? Porque, por exemplo, até onde é possível imaginar, algum dos Marinho (donos da Globo) o visitou?

Lula: Muitas, tive várias conversas. Estive com o João Roberto Marinho na casa do Palocci. Logo depois da manifestação de 2013, que eu queria saber qual era o papel da Globo de suspender a sua novela para transmitir aquela… E o João Roberto Marinho, com a maior cara do pau, me disse: olha, porque tinha um clima insustentável dentro da Globo, então nós achamos que era melhor suspender, os artistas queriam participar… Sabe? Ora, eles não suspenderam a grade da Globo nem pro enterro do doutor Roberto Marinho.

Juca: Mas ele não estava entre aqueles que lhe pediam para ser candidato à Presidência?

Lula: Deixa eu falar, chegou um momento… Isso não é bom falar por mim, senão dá a impressão que estou sendo arrogante…

Juca: Cabotino.

Lula: Mas chegou um momento em que era unanimidade o Lula ser candidato a presidente em 2014. Unanimidade. Não tinha um empresário, de qualquer setor, seja do agronegócio, do etanol, do açúcar, da indústria automobilística, da construção civil, da indústria de máquinas, seja banqueiro. Roberto Setúbal (então presidente do Itaú) esteve comigo. O Trabuco (Luiz Trabuco, presidente do Bradesco) esteve comigo. O Santander esteve comigo. Todos eles, a salvação da lavoura era o Lula voltar a ser presidente. Bom, a partir de junho de 2014, eu disse que não ia ser candidato a presidente. Não tinha, primeiro, havido nenhuma demonstração da Dilma de discutir o assunto. Se ela não queria discutir o assunto, é porque queria ser candidata, e ela tinha o direito, porque era presidente. Então, morreu o assunto. O PT queria que eu fosse, mas o PT também não tomava a decisão, abrir a discussão. Até que chegou no Anhembi, a Dilma foi convidada para um ato do PT que tinha lá, e o pessoal começo a gritar “volta, Lula, volta, Lula”. E eu fui obrigado a fazer um discurso, acabar com a brincadeira, a Dilma é nossa candidata a presidente, acabou.

Então, a partir desse instante começou a haver um afastamento dos empresários. Eu não era mais, então eles ficaram todos atrás do Aécio, alguns atrás da Marina, tal. Mas houve um momento em que eu era unanimidade. Isso poderia ser perguntado a outras pessoas, porque eles poderiam dizer melhor. Todo mundo achava que eu deveria voltar pra presidente. E eu na verdade, hoje, passados cinco anos, eu poderia ter discutido minha volta. Eu estava, como é que se fala, eu estava nos cascos, eu tava afiado, eu tinha vontade de fazer o que eu não tinha feito, com tanta vontade de fazer mais coisa que era possível fazer…

Juca: Por exemplo…

Trajano: Está se arrependendo, então, de ter feito esse discurso lá?

Lula: Não, não, não cabe arrependimento, sabe, em política não cabe arrependimento. Não foi, não foi, o tempo passou, tivemos um outro presidente, a Dilma foi eleita, o Aécio fez a bobagem que fez de criar esse clima de ódio estabelecido no Brasil, de não acatar o resultado, tivemos o golpe com o impeachment, e tivemos agora, como resultado, o país pariu essa coisa chamada Bolsonaro.

Juca: O que o senhor queria fazer que não fez e que estava em cima dos cascos para fazer?

Lula: Deixa eu te falar, primeiro eu acho que era possível cuidar mais dos pobres, era possível fazer mais coisa. Eu sei que fui o presidente que mais fez. Mas era possível fazer mais, era possível gastar mais em educação, era possível fazer mais universidade, mais escola técnica. Uma coisa que eu digo era necessário, hoje é urgente, fazer uma regulação dos meios de comunicação neste país. Este país não pode ter os meios de comunicação dominados por nove famílias, não pode. Não pode o cidadão ser dono da televisão, do jornal, do blog, é preciso regular. A última regulação nossa é de 1962. Portanto, não tinha nem fax, nem telefone celular, não tinha nada. Então, é preciso regular. Nós tínhamos um projeto de regulação, feito nas conferências convocadas em 2009 pelo companheiro Franklin Martins, depois a gente achou que era imprudente mandar pra votar no último ano, em que os deputados todos estavam disputando a sua reeleição, e a gente sabia da quantidade de deputado que tinha rádio nos seus estados, se a gente mandasse era perder, que era importante mandar no começo do mandato.

Juca: Eu certa vez ouvi de um alto dirigente do PT que certas coisas não foram feitas porque quando você está numa situação de “tá tudo bem, tá todo mundo feliz?”, é melhor não mexer nisso porque se mexer vai dar problema. Tem um pouco disso?

Lula: Tem um pouco do seguinte. Toda vez que você tenta brigar com a imprensa, sempre aparece alguém dizendo assim pra você: “Você tem que tomar um café com eles, você tem que almoçar com eles, você tem que convidá-los prum jantar”. É preciso uma conversa. Isso foi feito, o coitado do Zé Dirceu cansou de jantar com o Roberto Civita, eu conheci o Roberto Civita na casa do Zé Dirceu. O João Roberto Marinho vivia conversando com o Palocci, com o Guido Mantega, com o Zé Dirceu, conversava comigo, conversava com a Dilma. Nunca resolveu.

Uma vez, tem um episódio fantástico, na eleição de 2006. Eu era candidato à reeleição, e nós chamamos o João Roberto Marinho para conversar sobre o papel da Globo na campanha. Eu era o presidente. E comecei a notar que candidato que tinha 2% na pesquisa tinha mais tempo no jornal que eu, mais espaço. Aí chamamos o João Roberto Marinho para conversar, nós tínhamos um observatório da imprensa, e a gente mostrava, o Globo, a Folha, o Estadão, a revista… Era um absurdo, a Heloísa Helena tinha o dobro de tempo que eu tinha no jornal O Globo. E aí, nós chamamos o João Roberto Marinho para uma conversa, o que estava acontecendo, não, todo mundo é igual, nós tratamos igual, não sei das quantas, tal… Aí a Dilma, mas se vocês tratam igual, por que no editorial vocês dão tratamento diferenciado pro Lula? Não, o editorial sou eu que faço. Aí a Dilma pegou e disse: “Este aqui foi você que fez? Um editorial metendo o cacete em mim”. “Não, eu não vi” (Marinho respondia). “Se você não viu, como é que você fez? Como é que você faz o editorial?”

Então, eles só pararam de inflar a candidata quando perceberam que ela tirava voto do Alckmin e não de mim. Aí esvaziaram. Como fizeram com a Marina também. Então, tem também uma outra coisa, Juca, que é o seguinte. Com eu dizia pro Franklin, eu vou derrotar todos eles. Deixa ele falar mal de mim, não precisa dar colher de chá pra eles, não tem almoço nem cafezinho, eu vou derrotar eles. Acontece, meu caro, que em 2010, a última pesquisa de setembro eu tinha 87% de bom e ótimo, eu tinha 10% de regular, somado os dois dava 97% que você poderia falar de aprovação. Quando é que alguém teve 87% de bom e ótimo? Então, eu estava também inflado de vaidade de ter derrotado eles. E, talvez, não mandei pro Congresso o projeto também porque eu falei, o ideal é ir pra rua, vai pra rua conversar com o povo que a gente derrota eles. Não derrota.

Eu tenho assistido mais televisão agora, porque eu não tenho o que fazer, eu fico vendo missa, fico vendo culto, fico vendo a TV aberta. É um absurdo a que a sociedade está submetida nesse dia a dia. Então, é preciso que haja uma regulação. E isso tem que fazer parte de um programa. Qualquer candidato do PT, daqui pra frente, tem que colocar no programa dele de campanha regulação. E não tem que ter medo.

Trajano: Queria falar da EBC [Empresa Brasileira de Comunicação], que não foi pra frente como se previa, o canal de televisão. Por que não decolou?

Lula: Olha, talvez a gente tenha errado muito… Deixa eu te falar. Eu não sou de televisão. Eu tinha vontade de criar um canal de televisão que tivesse um papel que tivesse a RAI da Itália, a BBC de Londres, que não precisava ter uma grande audiência, mas que fosse um canal de formação de opinião das pessoas que fazem acontecer as coisas no país. Nós, quando aprovamos ela, nós devemos a aprovação a uma heroína, como a Tereza Cruvinel, que foi pra dentro do Congresso, conversar com os senadores, a Helena Chagas… E nós conseguimos aprovar uma TV com orçamento na época de 300 e poucos milhões, que era o orçamento da Bandeirantes. E eu queria criar uma televisão que tivesse alcance em toda a América Latina, em toda a América do Sul, principalmente. Pra que a gente pudesse, sabe, ensinar português também, fazer com que a gente fosse um bloco de verdade. Mas aí nós criamos um conselho muito republicano, começamos nós mesmos a nos vigiar, tomar cuidado nisso, tomar cuidado naquilo, não pode fazer isso, e terminamos criando uma televisão que não funcionou, a ponto de nem o ministro das Comunicações dar as antenas em alguns lugares para que a TV pública pudesse funcionar corretamente. Por isso que eu tinha vontade de voltar. Para rever e refazer coisas que eu não tinha consciência de que era possível fazer.

Juca: Agora, deixa eu voltar só um pouco a uma coisa que o Trajano…

Lula: Esta TV que eu estou dando a entrevista agora, a TVT. Você sabe quando foi que nós reivindicamos esse canal de televisão? Em 1985! O ministro das Comunicações era nada mais, nada menos, que o Antônio Carlos Magalhães. Eu fui na reunião com o Vicentinho [Vicente Paulo da Silva, então presidente do ainda Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, atualmente deputado federal] reivindicar. Isso veio sair, eu já não era nem presidente mais. Você percebe para nós como é difícil as coisas? Mesmo quando nós estamos no governo.

Juca: Presidente, deixa eu voltar um pouco, porque não podemos passar tão rapidamente como passamos pelas denúncias do site Intercept. Zé Trajano já fez referência a isso. Eu lhe pergunto: o senhor leu todo o material que o Intercept publicou? O senhor, por exemplo, se deu conta que uma procuradora chamada Laura Tessler diz…

Trajano: Textualmente.

Juca: … que precisamos evitar a entrevista do Lula com Mônica Bergamo porque vai que isso muda o resultado do segundo turno e o Haddad se elege?

Lula: Eu vi. Mas era esse o pensamento deles. Não havia outra razão. Todas as pesquisas de opinião pública mostravam, nesse período 2015, 2016, que qualquer eleição que tivesse no Brasil eu seria eleito presidente no primeiro turno. Todas as pesquisas demonstravam. E se eu pudesse participar de televisão, se eu pudesse fazer comício, a chance seria muito maior. Porque nós estaríamos todo o bloco de esquerda, certamente o PDT estaria conosco, estaria todo mundo conosco, certo?

E eles, quando começaram o processo selecionado ao Lula, o objetivo era o seguinte: olha, não dá pra gente fazer a lambança que fizemos com o golpe na Dilma. Inventar a tal da pedalada pra tirar o PT do governo e dois anos depois entregar pro Lula. Não dá. É preciso tirar o Lula. Essa era uma questão. A outra questão, que pra mim está muito claro, é que eles construíram um processo de mentira. Eu disse ao Moro na audiência que eu participei com ele que a desgraça de quem conta a primeira mentira é que passa a vida inteira mentindo pra poder justificar a primeira. E eles exageraram na mentira. Em 2014, logo que a Dilma ganhou as eleições, eu comecei a alertar o PT de que era preciso ter em conta que eles vinham pra cima do PT. E pra vir em cima do PT iriam em cima de quem? De quem presidiu o país e em cima de quem era seria a figura pública mais importante depois da Presidência da República. E aconteceu. Aconteceu.

Engraçado, porque eu recebi muito conselho, sabe? Que eu deveria ter saído do Brasil, que eu deveria ter ido para uma embaixada. É engraçado, porque eu estou tão consciente do que está acontecendo no Brasil, tô tão consciente da submissão, do complexo de vira-lata dessa gente com relação aos Estados Unidos, que eu falei: não, se eu fugir eles vão colocar que eu sou fugitivo. Então, o Moro decretou a minha prisão, eu vou pra Polícia Federal. Vou lá pra pertinho deles. E aos poucos as coisas vão acontecendo.

Eu vi ontem o desespero da Globo de tentar dar ao Dallagnol mais tempo do que deu à artista principal da novela A Dona do Pedaço. Ela apareceu menos que o Dallagnol tentando se explicar, tentando dizer, porque prendeu não sei quem, porque fez não sei das quantas. A tentativa… Porque a Globo sabe que a hora que cair, não o processo de apuração de corrupção, que tem que continuar. É importante lembrar sempre, Juca e Trajano, que todas as leis, todas as leis que facilitam a apuração de corrupção, todos os mecanismos legais, foram criados pelo partido que eles odeiam, chamado PT.

Trajano: Mas, presidente, de todas essas denúncias que apareceram na matéria do Intercept, várias, todas elas te indignaram muito, dá para pinçar uma, ou o contexto geral é tão absurdo que não dá?

Lula: Eu acho que está errado você utilizar a palavra denúncia. O Intercept não fez nenhuma denúncia. Ele apenas trouxe para a sociedade brasileira a verdade. Ele mostrou o que aconteceu

Trajano: E vem mais chumbo grosso por aí…

Lula: Eu não sei o que é que vem. O dado concreto é que a imprensa brasileira não teria coragem de fazer aquilo. Você não acha estranho que depois da decisão, da entrevista, do ministro Lewandowski a Globo nunca tenha pedido uma entrevista? Você não acha estranho que as grandes revistas nunca pediram uma entrevista? Você não acha estranho que o SBT, nem o programa do Ratinho, que levou o Bolsonaro, nem os programas de debate da Bandeirantes, você não acha estranho que essa gente não tenha pedido? Afinal de contas, eu sou uma pessoa que ainda tem uma certa audiência no Brasil, mais do que todos os programas deles. Eu gostaria de conversar, eu gostaria de ver sentar na minha frente, onde você está aí, o William Bonner, que faz seis anos que fala mal de mim todo dia no Jornal Nacional. O nome Lula é mais falado na boca dele do que os filhos dele. E eu só queria uma chance.

Trajano: Mas, presidente, de todas essas denúncias que apareceram na matéria do Intercept, várias, todas elas te indignaram muito, dá para pinçar uma, ou o contexto geral é tão absurdo que não dá?

Lula: Eu acho que está errado você utilizar a palavra denúncia. O Intercept não fez nenhuma denúncia. Ele apenas trouxe para a sociedade brasileira a verdade. Ele mostrou o que aconteceu

Trajano: E vem mais chumbo grosso por aí…

Lula: Eu não sei o que é que vem. O dado concreto é que a imprensa brasileira não teria coragem de fazer aquilo. Você não acha estranho que depois da decisão, da entrevista, do ministro Lewandowski a Globo nunca tenha pedido uma entrevista? Você não acha estranho que as grandes revistas nunca pediram uma entrevista? Você não acha estranho que o SBT, nem o programa do Ratinho, que levou o Bolsonaro, nem os programas de debate da Bandeirantes, você não acha estranho que essa gente não tenha pedido? Afinal de contas, eu sou uma pessoa que ainda tem uma certa audiência no Brasil, mais do que todos os programas deles. Eu gostaria de conversar, eu gostaria de ver sentar na minha frente, onde você está aí, o William Bonner, que faz seis anos que fala mal de mim todo dia no Jornal Nacional. O nome Lula é mais falado na boca dele do que os filhos dele. E eu só queria uma chance.

Eu só queria uma chance de poder dizer pra ele “você mentiu”. Vai pedir desculpa para os seus filhos? Pedir desculpas por que você mentiu? E assim pra todos eles. Deixa eu te falar uma coisa, Trajano, que eu falo aqui e vou falar agora em nome da minha bisneta que tem dois anos.

Pode pegar a turma da força-tarefa da lava jato. Pegar a turma que me investigou, os delegados que fizeram inquéritos contra mim. Pegar o Moro, o juiz, enfiar tudo em um liquidificador, bater, quando você experimentar o suco, não dá metade da honestidade do Lula.

Estou falando isso olhando na cara de cada telespectador da TVT. Não dá, pode somar todos eles que não dá a honestidade do Lula. E não faço isso porque sou melhor que so outros não. Faço isso porque fui educado por uma mulher chamada Dona Lindu, que nasceu e morreu analfabeta. Não sabia fazer um ó com có, mas sabia dizer pros seus filhos o que era certo e o que era errado.

Eu às vezes conto brincando, não é orgulhoso contar isso, eu morava na Vila Carioca, na rua Domingo de Morais, não sei se você conhece. E tinha um tio chamado Antonio que tinha um boteco, a gente morava no fundo do bar. A casa era tão miserável que o banheiro que a gente utilizava – eu, minha mãe e minhas irmãs – era o que os bêbados utilizavam. Iam lá vomitavam, urinavam fora, e era o banheiro que a gente utilizava. Em um quarto e cozinha moravam 13 pessoas. E esse meu tio… Naquela época existia uma coisa chamada chiclete americano, Ping Pong.

Trajano: Famoso.

Famoso? Famoso pra quem podia chupar. Eu via a molecada botar aquilo na boca, fazer bola, estourar bola, e nunca tive chance de ter um na vida. Esse meu tio trabalhava no bar e quando ia no banheiro pedia pra tomar conta e tinha ali a caixa de Ping Pong. Nunca tive coragem de pegar um para não envergonhar a minha mãe. E eu tinha um colega chamado Boquita, filho de um sergipano, vivia na boca com um chiclete desse o dia inteiro. Quando ia jogar fora ele me dava, eu lavava e ficava chupando o chiclete do cara. Você acha que alguém que se submete a isso, depois de ser eleito presidente da República, de virar a figura pública mais respeitada desse país no exterior, depois de ter o apreço que o povo brasileiro teve por mim… Quando saí da presidência, mesmo na classe média de São Paulo, eu tinha 80% de bom e ótimo, não era de regular. Acha que eu ia sujar a minha mão em um apartamento que eu poderia ter comprado, tinha dinheiro pra comprar, uma chácara que eu poderia comprar.

Há um dado que ninguém nega desde os seus tempos de presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, que foi quando nso conhecemos, nas greves de 79 em São Bernardo do Campo? eu, diretor do Sindicato dos Jornalistas, e o senhor, presidente do Sindicatos dos Metalúrgicos. Que o senhor sempre foi tido como um conciliador, capaz de unir os contrários. O senhor como presidente da República se dava tão bem com o Bush, presidente dos EUA, quanto com o Chávez, presidente da Venezuela. Até de ntro do seu partido alguns achavam que era demais, eram necessárias algumas rupturas que o senhor não fazia. Por que tudo se voltou contra essa figura do conciliador, do cara que nunca foi de querer ir pro pau?

Sempre fui assim. Quando era moleque, jogava bola, quando virei dirigente sindical, fui assim como presidente da República. Por isso criei o Conselho de Desenvolvimento que envolvia empresários, pastores, sindicalistas, índios, para poder estabelecer sempre que possível políticas públicas que tivessem uma aceitação da maioria da sociedade. Sempre achei que uma conversa a mais dava melhor resultado.

Nunca fui de tomar decisão com 39 graus de febre, primeiro deixava a febre baixar pra tomar decisão. Com o Bush e o Chávez eu era aquele moleque do meio, sabe quando tem dois moleques querendo brigar? Eu era da turma do “deixa disso”.

Tem uma máxima que aprendi com a minha mãe também. Ela dizia: meu filho, ninguém respeita quem não se respeita. Se você se respeitar automaticamente impõe respeito a seus interlocutores. E isso mapeou a minha vida. Fez com que vivesse assim. Vou contar um pequeno caso pra vocês. Na primeira vez que o Brasil foi convidado para participar de uma reunião do G8 – isso deve ter matado o Fernando Henrique Cardoso de inveja, o Lula participar do G8 – estava todo mundo sentado em uma mesa e quando o Bush chegou todo mundo levantou como se tivesse chegado Deus. Celso Amorim (então ministro das Relações Exteriores) ia se levantar e falei: não vamos levantar. Ninguém se levantou quando cheguei, por que a gente tem que levantar? Ele é apenas presidente dos Estados Unidos. Ficamos sentados.

O que aconteceu? O Bush foi cumprimentar todo mundo que levantou, virou as costas, foi na mesa em que eu estava sentado com o Celso e o Kofi Annam (então secretário-geral da ONU) e sentou com a gente. Fui pro plenário e tinha uma sala fechada, com ar-condicionado, e estavam lá dentro Bush, Tony Blair, primeiro-ministro da Itália, da Alemanha, do Japão, e não podia entrar intérprete, tinha que entrar sozinho. Pensei: “Pô, o que eu vou fazer lá dentro?” Eu ainda falava Cueca CuelaJanuela… Aí o Celso falou pra mim “Lula, você entra lá e tudo que falarem vamos traduzir, você vai ficar dono da situação”.

O que me deu coragem? Esses caras, eu tô vendo a cara deles. Algum deles trabalhou em fábrica? Ninguém. Alguém já ficou desempregado? Ninguém. Alguém já acordou a 1h da manhã com rato nadando na beira da cama pra tentar se salvar? Alguém já acordou com barata tentando subir na sua cama? Alguém já acordou de manhã com merda boiando perto do nariz? Eu já. Então sabe de uma coisa? Vou falar mais grosso do que eles porque entre eles sou o único que já viveu o mesmo que o povo do país dele. E isso me deu muita tranquilidade pra ser muito autêntico. Sempre achei o seguinte: “Lula, você quer ser bem tratado por alguém, trate bem a pessoa”. Essa é uma máxima que vale para todos nós, trate as pessoas como gostaria de ser tratado e estará tudo resolvido.

Trajano: Queria falar do papel da sociedade diante dos desmandos desse governo absurdo de Jair Bolsonaro. Já houve manifestações de rua e temos uma greve geral marcada para sexta-feira (14). Como você vê essas manifestações e essa greve do dia 14.

Lula: Antes de falar da greve queria falar da sociedade brasileira. Muita gente pergunta: por que a sociedade brasileira não protesta com mais força? Tem um livro do Mia Couto em que ele diz assim: quando a sociedade está com medo ela muitas vezes se aproxima do monstro para pegar proteção. Foi o que resultou no Bolsonaro. Ele é resultado do pânico que os meios de comunicação e uma parte da elite brasileira criaram no Brasil sobre a política. O Bolsonaro funciona como se fosse o pior dos coronéis da política brasileira que a vida inteira foi combatido. Não só é presidente, como tem um filho senador, um deputado e outro vereador, além de 28 anos de mandato. E conseguiu se vender para a sociedade enraivecida que era antissistema.

Toda vez que elege um antissistema, a tendência é não dar certo na história do Brasil e do mundo. Por isso ele tem dificuldade para governar. Prefere ficar brincando com fake news e dizer que o (Paulo) Guedes entende de economia. O Guedes não está tratando a economia, está cuidado de destruir a seguridade social neste país e ir a Nova York dizer, com a maior cara de pau, que vai vender o Palácio da Alvorada, o Palácio do Planalto. A única coisa que vai sobrar é a cadeira do Bolsonaro, que ninguém quer. Ele não está governando, ele está brincando. Está destruindo. É mais fácil destruir. Para construir o Coliseu demorou quantos anos? Para destruir você precisa de meia dúzia de dinamites e explode aquilo em cinco minutos. Eles estão tentando destruir.

Por isso acho que a greve é importante, mas os dirigentes sindicais precisam ter consciência de que a greve tem que ter um propósito. Eles já fizeram um impeachment, já acabaram com os direitos trabalhistas, agora querem acabar com o sistema previdenciário solidário que é o que a gente tinha para criar um sistema de previdência em que o cidadão sozinho vai ter que pagar a sua parte, não vai ter partilha entre empresários e o governo, portanto esse cara vai ver o que vai acontecer com ele daqui a uns 10 anos… Tudo o que ele fala é juntar um trilhão. Pra que um trilhão? Pra pagar o sistema financeiro às custas do pobre desse país? Por que não há, na história recente da economia nenhum país que deu certo com esses ajustes fiscais, com esses cortes. Um país para dar certo tem que ter investimento no desenvolvimento, e quando a indústria não investe o Estado tem que ser o indutor da economia.

Juca Kfouri: O senhor um dia me disse que nunca teve problemas com os militares no seu governo e que eles não eram o problema, mas o capital financeiro.

Lula: Deixa eu te falar uma coisa, eu tive uma boa relação com os militares. Aliás, se você perguntar para qualquer general, qualquer general que tenha orgulho desse país… – porque general que não é nacionalista não merece ser general, general que aceita se subordinar a um presidente que bate continência para a bandeira americana não merece ser general. É preciso que o general tenha consciência de que ele existe para defender a soberania nacional. A soberania nacional começa pela nossa fronteira e começa por 210 milhões de almas que somos nós brasileiros que têm que ser protegidos pelas Forças Armadas. Depois tem as riquezas minerais, a riqueza de solo e subsolo, a riqueza do fundo do mar, tem a nossa água, nossa floresta e nossa biodiversidade, depois nossa tecnologia. Ou seja, é pra isso que as Forças Armadas existem, não é pra fazer guerra, é pra tentar evitar invasões de inimigos dentro do nosso país. O Brasil é um país que não tem contencioso com ninguém. O nosso último foi com o Paraguai há quase 200 anos atrás.

Teve generais que, diferentemente do Chile, diferentemente da Argentina, trataram de trabalhar a industrialização do Brasil. Não destruíram a indústria como destruíram na Argentina, eles tinham uma vocação nacionalista. Que acabou. Acabou porque eles estão destruindo a Petrobras. Não é a Petrobras, é uma quantidade de milhares de fornecedores da Petrobras. Quando a gente descobriu o petróleo, o pré sal, não tinha a dimensão quanto era – vocês entrevistaram o (geógrafo que atuou na descoberta do pré-sal Guilherme) Estrella – por isso que a gente cunhou a frase “passaporte para o futuro”, porque queria fazer refinaria para exportar derivados de petróleo, não exportar óleo cru como está fazendo agora e importando petróleo refinado, nós estamos importando gasolina.

Trajano: Vejo que você fica muito preocupado com a soberania nacional.

Lula: Fico preocupado porque não existe nada mais venal do que um administrador querer resolver o problema da sua empresa vendendo a sua empresa. Você não está resolvendo, está se desfazendo. Digo sempre para as pessoas mais humildes entenderem o seguinte: o cidadão casa. Aí a primeira crise de desemprego que tem, em vez de procurar emprego, de fazer bico, catar papel, fazer qualquer coisa, ele fala pra mulher “amor, vamos vender a geladeira?”. Aí a geladeira dá pra um mês. No mês seguinte, “amoreco, vou vender a televisão”. No terceiro mês, “amoreco, vamos vender a cama?” Vende a cama. Chega um dia que não tem mais nada pra vender, vai vender a alma ao diabo.

Este país não nasceu para ser uma republiqueta das bananas, nasceu pra ser líder de um bloco. É por isso que nós criamos a Celac e a Unasul, é por isso que estávamos dando força e ajudamos a criar o Brics. Por isso que a gente tinha o Ibas, que era Brasil África do Sul e Índia. Por isso que a gente fez encontro da África com a América do Sul, fez encontro do Oriente Médio com a América do Sul. Porque o Brasil tinha que disputar ser, na verdade, protagonista. Não tem essa de os Estados Unidos serem maiores que nós, a China… Olha, Deus queira que eles continuem crescendo, mas quero saber qual é o meu papel, qual é o papel do Brasil na história.

Juca Kfouri: Mas não é demais achar que o conluio de um juiz de primeira instância que fala “conje” (como senhor sempre disse, pegavam no seu pé porque falava “menas” e o ministro da Justiça do Brasil fala “conje”), um juiz com esse grupo de procuradores ter levado o país a essa situação? Fazer com a Petrobras o que está se fazendo com ela? Quem ganha com essa situação?

Lula: Você se engana quando pensa que foi o juiz. Eles só conseguiram fazer isso, primeiro porque tinham o respaldo, na minha opinião, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que os orientou. Senão, não tem explicação, a urgência dos diretores da Petrobras de pagar a dívida aos acionistas americanos pelo dinheiro da corrupção. Olha, se houve a corrupção e tiveram que pagar os acionistas americanos porque perderam, e os acionistas brasileiros, quem vai pagar? Segundo, a pressa de pagar se deve ao fato de o seu Dallagnol ter tentado criar um plano pra ter rum “fundinho” que tinha 2,5 bilhões da Petrobras, mais 6,8 bilhões da Odebrecht que chamo de “Criança Espernaça” do Dallagnol… É pra isso que tinham tanta pressa? É pra isso que tiveram que querem se desfazer da Petrobras?

Quero dizer para eles: se preparem porque uma hora o povo vai resgatar o seu patrimônio. Nenhum país do mundo se desfaz do petróleo como o Brasil está se desfazendo. Tem um livro sobre o petróleo que mostra o papel dos Estados Unidos, desde 1859, quando se descobriu petróleo no Texas, até hoje. Tudo o que aconteceu no mundo é em função do petróleo. Essa estupidez do governo brasileiro, de forma medíocre, apoiar um cidadão que se autoproclamou presidente da República na Venezuela, foi o maior vexame da História. Não tem precedente, na história da humanidade governantes de países importantes seguirem o Trump e legalizar teoricamente um impostor como o Gauidó. Imagina se a moda pega, ninguém respeita mais ninguém? Daqui a pouco tem um presidente proclamado na China…

Trajano: O José de Abreu se proclamou…

Lula: Se eu estivesse em liberdade tinha sido cabo leitoral dele porque achei bonito. Se tiveram a pachorra de apoiar na Venezuela, por que não fariam o mesmo aqui? Se aceitam aquilo como fato, por que não pode lançar aqui um presidente autoproclamado? Daí você acaba com a democracia, acaba com o processo eleitoral. Quem se comporta como eles, aquela palhaçada porque aquela cena dos caminhões do Brasil, eram duas caminhonetes que nem cheias de alimento estavam. Com o povo brasileiro passando fome… Acho que se alugém estiver assistindo aqui e puder mandar um recado para o Bolsonaro, manda o Guedes assistir, não sei em que programa que passou, um caminhão de lixo nos upermercado e o povo invaidno pra pegar ocmida. É importante saber que tínhamos acabado com a fome nesse país. Que eu tinha um grande sonho que era fazer com que as pessoas tivessem tomado café da manhã, almoçar e jantar todo dia. O Brasil produz alimento para isso.

Qual o sonho do Bolsonaro? É o Guedes juntar um trilhão para pagar o sistema financeiro. Não se fala em povo, não se fala em pobre.

Fico remoendo, não dou cabeçada porque não sou daqueles que dá cabeçada por causa dos outros, acho que o Moro deve estar dando mais cabeçadas do que eu. Porque não é todo mundo que está preparado para o sucesso. Esse Dallagnol, você vê a cara dele, não deveria mais pegar na Bíblia. Um cidadão que mente como ele não pode avocar Deus como ele faz toda hora. Não pode avocar bíblia. Porque ele sabe que Deus é onipotente como ele acredita, está sabendo que ele tá mentindo. Quando cria aquela expressão, faz um powerpoint, fica uma hora e meia na televisão para depois dizer: “Não me peçam provas, só tenho convicção”, deveria sair preso ou destituído.

Juca: Presidente, eu achava que ia encontrá-lo um pouco mais bem-humorado.

Lula: Falando do Moro e do Dallagnol não dá pra ficar bem humorado.

Trajano: Tivemos o Festival Lula Livre, com milhares de pessoas debaixo de chuva, aqui do lado a Vigília Lula Livre, todas as manifestações têm pessoas portando cartazes, camisetas Lula Livre. De que forma isso atinge a sua alma?

Lula: Olha, isso meio que me conforta na verdade. É o que me conforta porque saber que apesar do massacre Apesar do massacre que sou vítima – e não sou vítima agora não. Vocês dois que são dois jornalistas importantes, não sei se assistem, mas se pegarem todas as matérias do jornalismo da Globo não vão encontrar um segundo em 200 horas favorável ao Lula. E vão encontrar 200 horas favoráveis ao Moro e à Lava Jato.

Porque quando uma parcela do povo acredita… e sei que é difícil defender o Lula. Não é fácil. Eu sei o que as pessoas passam. As pessoas me contam. As pessoas me escrevem. Só tem um jeito da gente vencer: é não baixar o rabo. Quando um cachorro late pra você, por melhor que seja… porque o gato levanta fica olhando o cachorro e tem medo… porque nos temos de ter reação. Não tem ninguém, não tem um cara que chame você de ladrão no restaurante e ele não seja ladrão. Porque uma pessoa de bem não faz isso. Você pode saber que o cara que provoca no restaurante é 171. O que te provocou perto da sua casa é 171. Vá pegar o BO dele pra ver o que é que ele é. Porque um homem de bem aprende a conviver democraticamente. Então, você não sabe, Trajano, o carinho que eu tenho pelas pessoas, o carinho que eu tenho pelo povo brasileiro por esse acampamento aqui da vigília. Quase um ano e não sei quanto tempo já aí, todo santo dia: bom dia presidente Lula, boa tarde presidente Lula, às vezes sendo provocado. Então é gratificante. Eu me sinto o ser humano mais importante do mundo…

Juca: E para aquelas pessoas que dizem…

Lula: O que é grave é o seguinte. Nesse processo todo, o que me deixa assim diminuído como cidadão brasileiro que não poderia experimentar as instituições dizendo isso, essa molecada, da força tarefa, essa molecada, mais o Moro, eles conseguiram através dos meios de comunicação colocar pânico na sociedade. E não aceita nenhuma prova que não seja o que eles querem. Então você veja: quando o Leo denunciou, o Vaccari fez uma carta desmentindo o Leo, porque o Leo tinha dito que tinha conversado com ele…

Juca: Leo Pinheiro da OAS?

Lula: Moro não aceitou a carta. Na chácara de Atibaia, o Jacó Bittar (dono do sítio de Atibaia) mandou uma carta e o Moro também não aceitou. Tem um advogado da Odebrecht, Tacla Duran, que está na Espanha, esse cara se ofereceu mil vezes como testemunha e o Moro não aceitou. Ou seja, eu tive 87 testemunhas me defendendo e o Dallagnol não apareceu em nenhuma audiência. Eu dizia pros meus advogados: gente… eu não precisava de advogado… se tem alguém que conhece do meu processo sou eu, processo que tem 100% decisões políticas. 100% decisões politicas. Não tem nada de processo. E cada um que vier, vocês vão ver uma coisa mais escabrosa.

Agora, o que que eu acho? O que aconteceu agora é importante pelo seguinte: eu acho que para bem deste país, a Suprema Corte tem de ter a coragem de assumir o papel de guardiã da Constituição. Por que não tem exemplar no mundo de um juiz de primeira instancia mandar em todas as outras instâncias. Sabe? Esses meninos ameaçaram fazer greve de fome contra a Suprema Corte. Você viu que essa moça que dá declaração na entrevista do Glenn, essa moça esculhamba o Poder Judiciário…

Juca: Chama de mafiosos…

Lula: Chama de mafiosos. Então você tem várias instâncias que foram sendo acuadas pelos meios de comunicação, porque ninguém quer ser vaiado no restaurante, na…

Juca: Presidente, deixa eu interromper…

Lula: … é preciso recuperar a autoestima e fazer esse país voltar a funcionar. Todo e qualquer bandido na cadeia. Todo corrupto e corruptor na cadeia. Mas não vamos quebrar o Brasil por conta disso.

Juca: O senhor não precisa falar para as pessoas que fazem a campanha do Lula Livre, que põe camisetas do Lula Livre, que estão aqui acampadas ou que foram ao show lá em São Paulo, calcula-se 80 mil pessoas, em dia de chuva, sabendo que era Lula Livre. Não era manifestação que levantasse outras bandeiras. Mas o problema que o senhor tem, eu acho, é com aquelas pessoas que se dizem arrependidas de terem votado no PT, que se sentem traídas pelo PT. O que dizer para essas pessoas?

Lula: Olha, alguém que se sentiu traído pelo PT não poderia ter votado no Bolsonaro. Se o cara se sentiu traído pelo PT poderia ter votado em uma coisa melhor. O Boulos foi candidato. O Ciro, embora não mereça o voto, que ele é muito grosseiro, mas o Ciro foi candidato. Sabe… A Marina foi candidata. A vingança… olha, não é porque quero me vingar de você que vou pegar o martelo e bater no meu dedo. Não está se vingando. Está sendo um babaca. Porque dar de presente ao Brasil o Bolsonaro é dar de presente ao Brasil o pior tipo de político que o Brasil podia ter.

Juca: Então o senhor não acreditava que seria possível ele se eleger, acreditava?

Lula: Nem eu, nem ele. Eu duvido que o Bolsonaro acreditasse um mês antes. Duvido. Agora, eu, sinceramente (solta um risinho), aquela facada… pra mim tem alguma coisa muito estranha… tem uma coisa muito estranha. Uma facada que não aparece sangue em nenhum momento, uma facada em que o cara que dá a facada é protegido pelo segurança do Bolsonaro… eu conheço segurança de palanque… (se é comigo) eu teria que pular em cima do segurança… o cara que é protegido pelo segurança do Bolsonaro, a faca que não aparece em nenhum momento… sabe, tem muita história estranha, suspeita, o cara que não vai em nenhum debate…

A Globo, quando eu não fui a debate em 2006, eu era presidente, ela colocou uma cadeira vazia. O Bolsonaro não foi em nenhum debate e a Globo deixou para lá. Porque o objetivo da Globo, embora não goste do Bolsonaro, era não ter o PT. Este era o objetivo. Eu sei que a Globo não gosta quando eu falo isso. A Globo, pela responsabilidade da audiência, deveria ser mais séria, tratar com mais respeito a opinião pública. Agora o cara que planeja todas aquelas matérias, todas aquelas mentiras, ninguém conhece ele. Não aparece em jornal, não aparece fotografia dele, ninguém sabe onde ele mora. Não sei se é o Ali Kamel, não sei se ele que aprova tudo aquilo. Porque o Bonner não escreve aquelas matérias. O Bonner acho que lê tudo no teleprompter, né?

Trajano: Ele escreve também. Mas tem um superior a ele, ou vários superiores…

Lula: Que manda. Então não é possível que alguém perca tanto respeito pela sociedade que não tenha compromisso com a verdade. Nesse caso do Neymar, eu não posso dizer que o Neymar tem culpa, nem que a moça está mentindo, não posso dizer, não conheço nada. Mas a pressa e a voracidade com que a Globo foi para tentar inocentar o Neymar de pronto, foi um negócio absurdo. Ora, até pode ser inocente. E Deus queira que seja inocente, porque não é plausível que um menino que é símbolo maior do esporte brasileiro seja um estuprador. Mas vamos dar um tempo para investigar para a gente poder dar pra sociedade… 

Trajano: Ele escreve também. Mas tem um superior a ele, ou vários superiores…

Lula: Que manda. Então não é possível que alguém perca tanto respeito pela sociedade que não tenha compromisso com a verdade. Nesse caso do Neymar, eu não posso dizer que o Neymar tem culpa, nem que a moça está mentindo, não posso dizer, não conheço nada. Mas a pressa e a voracidade com que a Globo foi para tentar inocentar o Neymarde pronto, foi um negócio absurdo. Ora, até pode ser inocente. E Deus queira que seja inocente, porque não é plausível que um menino que é símbolo maior do esporte brasileiro seja um estuprador. Mas vamos dar um tempo para investigar para a gente poder dar pra sociedade.

A moça virou vagabunda antes de qualquer possibilidade de provar que não era. Eu não sei o que era, será que em Paris não tem uma mulher, que o Neymar precisava mandar buscar uma no Brasil, pagar passagem, hotel, sabe? Eu só estou dizendo isso pra mostrar o seguinte: é preciso mais seriedade. Eu tenho que ser sério, a Globo tem que ser séria, a Justiça tem que ser série, a sociedade tem que ser séria, pra gente construir um país melhor.

Juca: Ainda sobre os arrependidos de ter votado no PT, o senhor acha que se arrependeram por que queriam mais, o que é natural, e não foram atendidos?

Lula: Em um artigo que eu escrevi, publicado no New York Times, eu disse que o povo tinha aprendido a comer contrafilé, e que agora queria filé. E é normal. A coisa mais normal no ser humano é você subir um degrau e depois querer subir outro. Você tem que entender que quanto mais você fizer com que o povo obtenha conquistas, mais ele quer conquistar. Esse não é o problema, essa é a coisa mais nobre da democracia. O que aconteceu no Brasil foi outra coisa. É o fenômeno que o Jessé  (o sociólogo Jessé Souza) descreve muito bem no livro dele sobre a classe média brasileira. Você tem um segmento da sociedade que não aceita a ideia de as pessoas mais humildes chegarem próximo dele. Ou seja, você colocar gente pobre da periferia para fazer, através de bolsa de estudo do ProUni ou do Fies, as melhores faculdades privadas do país ou nas melhores públicas do país, as pessoas não aceitam. Você vê as pessoas começarem a comprar carro novo, começarem a frequentar restaurante, teatro, a frequentar o Ibirapuera? E pegar avião, então? Nego ir pro Piauí de avião, ir pro Ceará de avião, não querer mais ir de ônibus. Tudo isso incomoda uma classe média que estava acostumada com este país sendo governado para 35% da população. Quando nós resolvemos governar o Brasil para todos, eu dizia, eu nunca escondi: eu vou governar pra todos, agora é importante todo mundo saber que as pessoas mais necessitadas terão um bife a mais. Por isso é que nós aprovamos aumentar o salário mínimo junto com o PIB e com a inflação. Por isso ele cresceu 74% (acima da inflação) e por isso ele foi a coisa mais transformadora no crescimento da renda do pobre deste país.

Juca: O senhor disse pra mim, outro dia, quando eu vim vê-lo, que o senhor ao sair daqui não vai mais falar em distribuição de renda, vai falar em distribuição de riqueza. O que isso significa?

Lula: É o seguinte, veja: você precisa começar a garantir que as pessoas tenham participação na riqueza deste país. Ou seja, quando você fala em segurar uma aposentadoria de qualidade definitiva, educação de qualidade, sabe, quando você está dando a algum pobre o direito de ele estudar gratuitamente, se ele virar um cientista você está dando riqueza, quando você pra esse cara uma casa com subsídio para ele poder pagar a prestação você está dando riqueza. Essa gente tem que participar mais do lucro que ele ajudou a produzir no país. É preciso repensar, porque nós estamos regredindo.

Se você imaginar a economia brasileira, veja, você teve a Revolução Russa em 17. Por conta da Revolução Russa, você teve o mundo ocidental se preparando para enfrentar, mas com medo, cedendo alguns benefícios. Aí você vê a 2ª Guerra Mundial, dividiu o mundo em dois, a parte ocidental e a parte oriental, a Rússia ficou com um pedaço, os Estados Unidos ficou com outro. Ora, o que o mundo capitalista fez? Tratou de fazer o famoso Estado de bem-estar social, não porque gostasse dos trabalhadores, mas porque estavam com medo de os trabalhadores terem a mesma vontade que tiveram os trabalhadores russos em 1917 de fazer uma revolução. Então, se tirou o Estado que distribuiu renda e permitiu que o povo tivesse um padrão de vida. Você percebeu que nos últimos 10 anos só caiu a renda do povo americano, caiu a renda do povo europeu…

Juca: Não há mais ameaça.

Lula: Caiu o Muro de Berlim, não tem mais ameaça! Então, o que está acontecendo no mundo inteiro é um retrocesso. É um retrocesso na organização sindical. Você sabe que eu escrevi carta para esse cidadão, que está preso no Japão, da Toyota ou da Nissan?

Juca: Da Nissan.

Lula: Eu escrevi uma carta pra ele, a pedido dos sindicalismo americano, para ele permitir que os trabalhadores se sindicalizassem. Em muitos estados americanos, o trabalhador não consegue se sindicalizar porque os empresários fizeram acordo com o governador que só ia pra lá se não tivesse sindicato.

Juca: Agora, o senhor não acha que a União Soviética seja um exemplo…

Lula: Não, não é. Esse que é o problema dos meus queridos companheiros. A minha tese hoje, aos 73 anos de idade, é que a Revolução Russa de 17 terminou causando um benefício extraordinário aos trabalhadores do Ocidente. E não causou na própria Rússia o benefício. O padrão de vida do sueco, do holandês, finlandês, do dinamarquês, do alemão, do francês, ele é muito maior do que o russo. Mas por quê? Por conta da Revolução Russa. Então, foi uma pena que a Revolução Russa não tenha dado aos trabalhadores russos um padrão de vida…

Trajano: Eu queria mudar… Dia 25 vai ter um julgamento. Eu já vi uma entrevista sua dizendo que não gosta de criar expectativa. Mas a gente não pode negar, está diante de um fato, dia 25 há um julgamento e quem sabe?, diante dos indícios todos, de tudo que foi mostrado pelo Intercept, pelo Glenn, vamos falar só o primeiro nome dele, há uma possibilidade da sua liberdade. Qual sua expectativa ?

Lula: Olha, o Juca agora há pouco brincou que ele imaginava me encontrar com muito mais humor. Não é possível tratar da minha prisão com humor.

Trajano: Eu não acho que está mal-humorado.

Lula: Se não o pessoa dizia, esse Lula é…

Juca: Maluco.

Lula: Maluco, tá preso e tá rindo? Eu também não tô com raiva. Eu tenho ressentimentos. Você sabe que eu sou um cara que não costuma guardar, ódio pra mim dura meio minuto. Pode ficar certo que eu não levo pra casa. Aprendi que quem tem ódio sofre mais do que a pessoa odiada. Então, eu me cuido. Por que eu não gero expectativa? A única coisa que eu espero é que se faça justiça. Estou pedindo a Deus para quem em alguma instância se leia o meu inquérito. Porque eu vi o julgamento no STJ (Superior Tribunal de Justiça), ninguém leu a minha defesa.

Foi contada uma mentira pelo delegado no inquérito, essa mentira aumentou em 500 páginas pela mentira do Ministério Público, depois houve a mentira do juiz, depois houve a mentira do TRF-4. Acho que o processo já está com mais de 300 mil páginas. Ora, o principal, para saber se eu tenho um apartamento ou não, é ir no cartório de Santos pra saber se eu tenho, lá do Guarujá. Sabe o nome dele? Ele comprou? Tem escritura? Pagou? Se não tem, não é dele! Então, ah, então tem a chácara. A chácara é do Lula. Bom, mas não é do Lula, porque nós pegamos cheque administrativo do Fernando Bittar, que tá comprando. Então, tem uma reforma.

Mas a reforma foi feita na chácara do Fernando, então o Fernando que pague pela reforma, o que o Lula tem a ver com isso? Ah, mas você dormiu na cama. Você dormiu na cama… Se você dormiu na cama, o benefício foi pra você. Assim não é possível acreditar nas coisas. Então, eu espero que a Suprema Corte recupere o padrão de confiança na sociedade que nunca pode perder. Porque, veja, se a sociedade brasileira tem desconfiança da imprensa, tem desconfiança da Igreja, tem desconfiança da política, não acredita no Congresso Nacional, não acredita no Senado, não acredita na sua polícia, sabe?, não acredita no Judiciário, nós estamos criando uma sociedade anarquista, aí vale tudo, ou seja, cada um por si, Deus pra todos.

É por isso que o cidadão se dá ao luxo de um moleque artista levar o pai e a mãe pra apresentar junto com a namorada pro pai (dela), e o democrata lá pega o revólver lá e ao invés de dar parabéns ele atira, mata o moleque, mata o pai e mata a mãe. Sabe? O cidadão para no carro para reclamar do outro, o cara já tá com revólver, já atira. Um país em que o presidente acha que é bonito liberar arma, porque na verdade ele está liberando arma pra quem pode comprar arma, significa, pra quem é rico, pra matar pobre. É isso que ele está comprando.

Porque quem ganha um salário não pode comprar arma neste país. Segundo, um presidente da República que resolve achar que é bonito, ah, não, com 20 pontos perder carteira, não, vamos ter que abrir, vai ser 40, ou 60, então corra à vontade. Ele sabe que parte das mortes no trânsito é causada por irresponsabilidade do motorista bêbado, um monte de coisa, ele sabe disso. Então, tudo que foi feito para regular um pouco a sociedade, para tentar criar… Eu lembro quando foi implantado o cinto de segurança no Brasil, em São Paulo, sobretudo, eu lembro que ninguém respeitava. Até que acho que foi o Maluf, resolveu colocar não sei quantos reais de multa, aí, quando vem a multa, que a parte mais sensível do ser humano é o bolso, todo mundo colocava o cinto de segurança.

Trajano: Mas no caso dele quer tirar multa da cadeirinha, de quem não usa cadeirinha. Inacreditável.

Lula: Eu sei, ele quer beneficiar as pessoas que cometem ilícito. Sabe, um presidente que deveria estar facilitando a compra de livro didático, que deveria estar facilitando a entrada de jovem na escola, que deveria estar discutindo… Não sei se vocês viram um dia desses, ele falou o seguinte: eu vou construir uma escola militar em cada estado. Ô Juca, ele não tem semancol. Você sabe, para dar às crianças de 11 a 16 anos do ensino fundamental, pra dar o mesmo padrão de uma escola militar o orçamento precisaria ser 320 bilhões. Porque uma escola militar só serve pra militar. Manda seu filho entrar numa, ver se ele consegue entrar. Numa escola militar a meninada aprende. Eu sei, porque eu fui o criador das Olimpíadas de Matemática na escola pública, sei que a meninada militar tem um nível de ensino de qualidade, e era bom se fosse pra todo mundo. Mas sabe quando custa por ano um aluno da escola militar? Dezenove mil reais. Da escola pública custa 6. O salário de um professor na escola militar chega próximo dos 10, ou até um pouco mais. Na escola pública chega a 3. Então, meu caro…

Juca: O senhor não deve ter lido ainda, mas ele ontem acabou com a fiscalização contra a tortura, nos manicômios, presídios, demitiu os 13 membros…

Trajano: Da comissão…

Juca: Da comissão antitortura no Brasil. Ele fez isso. E diz que agora os cargos serão não remunerados.

Lula: Olha, deixa eu falar uma coisa pra você. A sociedade brasileira precisa notar uma coisa. É muito importante que o pessoal obtenha muito sucesso na greve de amanhã, é muito importante que os trabalhadores estejam atentos, mas a sociedade brasileira não pode perder o direito de se indignar. O dia em que uma sociedade perde o direito de se indignar…

Trajano: Vide Darcy Ribeiro…

Lula: O dia em que você não sente nada quando vê uma pessoa dormindo na rua. O dia em que você não sente nada quando você percebe que dois jovens ricos mataram um cara que tava dormindo na calçada. O dia que você não tem sensibilidade e não sofre quando vê o povo pegando o lixo no caminhão pra comer, o dia que você vê uma criança desnutrida e você não tem sensibilidade, nós estamos perdendo a coisa sagrada no ser humano, que é o direito de se indignar. E somente uma sociedade indignada ela consegue fazer um governo sério. Então, é o seguinte: esqueça o Lula, esqueça o PT, mas briguem pelo país. Por isso é que eu coloquei a questão da soberania. A Petrobras não é uma estrela, a Petrobras é um patrimônio. Se tem alguém que roubou na Petrobras, puna o ladrão. Ora, o que o Barusco [Pedro Barusco, ex-gerente] fez? O Barusco fez uma lista de ilícito que ele cometeu, que ele era considerado de terceiro escalão. Qual é o grande dirigente da Petrobras que está preso? Quando o Paulo Roberto [Costa, ex-diretor da empresa] foi preso e o outro que está preso aqui…

Juca: Duque [Renato de Souza Duque, outro ex-diretor].

Lula: Eles já tinham sido mandados embora da Petrobras. Então, porque você vai quebrar a empresa, desmoralizar, criar uma imagem negativa da empresa? Essa empresa é um patrimônio deste país. Prenda todos os corruptos, mas mantenha a empresa funcionando, mantenha a capacidade produtiva, a capacidade de investimento, mantenha as empresas de engenharia produzindo. Teve corrupção, prenda o corrupto, mas deixa a empresa funcionar, gerar emprego, é o que precisa neste país.

Trajano: Tem uma coisa que aflige a todo mundo que faz uma crítica nas redes sociais ao governo do Bolsonaro, por essas medidas esdrúxulas. Sabe qual é a resposta? Em vez de responder em cima da crítica direta, não, ele não fez isso, porque a arma, não sei o quê: você defende o Lula ladrão? Então, a resposta vem em cima da Lula.

Lula: Sabe o que eu vi ontem na televisão ontem? Eu vi ontem a tentativa sórdida, uma coisa que não dá pra acreditar… Você sabe que o Reinaldo Azevedo é um cara que sempre fez muitas críticas ao PT, fez livros…

Juca: Criou o termo “petralha”.

Lula: Mas ele tem tomado algumas posições, eu diria, de respeito. Quando o cara de direita é sério, quando o cara de direita é uma pessoa que tem rumo, que tem norte, ele tem batido muito no Moro pelos mesmos argumentos que eu bato. Ele deixou de ser juiz há muito tempo. O Moro, quando a mosca azul da Globo pousou na testa dele, ele virou um serviçal da Globo. Ele não escrevia uma sentença sem falar com a Globo. Eles vazavam vídeo pra Globo, por isso que ontem eu via a loucura, a loucura de tentar desmoralizar o Glenn. A loucura. Não, porque foi vazado, foi hackeado, foi errado, foi não sei das quantas. Ou seja, tudo que valia pra eles não vale mais. O que a Globo tá é com medo de ser citada. Ela tá com medo de aparecer. Se tiver muita coisa gravada, certamente a Globo aparece. Certamente, porque nada foi feito na Lava Jato sem que eles conversassem. Qual é a manchete da quinta-feira? Aliás, tem uma coisa que aparece na gravação, que é o Moro cobrando do Dallagnol, e daí, tá demorando muito…

Trajano: A operação tá demorando, não tem novidade.

Lula: Porque eles adotaram o seguinte critério: toda vez que tiver um certo silêncio, nós vamos ter que vazar alguma coisa, para ocupar o espaço. Então, é normalmente na quinta-feira. Pode ver que faz tempo que tudo acontece na quinta, sexta, sábado e domingo, para ocupar até o Fantástico. Aí segunda-feira começa nova rotina. Essa semana passada tava uma semana de notícia mais ou menos favorável ao Lula, à esquerda, favorável ao PT. Quando foi na quinta-feira, o que aparece? O juiz lá de Brasília aceita uma denúncia… Aqui tem uma coisa engraçada, eu tô respondendo um processo, vou prestar depoimento, em 2016 um delegado, eu não vou citar o nome dele, ele cita o meu, mas eu não vou citar o nome dele, disse que o amigo do Palocci era eu, ou o amigo do “italiano”. Então, na época eu processei ele. Qual não é a minha surpresa que agora ele é o cara que vai me interrogar. Então veja o absurdo: ele é o cara que fez a delação do Palocci. Ele utiliza o Palocci como argumento da sua própria defesa, pro Palocci confirmar tudo o que ele disse, e o Palocci utiliza ele pra sair daqui com um bom dinheiro e viver a vida dele. Esse é o papel de delator, né? Só delata quem rouba. Quem rouba, delata, quem tem dinheiro pra gastar, sabe? Então, nós exigimos alguns documentos, eu tô esperando pra prestar depoimento. Eu só quero  te mostrar que eles se meteram num emaranhado de mentiras e conexões duvidosas que eu não sei como é que eles vão sair. Gente, vocês não têm noção do que eles fizeram lá em Atibaia, no sítio. Eles foram pegar o caseiro, a mulher do caseiro. Foram de noite, seis caras com carro preto, fardado, com distintivo de Ministério Público…

Juca: Deixa eu lhe interromper nisso. Eu quero relembrá-lo: na série de conversas que tivemos com o senhor pra fazer este livro, que eu volto a mostrar, A Verdade Vencerá, da editora Boitempo, que está praticamente esgotado e será publicada uma nova edição, houve um momento que eu lhe fiz uma pergunta que foi talvez nas 15 horas de conversas que nós tivemos o único momento que o senhor ficou irritado, e que infelizmente acabou não fazendo parte, porque na edição coisas têm que ser dispensadas, e esta foi. Eu fiz uma pergunta dizendo ao senhor o seguinte: se eu recebesse da Polícia Federal um documento rasurado do tríplex eu teria publicado sem lhe ouvir. O senhor ficou bravo, bateu na mesa, virou-se pra mim e disse: Juca, eles entraram na minha casa, levaram tudo há seis meses, e eu nunca mais pude ver nenhuma das coisas que levaram da minha casa. Quem lhe garante que não foi rasurado na polícia? Ou você não sabe que polícia planta, por exemplo, maconha em carro de garoto, pra poder dar flagrante? E eu me lembro que eu me dei conta que eu tinha feito a pergunta de maneira errado, e que o senhor tinha motivo para ter se irritado. E passados uns 15, 20 minutos, os outros três perguntavam, e eu não. O senhor virou-se pra mim de repente e disse: é pra perguntar, não veio aqui pra perguntar?, pergunte. O senhor acha que foi a polícia que rasurou aquele documento?

Lula: Eu não sei, eu não posso ser leviano como eles foram comigo. O que não é possível é alguém pegar documento e ficar com o documento. Anos, não foram meses, e depois me apresentar, esse aqui tá rasurado. Ora, por que que não foi vocês? Quem é que me diz que não foi vocês? Vocês ficaram com um monte, vocês podem plantar o que vocês quiserem. Por isso é que nós temos feito auditoria, nós temos auditoria que eles, a Polícia Federal não divulgou, não quis divulgar, o Moro não aceitou divulgar, porque tem nome de pessoas. Você sabe o que eu estou fazendo, Juca? Você veja, eu sou tão arrogante que eu estou desafiando. Os promotores da Lava Jato (bate na mesa). Os delegados que tão nos meus inquéritos (bate novamente). O Moro e quem mais ele quiser (mais uma vez). A mostrar, na inteligência da Polícia Federal, na inteligência da CIA, na inteligência do FBI, na inteligência da Secretaria de Justiça dos americanos, na inteligência do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, a mostrar o meu nome em alguns desses materiais secretos que eles encontraram no mundo. Esse material que eles não conseguem abrir, tem muito material que eles não conseguem abrir, nós conseguimos abrir. E nós sabemos que tem nome de outras pessoas, eu estou desafiando a mostrar meu nome. Eu tenho que ter pelo menos um euro na Suíça, eu tenho que ter pelo menos uma lira na Itália, uma libra esterlina na Inglaterra, eu tenho que ter, não é possível que eu tenha roubado tanto e não tenha um centavo. É possível que o Joesley tenha depositado dinheiro na minha conta e depois gastou com o casamento dele, comprou a ilha do Luciano Huck, comprou um barco pra mulher dele, e cadê meu dinheiro? Não é possível que o Palocci diga que foi não sei quantos milhões pra mim, esse dinheiro tem que estar em algum lugar, alguém pegou, Juca, por favor, me ajude!

Trajano: Debaixo do colchão não vai estar, porque tiraram o seu colchão da sua casa.

Lula: O Instituto [Lula] tá quebrado, o Instituto não tem dinheiro. E esse dinheiro meu tá espalhado na mão de quem?

Juca: Eu entendo a sua indignação, mas…

Lula: Isso aqui é um tom de desabafo.

Juca: Eu sei, eu entendo, eu entendo.

Lula: Quem está falando pra você é um cara que mora no mesmo apartamento desde 1998. Eu briguei muito com meus advogados, que meus advogados achavam que eu durante todo o período tinha que chamar a imprensa para ver a qualidade do apartamento que eu morava, eu nunca levei. Uma vez eu briguei com o Genoino (José Genoino, ex-deputado e ex-presidente do PT), porque quando a imprensa começou a denunciar na questão da Lava Jato o Genoino queria que eu levasse a imprensa na minha casa. Eu falei, Genoino, a minha casa é o único espaço democrático e meu. Eu não levar a imprensa na minha casa. Depois a Polícia Federal foi. Cada policial que foi na minha casa chegou com a maquininha pendurada no peito, pra tirar fotografia. Agora deveria criar um outro filme, A Lei é para Todos, como aqueles que… Podia fazer outro filme, e no filme poderia mostrar uma calota de um carro roubada por mim, alguma coisa. Eu continuo desafiando porque é o único instrumento que eu tenho.

Juca: Eu entendo a sua indignação…

Lula: É o único instrumento que eu tenho, de estar aqui preso. Um cara de 40 anos de idade, de 30 anos, pode ficar dois anos preso, o cara é novo. Eu não tenho mais muito futuro, meu caro, eu tô com 73 anos de idade, eu tô há um ano e meio enclausurado aqui dentro. À espera de que alguém prove, prove que o Lula é culpado, que eu fico quieto. Me desmoralizem, pelo amor de Deus! Me desmoralizem! Faça minha bisneta ter vergonha de mim, minha neta, diga e prove.

Juca: Presidente…

Lula: Então, é por isso que eu sou obrigado a ficar indignado.

Juca: Perfeito, eu entendo perfeitamente…

Lula: Eu não posso aceitar. Não posso aceitar.

Juca: Agora, o senhor nega…

Lula: Irresponsável. Por isso que eu falo sempre: o Moro é mentiroso. Pode ver que o Moro, quando vai na televisão, no microfone…

Juca: Não olha nos olhos…

Lula: Ele não olha nos olhos. Ontem, a Globo utilizou o Dallagnol falando muito tempo, ele estava com o teleprompter. Ele estava lá, quem sabe, sabe, bem preparadinho. Ele não tem coragem. Eu adoraria alguém me dar uma chance de ter um debate, eu, Moro, Dallagnol, com vocês dois aí.

Juca: Tá registrado. O senhor nega aquela frase do ex-governador da Bahia, do PT, Jaques Wagner, que o PT lambuzou-se?

Lula: Eu não sei se lambuzou-se. Que o (João) Vaccari está preso. E o Vaccari certamente fez o que todo tesoureiro de partido fez. Se você pegar a conta do PSDB, ele arrecadou 300 e poucos milhões, o Vaccari 300 e poucos milhões, e eu sei que naquele momento a prisão do Vaccari era condição sine qua non para a operação ir pra cima do PT. Eu não tô dizendo que eles ah, agora prendemos o Eduardo Cunha… Já tinha que ser preso independentemente da Lava Jato. Todo mundo que faz política sempre soube do comportamento do Eduardo Cunha. O que eu acho é que nós precisamos colocar o país…

Juca: Mas não falta essa autocrítica do PT, que o senhor se recusa, porque os outros fizeram igual, porque os outros…

Lula: Não, não, não, Juca, pelo amor de Deus, vamos ver…

Juca: O senhor nega aquela frase do ex-governador da Bahia, do PT, Jaques Wagner, que o PT lambuzou-se?

Lula: Eu não sei se lambuzou-se. O (João) Vaccari está preso, e o Vaccari certamente fez o que todo tesoureiro de partido fez. Se você pegar a conta do PSDB, ele arrecadou 300 e poucos milhões, o Vaccari 300 e poucos milhões, e eu sei que naquele momento a prisão do Vaccari era condição sine qua non para a operação ir pra cima do PT. Eu não tô dizendo que eles ah, agora prendemos o Eduardo Cunha… Já tinha que ser preso independentemente da Lava Jato. Todo mundo que faz política sempre soube do comportamento do Eduardo Cunha. O que eu acho é que nós precisamos colocar o país…

Juca: Mas não falta essa autocrítica do PT, que o senhor se recusa, porque os outros fizeram igual, porque os outros…

Lula: Não, não, não, Juca, pelo amor de Deus, vamos ver…

Juca: Por que os outros fizeram igual?

Lula: Não, não, não, não. Pelo amor de Deus, não, Juca. Vamos ver o seguinte: foi no meu governo e no da Dilma, no meu (cita os ministros da Justiça) com  o Márcio (Thomaz Bastos) e no meu com o Tarso (Genro), e no da Dilma com o Zé Eduardo (Cardoso) que nós criamos todos os mecanismos de apuração. Veja, nós chegamos a criar uma coisa chamada a Lei da Transparência. Que o Bolsonaro acabou. E todo mundo que exigia que o PT fizesse não cobrou do Bolsonaro que ele acabou com a Lei da Transparência. No governo do PT as pessoas sabiam qual era o papel higiênico que a presidenta Dilma utilizava, se ela chupava um chiclete. Porque a gente queria escancarar.

Hoje, porque é que ninguém cobra isso? Então o PT no governo criou mecanismo de proteção da coisa pública. Se alguém do PT cometeu erro, eu vou dizer pra você, tem que pagar. Quando nós fizemos a lei, não foi feita para os outros, foi feita pra nós. Então o que eu quero é o seguinte: querem me punir, ótimo. A lei é para todos, ótimo. Agora todos têm que ser julgados com respeito à Constituição, com respeito à lei e com provas. Eu não posso prender o meu vizinho porque eu não gosto dele.

Então eu tô há um ano e dois meses aqui, só querendo isso. Eu quero que leia, eu quero que analise, eu quero diz o seguinte: bom, a chácara é do Lula; ah, o Lula influenciou na compra do avião da Dilma. Eu levei como testemunha o Nelson Jobim que era ministro da Defesa, o brigadeiro Fat que era o brigadeiro comandante de Aeronáutica. E algum imbecil lá disse que eu tive influência. Coloquei até o primeiro ministro da Suécia como testemunha, coloquei o Sarkozy como testemunha. A Dilma como testemunha. O governo inteiro como testemunha. Porque de repente um cidadão inventa uma mentira e eu sou obrigado a correr atrás de justificar essa mentira!

Eu na verdade estou cansado de remar contra a maré. Eu queria um pouco a maré pelo menos mansa. Eu tenho bursite não posso nem dar muita braçada. Mas eu fico irritado porque a desfaçatez com que a imprensa corrobora com as mentiras é uma coisa muito grave.

Trajano: Presidente, nós estamos aqui representando algumas outras pessoas também, que não têm essa oportunidade de entrevistá-lo. Trouxe aqui uma pergunta do Frei Betto, por exemplo. Outra do Mário Magalhães que tem a biografia do Marighella, que é exemplar.

Lula: Fantástica, eu li.

Trajano: Aliás o filme foi liberado agora para Paris Filmes, vai estrear em novembro. Pergunta do Mário Magalhães que está lançando um livro sobre 2018. Um livro muito importante que faz um balanço dos acontecimentos de um ano complicado para nós brasileiros. Aí ele fala de balanço aqui. Qual seu balanço das nomeações feitas pelo senhor e pela presidenta Dilma para o Supremo Tribunal Federal? Que critérios foram considerados para as nomeações?

Lula: Essa é uma pergunta é importante, extremamente importante. Primeiro porque você quando vai ter que indicar uma vaga, você tem gente que apresenta currículo, você tem entidade que apresenta currículo. Você tem muitas vezes a instituição de advogado que apresenta currículo. É sempre um monte de gente que apresenta currículo. Às vezes vem currículo apresentado por entidade da própria OAB. E você faz uma operação. Nem sempre é um cara só. Às vezes é cinco caras, seis caras, sete caras e todo mundo tem um bom currículo.

Eu não me arrependo das pessoas que eu indiquei. Se a pessoa pensou que eu ia dizer que estou arrependido, não estou. Vou contar o Joaquim (Barborsa), por exemplo. O Joaquim eu tinha interesse de fazer com que a Suprema Corte tivesse um negro. E nós tivemos dificuldade de achar um advogado negro com competência. Achamos o Joaquim. Márcio Thomaz Bastos me traz um currículo do Joaquim, sabe?

Aí surgiu uma matéria de que o Joaquim tinha batido na mulher, uma coisa assim. Eu então recusei. Ficou lá uns seis meses comigo até que eu recebi uma carta dizendo: olhe, a briga que teve é uma briga normal de casal não sei das quantas. Baseado nisso eu conversei com o Márcio: vamos indicar o Joaquim. Ele tinha currículo para ser. Então não tem arrependimento.

Você quando, você não sabe como a pessoa vai ser. A Cármen Lúcia (ministra do STF), eu indiquei a Cármen Lúcia e as pessoas que pediram pela Cármen Lúcia são pessoas importantes que vocês levariam em conta.

O Ayres Britto foi motorista meu quando ele era advogado do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Estatais de Sergipe. Eu fazia tempo que não via ele, quando entra na minha sala (os juristas) o Bandeira de Mello e o Fábio Comparato dizendo: presidente, o senhor tem a chance de indicar o primeiro ministro da Suprema Corte de esquerda. Eu fiquei muito feliz. Aí fomos fazer uma análise e ele tinha currículo para ser ministro. Indiquei. Eu fui alertado depois pelo finado Zé Eduardo e pelo finado Marcelo Déda: tome muito cuidado porque ele é muito vaidoso, ele gosta muito de si mesmo, ele se escrever um livro o título será “eu me amo”.Eu não levei muito em conta e indiquei.

Eu acho que como eu nunca indiquei pessoas em favor pessoal, eu acho que essas pessoas tiveram papel importante. Na questão da célula-tronco, sabe? Na reserva indígena. Tiveram papel importante na união civil, nas cotas, sabe?

Eu posso não concordar politicamente com alguma coisa, mas eu sinceramente… O (Dias) Toffoli, era um companheiro que eu tinha uma boa amizade. Foi advogado do PT, eleitoral, sabe?

O Peluzo aqui de São Paulo era um cidadão conservador, mas com uma conduta que eu não me arrependo. Se o cara vota uma coisa que eu não gosto, paciência. Também não indiquei para votarem para mim. Eu nunca, e vocês podem conversar com ele, eu nunca pedi pra ele: olha, eu vou eleger você, mas você quando eu precisar você… nunca!

Quem fazia isso, que diziam que fazia era o Antônio Carlos Magalhães (ex-governador da Bahia e ex-senador morto em 2007), que juntava o desembargador lá no jantar na casa dele e todo mundo obedecia. Eu nunca fiz. Porque eu aprendi que se a gente respeitar a republicanidade das instituições, a gente só ganha com isso. Agora eu espero que as pessoas pensem no Brasil.

Trajano: Mas esse pacto do qual faz parte o Dias Toffoli te surpreendeu?

Lula: O Toffoli cometeu um pequeno grande engano, aparecendo numa reunião para fazer pacto. O presidente da Suprema Corte ele não faz pacto. Ele tem é que ficar na expectativa de que o governo faça o pacto com quem quiser e na medida em que houver um processo ele vai julgar como presidente da Suprema Corte. Então ele não pode ser parte do pacto. Ele não pode pactuar a reforma da Previdência.

Juca: Presidente, na hora que o senhor entrou aqui, o senhor quando viu Trajano e eu, não sei se surpreendeu que fossemos nós dois os entrevistadores ou o senhor já sabia que seríamos nós dois. O senhor disse: enfim vou poder falar um pouco do Corinthians. E não falamos ainda do Corinthians. E temos mais 20 minutos aqui pra nossa conversa. O senhor tem visto o Corinthians?

Lula: Eu acho que vou falar do Corinthians, mas eu precisava falar um pouco do povo brasileiro. Porque eu acho que a coisa é grave. O Corinthians é o seguinte: eu não sei o que tá acontecendo com o Corinthians.  O time do Corinthians é o mais fraco dos últimos tempos. O (Fábio) Carille (técnico) consegue fazer milagre realmente. Eu nunca vi um cara fazer tanto milagre com tão pouco santo, sabe? Mas, tá indo. O melhor jogo que o Corinthians fez foi o jogo com o Flamengo, da Copa do Brasil, foi o melhor jogo do ano. Mas eu acho que o Corinthians não tá entra aquele que disputa o título este ano. Nós estamos sem dinheiro, não dá pra comprar grande jogador, vamos levando.

Aliás, o futebol brasileiro está vivendo uma situação engraçada, né? Porque o Palmeiras está comprando jogador, tem dois ou três em cada posição. Ou seja, o Palmeiras se dá ao luxo de comprar jogador para colocar na reserva, sabe? Então é um time que está um pouco acima do nível dos demais, isso é inexorável. Pra minha tristeza o Palmeiras tá um nível acima. Isso não implica que ele vá ganhar também.

Juca: A exemplo do que o senhor fez na Copa do Mundo, o senhor vai comentar a Copa América?

Lula: Eu não sei.

Trajano: Está convidado a repetir aquilo que foi feito na Copa.

Lula: Eu vou ver. Eu acho que a seleção também não está… (empolgando, completa Trajano). Eu fiquei triste de ver o estádio do Internacional vazio.

Juca: Dezesseis mil pessoas pra ver a seleção brasileira.

Lula: Eu fiquei triste. Também era preciso pensar bem a seleção brasileira. Sabe que uma vez eu tive uma briga com meu querido companheiro Manoel da Cconceição, que ainda mora em Imperatriz, tá bem velhinho. A gente tava em 82, numa reunião do PT lá em Bragança Paulista, e ia começa o jogo do Brasil, acho que era da Copa do Mundo. E eu queria assistir. Mandei colocar a televisão na sala e o Manoel da Conceição, que tinha saído do exílio há pouco tempo: ‘ah, vou virar as costas’. Falei: querido, você quer virar as costas você vira, você quer sair da sala você sai, eu vou ver esse jogo. Eu gosto de futebol e, veja, eu não quero que a seleção perca nunca. Mas nós estamos fracos, acho que nós estamos fracos. E eu sinceramente acho que a seleção jogou mais solta seu o Neymar.

Trajano: Mas também o adversário era brincadeira, né?

Lula: Obviamente que não dá pra medir nem o Qatar e nem Honduras. Mas vamos ver agora com a Bolívia como é que a gente se comporta.

Juca: Presidente, entre as coisas – curiosidade pessoalíssima – que o senhor sente falta, o senhor nunca negou que gosta de uma cervejinha, que o senhor gosta de uma cachacinha.

Lula: Cervejinha nem tanto.

Juca: Mas um uisquezinho, uma cachacinha. Como é que é um ano e dois meses, presidente?

Lula: Bom, significa que eu vou sair daqui sem beber nada, com uma vontade muito grande.

Juca: Mas isso é uma privação terrível?

Lula :Não, não.

Juca: Estou perguntando pelo seguinte: eu bebo pouco mas eu bebo todo dia. Acho que eu enlouqueceria se eu não pudesse. Quando vou fazer exame de sangue, três dias que não pode beber pra fazer colesterol, eu fico meio desagradável. Como é que é isso, como é que o senhor conseguiu?

Lula: Eu consigo. Eu nunca fui assim. Mesmo em casa, muitas vezes. eu bebia só de sexta-feira, sábado e domingo. Não sou alcoólatra. Eu gostava de domingo pegar uma Havanazinha, colocar no congelador e tomar bem gelada. Eu adorava! E depois vendo meu Corinthians jogar tomar um uisquezinho, comendo uma esfiha, um kibe.

Juca: Isso é absolutamente proibido, presidente? Não é possível? Nem no dia do seu aniversário não se faz uma concessão para que o senhor tome uma dose de whisky?

Lula: Nunca aconteceu.

Trajano: Faltou, falando de futebol, uma palavra sobre futebol feminino que nunca teve tanto destaque como agora, apesar da nossa seleção não ser tão forte como as outras (e como já foi, observa Juca). Temos a Marta, a Cristiane fazendo gol. E tá havendo um grande… Milhões de pessoas, bilhões de pessoas no mundo inteiro estão acompanhando essa Copa do Mundo feminina. Mas como é que você vê o futebol feminino?

Lula: Primeiro é o seguinte: ela não tem muita importância no Brasil. Lá fora tem, na Europa tem, nos países nórdicos tem. Nos Estados Unidos tem muito, na Austrália tem, na China tem, sabe? Eu acho que até um conselho para as mulheres, que defendem as mulheres, as feministas mesmo, que precisa valorizar o futebol feminino. Eu acho legal essa ideia de que cada time do brasileiro tem que ter um time feminino. Eu acho um avanço extraordinário. Eu fico até feliz que tem televisão transmitindo (pela primeira vez na TV aberta, lembra Trajano) pela primeira vez na vida transmitindo e não apenas um canal, tem outros canais. Então eu fico feliz. Fico feliz. Acho que a Marta, embora esteja já um pouco com idade, acho que ela ainda continua sendo a mais importante jogadora do Brasil, uma cabeça boa. Eu vi a história dessa esses dias. Olha, quando a pessoa nasce onde ela nasceu, passa o que ela passou e chega a ser o que ela é, é porque tem uma coisa que existe chamada Deus, que muita gente não quer acreditar. Porque eu sinceramente… eu digo até por mim. Eu fico pensando: como é que pode um cara que só tem o diploma primário, um cara que era torneiro mecânico, um cara que tinha tanta gente disputando a presidência e chega a ser presidente. Só pode ter ajuda de um partido, ajuda de amigos, de eleitores e um dedinho de Deus ali, só pode ser.

Então eu fico muito feliz com o que está acontecendo com o futebol feminino. Aliás, o meu sonho – e Juca, uma coisa é verdade, nós brigamos para trazer as Olimpíadas para o Brasil, mas nós não brigamos para trazer a Copa do Mundo para o Brasil, já estava escolhido.  Porque como teve o rodízio de continentes, depois da África era América do Sul. E América do Sul era o Brasil que tinha feito só em 50.

Uma coisa que eu queria pedir pra você e eu sei que você de vez em quando faz críticas duras… Mas eu queria que você fosse ao Tribunal de Contas da União, procurasse um ex-ministro do Tribunal de Contas chamado Valmir Campelo que foi o ministro designado para apurar corrupção na Copa do Mundo nos estádios. Eu tô dizendo isso, Juca, porque eu o procurei e tem um relatório feito por ele. E ele não aponta denúncia de corrupção nos estádios.

Teve um tempo, essa história não te contei, teve um tempo que eu chamei pra conversar o senhor Roberto Setúbal, que era patrocinador; a Ambev, que era patrocinadora; o senhor João Roberto Marinho que era o responsável pela transmissão. E depois fui a Brasília conversar com a Dilma. Porque a Copa do Mundo tava sendo avacalhada e ninguém tava defendendo. Eu fui dizer pro pessoal, falava pro banco Itaú: você tá fazendo propaganda pra quê? Por que você não capricha na propaganda para motivar a sociedade. Parecia que havia o objetivo de destruir a Copa do Mundo.

Eu acho que a seleção brasileira tomou aquele sete a um… como é que o jogador recebe o público inteiro mandando uma presidenta aí pra que alugar. Eu nunca tinha visto aquilo. Nunca tinha visto aquilo na minha vida. E não tinha um negrinho pra gente dizer: tem um negro, é plural o estádio.

Como você é um cara muito interessado nisso e sei da tua briga para moralizar o futebol, era importante, porque o Tribunal de Contas designou um ministro para investigar corrupção na Copa do Mundo e o relatório dele é que não tem corrupção. E no imaginário da opinião pública tem corrupção em tudo quanto é lugar. Então eu queria te dizer isso porque eu fui atrás.

Juca: Ok, eu vou atrás.

Trajano: Eu achei um exagero ter aquele número de sedes. Acho que não deveria ter tido tantas sedes assim. Poderia ter um número menor.

Lula: Mais aí foi decisão do Ricardo Teixeira (presidente da CBF) e da Fifa. Eu tenho certeza que o Orlando também não se meteu nisso. Porque, por mim, se entrasse o Mato Grosso, seria o Mato Grosso do Sul onde tem a maioria do Pantanal. Se entrasse um estado do Norte não deveria ter sido a Amazônia, deveria ter sido o Pará que é onde tem muito mais futebol. Você poderia ter colocado Santa Catarina que tinha naquele tempo quatro times no Brasileirão.

Eu acho que oito estádios… (tava de bom tamanho, completa Trajano). Juca, eu nunca quis estádio pro Corinthians da Copa do Mundo (eu sei, afirma Juca). Eu defendi o Morumbi. Eu levei o (José) Serra (então governador do estado de SP), o Kassab (então prefeito de São Paulo), o Juvenal, o Ricardo Teixeira, o Blatter. Tem de ser o Morumbi, está pronto o Morumbi. E agora vai servir para a Copa América.

Juca: Eu sei, eu sou testemunha. Faltam 10 minutos e o senhor falou que queria falar sobre o povo brasileiro. Então eu queria que o senhor falasse o povo brasileiro mas eu queria…

Lula: E qual a pergunta do Frei Betto?

Trajano: Tem a ver com Vaza Jato. O senhor considera Vaza Jato um ato de justiça suficiente para você e por quê?

Lula: Olha, deixa eu te falar, qualquer coisa que venha a público que possa fortalecer aquilo que eu venho dizendo – e eu não tô dizendo agora, não é o Intercept que tá me obrigando a dizer isso, eu venho dizendo isso antes de ser julgado, antes de ser condenado e antes de ser preso: eu sou inocente. E desafio meus acusadores a mostrar uma prova concreta. A minha condenação se dá por um crime chamado: ele cometeu um crime de fato indeterminado. Então, o juiz que me julgou não sabe que crime eu cometi. Mas tem que ser condenado por que o nome dele é Lula, tá? Esse é o fato concreto. Quando chega no TRF4 eles nem leram o processo. Era preciso me condenar para me incluir na (lei) Ficha Limpa. Mesmo estando na Ficha Limpa, quando chegou o processo eleitoral, meu caro Frei Betto, eu tinha certeza que eu ganharia as eleições daqui de dentro da cadeia. Quando eu fui pego de surpresa, porque os meus advogados todos me orientavam: olha Lula, não há como pela legislação eleitoral eles evitarem que teu nome vá até a urna. Você vai concorrer sub júdice. Se eles quiserem te cassar, vão te cassar depois, antes de você se diplomar. Então essa era a convicção que eu tinha dos meus advogados aqui dentro. Aí veio o Barroso e toma aquela decisão que tomou, que eu não podia concorrer sub júdice.

Trajano: Mas de qualquer maneira, respondendo ao Frei Betto, se trata também de um ato de justiça, e que começa a acontecer.

Lula: Veja, como eu vinha dizendo da minha inocência, eu vinha dizendo da minha inocência, tinha gente que achava, Lula, não briga com o Moro. Eu falava, eu não estou brigando com o Moro, eu tô brigando com um mentiroso, ele não merece ser juiz. Ele é pedante. Ele é arrogante, olha a cara dele na televisão. Ele, porque foi fazer um curso em Harvard, pensa que é importante. Ele que cuide do curso dele. Eu quero que ele seja honesto. Eu não sei se ele tem filho, mas eu não sei se ele tiver filho ele tem coragem de olhar pra cara do filho e dizer que ele está sendo honesto. Então, eu não posso perdoar ele. Não, se for o caso eu até perdoo, no futuro, porque, sabe, eu sou um ser humano que perdoa. Mas eu não posso admitir… Quando eu vejo o Dallagnol, com aquele ar de menino messiânico, menino que aprendeu a jogar bolinha de gude num carpete, que aprendeu a empinar papagaio na frente do ventilador, querer ser o porta-voz da honestidade neste país, e depois tava por detrás dos panos fazendo um acordo para pegar 2 bilhões e meio pra criar um fundinho dele. E tem mais, vai chegar a 13 bilhões. Existe documento, existe filme, na hora certa, como aconteceu agora com o Glenn, na hora certa vai acontecer muita coisa neste país. Eu, como vou viver até 120 anos, estou achando que Deus vai me dar uma colher de chá. Um cara que passou pelo que eu passei, um cara que ficou viúvo duas vezes, sou bi-viúvo. Fiquei dois anos com a Lourdes, ela morreu, depois a Marisa, fiquei 43 anos, agora estou pensando em casar outra vez…

Juca: Eu, se fosse essa moça, tomava muito cuidado…

Lula: Eu acho que ela tem que tomar cuidado. Mas o meu futuro não é mais de 30 anos, meu futuro é pouquinho. Quando a gente é novo, a gente não pensa na morte. Agora, que eu tô com 73 anos de idade, eu fico vendo: ah, morreu Beth Carvalho, 73 anos. Morreu não sei quem.

Trajano: Eu penso igualzinho. Eu tô com 72, eu penso a mesma coisa.

Lula: Eu espero, estou rezando e torcendo, pra estar na margem dos que vão viver 120…

Juca: Eu não posso acompanhar essa conversa, porque sou muito mais moço do que vocês dois. Nós temos cinco minutos, apenas, pra sua fala. Eu queria que o senhor fizesse essa fala, claro, desde que o senhor concorde, porque eu vejo essa sua preocupação: o que a esquerda tem que fazer no Brasil hoje?

Lula: Olha, eu queria dizer ao povo brasileiro que não há na história da humanidade sociedade que consiga vencer seus obstáculos se ela se encolher, se acovardar, se ela deixar de brigar diante das adversidades. Eu sei que tem muita gente assustada com o tipo de governo que o Bolsonaro tá fazendo. E acho que a única coisa que pode consertar isso é povo brasileiro não permitir que eles destruam aquilo que o povo brasileiro construiu ao longo de 500 anos. Se não construiu mais, é porque não foi possível. Mas o que não dá é a gente perceber este país voltar a ser uma república de bananas.
Não dá para ver este país tendo um ministro das Relações Exteriores envergonhando o Brasil em qualquer lugar do mundo. Não dá para ter um ministro da Fazenda que só pensa em vender patrimônio, em construir as coisas que a gente conquistou. Não dá pra você ter um equipe de dirigente que acha que tudo que foi avanço é prejuízo, e que precisa então a gente voltar, trabalhador não tem que ter carteira assinada, tem que ter trabalho intermitente, que não tem que ter emprego fixo, tem que fazer bico, o trabalhador aposentado não tem quer ter aposentadoria solidária, tem que ter uma aposentadoria em que ele sozinho tenha que pagar, sem saber como, sem saber quando ele ficar desempregado quem vai pagar a aposentadoria dele.

E que nós temos que fazer? Nós temos que lutar. Acho que os partidos de esquerda, é muito difícil a gente fazer, é fácil a gente falar, mas precisa construir um programa mínimo. Acho que o programa mínimo se dá em torno de uma coisa chamada soberania nacional. Nós precisamos traduzir para o povo brasileiro o que significa soberania nacional. Significa a defesa dos interesses do seu país, feita pela totalidade da sociedade. Nós temos as nossas fronteiras, dentro das nossas fronteiras temos o nosso povo quer educação, nosso povo quer cultura, quer investimento em ciência e tecnologia, temos as nossas florestas, temos a nossa diversidade, temos a nossa água, temos as nossas riquezas no solo e no subsolo, tudo isso é um patrimônio deste país. Soberania significa você defender tudo isso e colocar tudo isso a serviço da sociedade brasileira.

Quando a gente vende uma Embraer pra Boeing, a gente está se desfazendo de um patrimônio tecnológico do povo brasileiro. Quando a gente começa a entregar o pré-sal, está entregando a possibilidade de esse povo ter um futuro melhor, de utilizar o dinheiro para investir na formação, na educação, em pesquisa, em ciência e tecnologia. Então, o povo precisa se dar conta disso. Não é possível que as pessoas comecem a vender a Petrobras do jeito que está fazendo e não haja… Quando eu cheguei à Presidência, a indústria naval tinha pouco mais de 2 mil trabalhadores, chegamos a 82 mil trabalhadores, pra produzir navio, pra transportar cargas brasileiras. Acabaram com isso, em nome do quê? De que na Coreia é mais barato? Ora, e o nosso país? E a nossa ciência e tecnologia? E o nosso emprego? E o nosso salário? E a qualidade de vida desse povo? Eu, quando vejo o discurso de que vão transformar Angra dos Reis numa Cancún, é de uma aberração… Primeiro, porque turista vai falar, mas em Angra tem usina nuclear. Será que os magnatas que vão pra Cancún vão querer ir para um lugar que tem usina nuclear? Segundo, bando de… Eu não vou falar o que eu pensei. É preciso tomar cuidado. Angra é bonita do que jeito que ela tá, do jeito que o povo gosta. O que precisa, na verdade, é permitir que aquelas ilhas sejam utilizadas e visitadas pelo conjunto da sociedade brasileira.

Então, eu queria dizer, Trajano, de todo coração, não há nenhuma razão para gente não levantar a cabeça e não brigar. Se você tivesse um governo bom… Eu digo sempre o seguinte: era difícil fazer oposição quando a direita elegeu o Fernando Henrique Cardoso. Porque todo mundo… Era um social-democrata, um cara da USP, um cara qualificado, então era difícil a gente ser contra. Mas o Bolsonaro a gente não tem porque não ser contra, ele é tudo diferente do que a gente pensa. Ele não quer conviver democraticamente, ele odeia democracia, ele odeia o PT, odeia o povo brasileiro, odeia a empresa nacional, odeia o desenvolvimento. O que ele na verdade gosta é da ignorância de que ele se cercou, que fica alimentando essa babaquice.

(Juca) Presidente Lula, muitíssimo obrigado por essa entrevista. Espero que a próxima a gente possa fazer com o senhor em liberdade.

Edição: Rodrigo Chagas