A alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile entre 2006 e 2010 e 2014 e 2018, chegou nesta quarta-feira (19) para uma visita de três dias à Venezuela. O momento é crucial, pois acaba de ser realizada, em Estocolmo, na Suécia, a terceira reunião dos diálogos de paz entre o governo venezuelano e os partidos de oposição. Bachelet vai se reunir com o presidente Nicolás Maduro e o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, líder da oposição.
Nessa terceira mesa de negociação entre chavistas e opositores, as duas delegações estiveram sentadas cara a cara pela primeira vez e foram acompanhadas por mediadores do Vaticano, Nações Unidas, União Europeia, Rússia, Cuba e países europeus. Os Estados Unidos foram convidados, mas decidiram não participar. As duas primeiras reuniões exploratórias foram realizadas em Oslo, na Noruega, mas com a diferença de que os diálogos foram feitos separados, entre os representantes de cada da parte e os diplomatas noruegueses.
Na Venezuela, tanto governo, quanto a oposição têm evitado dar declarações detalhadas sobre o tema. O diretor da empresa de pesquisa Data Análisis, Luis Vicente León, analista político próximo ao setor opositor, explica o porquê: “Supomos que as negociações continuem se desenvolvendo, embora de maneira privada, para evitar o assédio dos adversários”.
Dentro da oposição, o tema é controverso, já que alguns políticos e líderes opositores são declaradamente contra os diálogos. Entre eles estão, por exemplo, o dirigente do partido "Primeiro Justicia", Júlio Borges, o deputado Angel Medina, desse mesmo partido, e María Corina Machado, líder do Movimento "Vente Venezuela", de extrema-direita.
Para o cientista social, professor da Universidade Simón Bolívar, Johon Magdaleno, a oposição sentou para dialogar porque não teve muita opção. “Essencialmente, essa é a única opção estratégia que depende dos seus próprios esforços e iniciativa, que não precisa de terceiros. Já a intervenção militar estrangeira não depende de um convite que a oposição possa fazer a outro Estado, mas sim de seus próprios interesses estratégicos”, avalia o professor, analista também de linha opositora.
Ele considera ainda que a estratégia de Guaidó, de tentar dividir a Força Armada Nacional Bolivariana encontrou o seu limite. “As tentativas de promover uma fratura no interior da coalizão dominante, capitaneada pelos militares, faliu, como era previsível”, aponta o cientista político.
O consultor e assessor da Presidência da Venezuela, o jornalista brasileiro Amauri Chamorro, afirma que a derrota da tentativa de golpe de Estado, no dia 30 de abril, foi o que abriu caminho para o diálogo, já que a comunidade internacional pressionou para que houvesse uma saída pacífica. "Os países europeus forçaram e os EUA tiveram que ceder e permitir que iniciasse um processo de diálogo. Porque os EUA mentiram para a Europa e o governo de Donald Trump mentia para a imprensa norte-americana. O discurso era que o presidente Maduro não tinha apoio popular e que os militares estavam rachados”, analisa o consultor de comunicação, radicado na Venezuela.
O que está por vir?
Apesar do ambiente político na Venezuela estar mais calmo, se comparado aos últimos meses, a situação ainda é tensa.
Nessa quarta-feira (19), o governo subiu para laranja o alerta de segurança nacional, apenas um grau abaixo do alerta máximo que é vermelho. Isso porque a visita da alta comissária da ONU, Michelle Bachelet, gerou preocupação em relação a possíveis enfrentamentos de rua entre chavistas e opositores. Partidos da oposição convocaram manifestações e, em suas convocatórias, chamaram a população a “tomar o palácio presidencial de Miraflores”.
É nesse ambiente tenso que avançam os diálogos. A próxima reunião ainda não foi agendada, mas as partes já manifestaram intenção em seguir negociando. O encontro em Estocolmo teve como propósito “quebrar o gelo e desarmar o ambiente de tensão”, segundo diplomatas presentes. Espera-se que a segunda reunião com opositores e governo frente a frente possa gerar debates concretos sobre os pontos em negociação.
Segundo o cientista político Johon Magdaleno, todos os debates seguramente vão girar em torno de possíveis eleições. “As eleições são, obviamente, a medula óssea das conversas”, destaca o professor da Universidade Simón Bolívar.
O analista político opositor Luis Vicente León aponta quais são os pontos de conflito entre o que pensam oposição e governo sobre esse tema eleitoral. “A oposição estaria disposta a aceitar uma solução eleitoral, mas nunca com o atual Conselho Nacional Eleitoral e o Tribunal Supremo de Justiça. O chavismo poderia estar disposto a falar sobre o avanço das eleições, mas desde que ele possa administrar as instituições do Estado, algo inaceitável para o seu adversário”, argumenta León.
Outro ponto de conflito é uma possível transição de poder antes das eleições. O líder opositor Juan Guaidó defende um “governo de transição”. Sobre esse tema também existe desacordo. “O governo jamais cederia esse ponto e entregaria o poder a Guaidó previamente, mas poderia pensar em um governo misto e o compromisso de entregar o poder, de forma transitória, a um chavista, civil ou militar, enquanto Maduro e o candidato opositor saem para fazer campanha eleitoral”, ressalta o analista político.
Guaidó, no entanto, já está em clima de campanha. Nas últimas semanas tem viajado pelo país fazendo comícios e marchas. Na semana passada postou várias fotos de atos realizados no interior do país em sua conta no Twitter.
Esse é o quarto processo de diálogo entre as forças políticas do chavismo e da oposição, desde 2014. Em nenhuma das tentativas anteriores chegaram a um acordo final. Diante disso, Luis Vicente León explica quais seriam os cenários possíveis para os próximos meses. “O primeiro cenário é um acordo para ir a eleições. O segundo seria a ruptura definitiva das negociações, que colocaria em apuros a todos os grupos que as promovem, já que um fracasso dificultaria qualquer tentativa posterior por essa via”, destacou.
Sobre esse tema, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza se manifestou, por meio de um artigo publicado nessa quarta (20). Ele defende que os diálogos possam ir além de uma solução imediata. “Sejamos capazes de ver muito além disso. De elevar o nível do jogo e estar à altura da História e do futuro. Façamos política desde a realidade concreta, desde nossas posições ideológicas, mas sempre tendo como objetivo o desenvolvimento humano e a maior soma de felicidade possível”, defendeu o ministro.
Arreaza é um dos membros da delegação do governo nos diálogos, junto com o ministro de Comunicação e Informação, Jorge Rodríguez, e o governador do estado de Miranda, Héctor Rodríguez.
Já a delegação da oposição está composta pelo segundo vice-presidente da Assembleia Nacional, Stalin González, o ex-prefeito do município de Baruta (grande Caracas), Gerardo Blyde e o ex ministro de Transporte e de Comunicação (1992-1993), Fernando Martínez Mottola.
Edição: Rodrigo Chagas