Foi entre faíscas e afagos que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, foi sabatinado, nesta quarta-feira (19), no Senado Federal, em Brasília (DF). Ao longo de mais de oito horas, ele prestou esclarecimentos à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) a respeito das denúncias que vêm sendo feitas pelo site The Intercept Brasil.
O veículo publica, desde o último dia 9, uma série de reportagens que trazem conversas virtuais atribuídas a Moro em conjunto com procuradores da República a respeito da Lava Jato. Segundo os conteúdos, que o site afirma ter obtido por meio de fonte anônima, a equipe teria combinado entre si estratégias para a acusação de réus no âmbito dos processos da operação, incluindo o que levou à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), há mais de um ano.
Na sabatina, citando a Constituição Federal e as normas que regem o exercício da magistratura, diferentes senadores confrontaram Moro ao abordar a troca de mensagens consideradas comprometedoras entre juiz e acusadores. “Aqui não se trata de ser contra ou a favor da Lava Jato. É elementar, no processo penal, o princípio da isonomia ou da paridade entre as partes”, sublinhou Fábio Contarato (Rede-ES), tradicional defensor da operação.
“Fico imaginando se fosse eu, delegado, que mantivesse contato pelo WhatsApp com o advogado do indiciado contra quem instaurei um inquérito e isso chegasse ao conhecimento do titular da ação penal, o Ministério Público (MP), e do Judiciário. Acho que eu sairia preso da delegacia”, provocou o parlamentar, que é delegado de polícia há 27 anos.
Ao longo do roteiro da sessão, o ministro repetiu que não vê problemas no conteúdo das mensagens. Ele dirigiu críticas ao Intercept, afirmando que o site estaria fazendo “sensacionalismo” e promovendo “falsos escândalos”. Também reforçou que celulares da equipe da Lava Jato teriam sido invadidos por hackers. Emparedado diante da impopularidade e da amplitude que o caso tomou, Moro optou por concentrar a maior parte das respostas no vazamento dos diálogos, acrescentando que a equipe da operação estaria sendo alvo de “um grande grupo criminoso”.
“Ainda que tenha alguma coisa ali verdadeira, essas mensagens podem ter sido total ou parcialmente adulteradas”, afirmou, dizendo ainda “que a Polícia Federal irá fazer uma investigação dos vazamentos ‘com isenção’”, no que foi criticado por opositores, pelo fato de o órgão ser subordinado ao Ministério da Justiça. Ele também negou a existência de um conluio seu com membros do MP para prejudicar réus.
Teve centralidade ainda maior, no discurso do ministro, a defesa da Lava Jato. Ao citar números da operação, Moro disse que a força-tarefa “obteve uma quebra no padrão de impunidade que há no Brasil” e que “tudo foi sempre avaliado com base nas provas, nos requerimentos”.
“O discurso é o de se escudar por trás da Lava Jato e não falar sobre o que veio falar aqui. Não está em jogo a Lava Jato, mas a sua conduta diante dela”, reagiu o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), em um dos momentos de maior alvoroço da audiência.
As críticas da oposição e de outros senadores se revezaram com acenos positivos de aliados de Moro, que foi defendido por parlamentares como Marcos do Val (Cidadania-ES), Soraya Thronicke (PSL-MS), Juíza Selma (PSL-MT) e Marcos Rogério (DEM-RO). Vice-líder da bancada do DEM, este último chamou de “retórica política” o discurso dos que alvejaram a conduta do ministro. “Não são seres anormais. São seres humanos e podem cometer erros”, amenizou, ao fazer referência à equipe da Lava Jato.
Lula
Ao citar mensagens segundo as quais o juiz teria ajudado a orientar a defesa, o líder do PDT na Casa, senador Weverton (PDT-MA), levantou, logo no início da sessão, um dos principais pontos de tensão da audiência. Lembrando o caso de Lula, ele destacou o “protagonismo do então juiz” e o questionou sobre as normas do ordenamento jurídico, que impedem esse tipo de conduta.
“O senhor, recentemente, foi ver um jogo do Flamengo aqui em Brasília. O que diria se o juiz desse jogo combinasse com um jogador pra ele cair na área e dar um pênalti e, logo em seguida, o senhor olhasse esse juiz vestindo a camisa do outro time? O senhor julgou e condenou o ex-presidente Lula, líder da esquerda no Brasil. Com ele condenado e preso, surgiu um antiLula, o líder da direita Bolsonaro. Depois disso, o senhor aceitou ser ministro dele. Não acha que sua postura maculou suas decisões como juiz?”, completou o senador.
Moro disse ter sido “sondado” por Paulo Guedes antes do segundo turno sobre a possibilidade de aceitar um convite para comandar o Ministério da Justiça. Ele sustentou que, na época, ainda não conhecia Bolsonaro e que viu no convite uma oportunidade de consolidar o que chamou de “avanços anticorrupção”.
O ministro também foi confrontado em outros aspectos que envolvem o ex-presidente, como é o caso de uma suposta relação com os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que julgaram o caso do triplex. Ele foi questionado pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE) se teria se relacionado “de alguma forma” com os magistrados.
Reativo, o ex-juiz disse que nunca conversou “sobre dosimetria de penas” com os desembargadores e que o parlamentar estaria fazendo “acusações graves” ao Tribunal.
Cenário
Como a ida de Moro ao Senado ocorreu após o ministro se colocar à disposição para a sabatina, ele não foi ouvido na condição de testemunha ou de investigado. A presença do mandatário na Casa, no entanto, é considerada um desafio político para ele e a gestão Bolsonaro.
A permanência de Moro no cargo tem sido questionada por diferentes segmentos sociais e entidades, incluindo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pediu o afastamento do ministro. Esse fator, somado às fragilidades do atual governo, que ainda não consolidou uma base de apoio no Poder Legislativo, engrossou o caldo da denúncia trazida pelo Intercept.
Diante disso, o entendimento, nos bastidores do Congresso, é de que, ao se oferecer para uma audiência no Senado, Moro tentou evitar um desgaste político maior em caso de uma eventual convocação – situação em que o depoente é obrigado a comparecer à Casa.
Já na Câmara dos Deputados, onde a oposição costuma atuar de forma mais incendiária e incisiva, a ordem entre os parlamentares é esperar um maior enfraquecimento da figura do ministro para, depois, articular uma convocação. A estratégia está intimamente ligada ao ritmo da série de reportagens do Intercept, que ainda deverá publicar novos materiais.
Edição: Vivian Fernandes