Há mais de dez dias, o Haiti vive intensos protestos contra o presidente Jovenel Moïse, eleito ao final de 2016. Além de exigir a renúncia do mandatário, os manifestantes pedem também a prisão e o julgamento de todos os envolvidos no desvio de dinheiro do fundo da Petrocaribe, programa venezuelano que fornece petróleo em condições especiais para países pobres e que promove políticas sociais.
A insatisfação popular que levou os haitianos às ruas em diversas ocasiões desde julho do ano passado foi retomada em mais um ciclo de protestos desde o último dia 9 de junho.
Embora a maior manifestação tenha sido realizado no domingo (09), inúmeras outras acontecem diariamente, com bloqueios de vias e queimas de pneu. Quase todas as atividades comerciais estão paralisadas na capital do país, Porto Príncipe, e em outros municípios como Jéremie e Cap-Haitien.
Nessa quarta-feira (19), chegou ao país uma delegação da Organização de Estados Americanos (OEA) em uma missão liderada pelo embaixador estadunidense junto à OEA, Carlos Trujillo, com a proposta de facilitar o diálogo entre o presidente e os setores que pedem sua renúncia. A visita ocorre por um pedido apresentado pelo chanceler haitiano Bocchit Edmond aos organismos internacionais.
Os movimentos populares do país criticam a visita do representante da OEA por considerar que sua presença representa uma ingerência nos assuntos internos do país.
“O povo do Haiti não quer esta ingerência, não quer uma solução fabricada em Washington, e não quer aceitar que a OEA nos diga o que temos que fazer com nossos países”, afirmou Camille Chalmers, porta-voz da Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo, ao portal Prensa Latina.
Chalmers, que também é economista, criticou o organismo, afirmando que sua política geral “é perseguir e isolar os governos progressistas”.
:: Haiti à beira de um colapso humanitário ::
Para Lautaro Rivara, jornalista e integrante da Brigada Internacional da Alba Movimentos no Haiti, a aliança entre Moïse e o governo dos Estados Unidos, bem como a aliança com países que têm interesses nos recursos naturais do Haiti, é uma das principais cordas que seguram seu governo, pese a insatisfação popular.
“Moïse presta bons serviços ao saquear o país, entre os quais podemos enumerar rapidamente: a consolidação de um paraíso fiscal e de zonas francas comerciais; a política de portas abertas aos megaprojetos da mineração no norte do país, onde opera o capital canadense; a sujeição ao FMI [Fundo Monetário Internacional] e a garantia de avançar na privatização das últimas empresas estatais que sobreviveram ao neoliberalismo”, comenta Rivara sobre alguns elementos da atual crise econômica, social e política no país caribenho.
Na política interna, Rivara considera que o governo está completamente isolado, pois não conta com o apoio de nenhum partido político nem de parlamentares, que não validaram a designação de seu primeiro-ministro, assim como não é apoiado pelo Poder Judiciário, que declarou sua culpabilidade no desfalque dos fundos públicos da Petrocaribe, ou pela sociedade civil, pois os organismos de direitos humanos, ONGs, movimentos e até mesmo setores da Igreja Católica e representantes patronais têm considerado passar para o lado da oposição.
Crise contínua
Os protestos fazem parte de um processo de mobilização que ocorre desde julho de 2018, quando o governo haitiano anunciou que iria aumentar o preço dos combustíveis em 51%. Após a declaração, uma série de ações ocorreram entre os dias 6 e 8 de julho, o que levou Moïse a retroceder em sua decisão e congelar o reajuste.
Atos também ocorreram em outubro e novembro de 2018 e continuaram acontecendo ao longo dos últimos cinco meses. Além da renúncia do presidente, os manifestantes pedem maior transparência do governo quanto aos casos de corrupção já conhecidos na Petrocaribe, além de saídas emergenciais para a crise econômica do país.
Para Rivara, a crise que atravessa a nação caribenha atualmente é profunda, e representa “o colapso simultâneo de suas estruturas econômicas, o completo desprestígio de seu sistema político-eleitoral, a incapacidade do Estado para exercer sua soberania sobre o território e a completa ausência de perspectivas econômicas para mais de 80% da população”.
O Haiti é o país mais pobre das Américas, com cerca de 80% de sua população vivendo na pobreza, e tenta se reerguer após o catastrófico terremoto de magnitude 7, que ocorreu em 2010, e da passagem do furacão Matthew, em 2016.
Edição: Luiza Mançano