A divulgação de um vídeo que mostra um dos investigados do caso Ayotzinapa passando por sessões de tortura reacendeu, neste final de semana, as discussões em torno da versão oficial oferecida pelo governo do México sobre o desaparecimento de 43 estudantes em 2014.
As cenas, que mostram um homem identificado como Carlos Canto Salgado sendo torturado por policiais, foram publicadas no youtube em 7 de junho, mas só repercutiram na imprensa local neste final de semana. A autenticidade do documento foi confirmada à BBC Mundo pelo subsecretário de Direitos Humanos da Secretaria do Governo do México, Alejandro Encinas.
Nas imagens, Canto aparece com os olhos cobertos e com as mãos atadas enquanto é interrogado por homens identificados por diversas organizações como investigadores federais. Após Canto afirmar que não sabe responder uma das perguntas feitas pelas autoridades, um dos agentes o asfixia com um saco plástico.
Entre as pessoas identificadas na sessão de Tortura está Carlos Gómez Arrieta, que até a manhã de ontem era subsecretário da Segurança Pública no estado de Michoacán. O funcionário renunciou ao cargo após a divulgação do vídeo.
Em 2015, as autoridades ligadas ao então presidente Enrique Peña Nieto, divulgaram a versão de que os estudantes foram assassinados e tiveram os corpos incinerados no município de Cocula. Na ocasião, segundo a extinta Procuradoria Geral da República (PGR), então liderada por Jesús Murillo Karam, os responsáveis seriam membros do cartel Guerreiros Unidos.
Confissões obtidas sob tortura
A versão sempre foi contestada por organizações de direitos humanos e pelos familiares dos estudantes, que afirmam que houve participação de policiais e do Exército do México no caso.
Em 2018, um informe da ONU sobre o caso afirma ter encontrado “um padrão consistente de violações de direitos humanos e um modus operandi praticamente uniforme” sobre a maneira em que pessoas foram “detidas arbitrariamente e torturadas para que informações ou confissões fossem extraídas”.
A organização também afirmou que ao menos 34 pessoas foram torturadas durante as investigações do caso, reforçando a tese de que os depoimentos colhidos foram obtidos sob tortura, eximindo a possibilidade de que militares fossem implicados.
Por meio de um porta-voz, os familiares dos estudantes também afirmaram que o vídeo evidencia a ocorrência de falhas na investigação e que a chamada “verdade histórica”, defendida pelo procurador da época, não possui fundamento.
O presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos do México, Luiz Raúl Gonzáles Pérez, assegurou nesta segunda-feira (24) que irá abrir uma denúncia penal contra os ex-funcionários da PGR após a divulgação do vídeo.
Além da ONU, Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Anistia Internacional e outras organizações contestam a versão oficial do governo mexicano.
Caso Ayotzinapa
Na noite do dia 26 de setembro de 2014, cerca de 100 estudantes da Escola Normal Rural Isidro Burgos, no município de Ayotzinapa, no Estado de Guerrero, foram atacados quando viajavam a bordo de cinco ônibus para a Cidade do México para participar de uma marcha anual em memória do massacre ocorrido em 1968 em Tlateloco, que também vitimou estudantes.
Logo no início da viagem de três dos cinco veículos — onde estavam cerca de 60 estudantes —, policiais estaduais, municipais e civis armados passaram a atirar, aparentemente sem explicação, contra os ônibus. Um quarto ônibus, que viajava separado, também foi atacado por agentes da polícia federal e municipal. Nele estavam 20 jovens — todos desapareceram.
Alguns dos estudantes que estavam nos três primeiros ônibus e sobreviveram organizaram uma coletiva de imprensa de última hora para denunciar o ocorrido. Esta também foi atacada, porém por um grupo de homens “trajando roupas escuras”.
O saldo foi de seis mortos, três dos quais estudantes, e 20 feridos.
Apesar das provas de investigações independentes, Enrique Peña Nieto segue negando o envolvimento do Exército, da Polícia Federal e do Cisen (Centro de Investigação e Segurança Nacional) no massacre.
Em dezembro de 2018, o novo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, anunciou seu primeiro decreto: a criação de uma comissão especial para investigar a fundo o caso. Até o momento não houve grandes avanços.
* Com Nodal e BBC
Edição: João Paulo Soares