Saúde

Cesárea não indicada eleva em seis vezes risco de morte da mãe, diz professora da UnB

Cirurgia aumenta em sete vezes as chances de bebês desenvolverem doenças respiratórias, além de onerar a saúde pública.

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Ex-ministra Eleonora Menicucci disse que o PL 435 representa um retrocesso e pediu que a deputada retire a urgência da matéria.
Ex-ministra Eleonora Menicucci disse que o PL 435 representa um retrocesso e pediu que a deputada retire a urgência da matéria. - Foto: Reprodução FB Mandato Beth Sahão

Organizada pelas frentes parlamentares de Combate ao Racismo, dos Direitos das Mulheres e Em Defesa da Vida das Mulheres, a audiência pública “O parto e a saúde integral da mulher e da criança” reuniu, nesta quarta-feira, 19 de junho, dezenas de pessoas, além de especialistas de entidades médicas, movimento de mulheres e conselhos, para debater o Projeto de Lei 435/2019, conhecido como PL da Cesárea, de autoria da deputada Janaína Paschoal (PSL).

O projeto prevê que as mulheres possam, a partir da 39ª semana de gestação, optar por realizar o parto por cesárea em hospitais e maternidades públicas do estado de São Paulo.

A mesa, que teve a condução compartilhada pelas deputadas Beth Sahão e Márcia Lia, do PT, Érika Malunguinho (PSOL), Mônica Seixas e Anne Rammi, da bancada ativista do PSOL, também deu assento à autora da proposta, Janaína Paschoal, e à ex-ministra da saúde Eleonora Menicucci.

A epidemiologista Daphne Rattner, professora de medicina na Universidade de Brasília (UnB), trouxe à audiência dados que demonstram um aumento mundial no número de cesáreas.

As informações expostas pela médica mostram que a intervenção cirúrgica traz um risco de morte seis vezes maior nos casos em que não é indicada clinicamente. O risco de infecção puerperal em casos de cesárea é de 2,86%, enquanto nos partos normais essa chance é de 0,75%.

De acordo com a especialista, as cesáreas apresentam risco sete vezes maior de recém-nascidos desenvolverem doenças respiratórias. Em termos financeiros, Rattner também alertou para o aumento do ônus ao Estado. Segundo ela, a cada 1% de aumento de cesáreas realizadas no país, há um custo adicional de R$ 15 milhões aos cofres públicos.

Debate

Paschoal negou que o objetivo de sua proposta é impor a cesárea, mas garantir "esse direito". "Não tenho nada contra o parto normal, mas não podemos impor a uma mulher uma convicção que é nossa", argumentou a deputada.

Na sequência, Érika Malunguinho rebateu: "ninguém está em oposição à autonomia da mulher, há oposição à mensagem política que o projeto passa, que vai na contramão da redução das cesáreas recomendada pela OMS".

Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomende que os partos por cesárea não ultrapassem os 15%, no Brasil eles já correspondem a 55,7% do total de partos. O que para a vereadora Juliana Cardoso, por exemplo, já se caracteriza como "epidemia de cesáreas".

Na avaliação da ex-ministra de Políticas para as Mulheres do governo Dilma Roussef (2012-2016), Eleonora Menicucci, a proposta é um retrocesso à Lei do Parto Humanizado, aprovada em 2015 pela Alesp.

"A cultura da cesárea interessa muito mais aos profissionais de saúde do que às mulheres. O fundamental é que a mulher tenha acolhimento e acesso à informação. Se for para mudar a lei, que seja para melhorá-la", enfatizou a ministra e professora do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Unifesp.

Menecucci também pediu à deputada Janaína Paschoal que retire o PL do regime de urgência, permitindo que ele possa ser analisado pela Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa.

Anne Rammi, da bancada ativista do PSol, elogiou a postura de Paschoal por demonstrar a abertura ao diálogo, com sua presença na audiência. Também valorizou a audácia da parlamentar em trazer, por meio do projeto, o debate da violência obstétrica, mas classificou-o como "equivocado". Na avaliação de Rammi, o projeto surgiu de maneira "enviesada, ouvindo apenas o Conselho Regional de Medicina, que representa os interesses corporativos da classe médica".

"Falar da saúde sexual da mulher apenas no momento da escolha da via de nascimento é um debate parcial de um combo muito maior, que é o desenvolvimento sadio da sexualidade. Se a gente está falando de autonomia temos que falar disso desde a infância, abordando o conhecimento das crianças sobre o seu próprio corpo. Uma discussão de sexualidade sadia desde a primeira infância a gente teria muito mais facilidade de reconhecer o que é violência sexual contra a mulher", resgatou a parlamentar.

"Sem preocupação"

Questionada pela reportagem se a aprovação do PL 435 não poderia ampliar o número de cesáreas no país, Janaína negou a preocupação e disse que a OMS não indica provas de que o parto natural viabilize melhoras. "Não tenho essa preocupação. Meu desejo é que a mulher que chega no sistema público, possa se manifestar e ser ouvida".

A advogada disse que pode alterar o projeto de lei, mas não manifestou interesse em pedir a retirada de urgência do trâmite do PL, tampouco indicou quais mudanças poderiam ser feitas.

Caso não haja alterações e nem retirada da proposta, a matéria pode ser votada até quarta-feira (26) pela Alesp. Na corrida contra o tempo, a deputada Beth Sahão (PT) reúne, na próxima terça-feira (25), uma nova reunião com técnicos da área da saúde para obtenção de subsídios. A parlamentar do PSL se comprometeu a comparecer e a ouvir as sugestões das profissionais presentes.

Edição: Cecília Figueiredo