Alguém do governo do Equador deve ter tido pesadelos na noite da última quinta-feira (20). Certamente não pode dormir e, se conseguiu, ao acordar e se olhar no espelho, viu o futuro indo e voltando dos julgamentos para justificar uma prisão ilegal, injusta, que viola todos os processos legais e os direitos humanos, que disseram que seria respeitado acima de qualquer outra coisa.
Já nem sequer é incômodo pedir coerência entre aquilo que se diz e o que faz. A soma dos “desacertos” na administração de seu cargo (com mais de vinte mortes como o mais execrável) lhe obrigam a escolher uma entre duas saídas: renunciar para evitar uma catástrofe na sua trajetória política ou manter-se no cargo como fez seu chefe, com consequências muito maiores.
Não tem nem sequer um aliado político e, menos ainda, juristas decentes profissionalmente que tenham justificado a prisão do cidadão sueco Ola Bini. Nenhum dos argumentos apresentados pela funcionária do governo [María Paula Romo, ministra de Interior do Equador] no dia 11 de abril foi provado. A Procuradoria (com todo o desprestígio alcançado pelo seu atual titular) não soube explicar as supostas provas contra o desenvolvedor de software preso durante 71 dias.
Sendo um caso aparentemente isolado e casual, só confirma o que já denunciavam alguns setores, cada vez mais céticos em relação ao atual regime e sua retórica de respeito às instituições e aos direitos das pessoas. Ainda que a liberdade de Ola Bini fosse um imperativo legal, também é verdade que provou o quanto pesa na gestão do governo o susto, o medo e o espanto por uma suposta ameaça à sua “integridade”. Com um feito desta natureza, essa funcionária, em outro governo -- o da década passada -- já teria sido desligada, linchada e submetida ao escárnio midiático e político por parte da direita e de defensores dos direitos humanos. Hoje isso não acontece porque existe tanto o medo quanto a também chantagem e o suborno político.
Se o crime histórico de tirar o asilo de Julian Assange já tinha sido suficiente em menos de seis meses, com a libertação de Ola Bini, para este governo e sua funcionária não restam muitas esperanças de contar em seus CV uma folha limpa, muito menos de viajar pelo mundo como dignos defensores dos direitos humanos. Na frente da polícia e dos agentes de segurança, a funcionária mencionada demonstrou que como advogada é uma excelente xerife.
No fundo, está mais claro do que nunca que a vingança e o ódio não são ferramentas de políticos brilhantes como queriam assumir aqueles que se perguntaram, alguns anos atrás, quem tinha ferrado o país. Se continuarem no desejo destrutivo e macabro de enterrar o correísmo, a funcionária e seus parceiros acabarão manchados de sangue e com muitos processos contra eles. Ela e seus assessores teriam esquecido que o mundo é redondo e dá voltas?
Enquanto isso, Ola Bini demonstrou sua dignidade humana de forma absoluta: não vai embora do país, assume sua liberdade de defesa e acaba sendo uma vítima que, apenas com sua presença, acompanhará os pesadelos daqueles que quiseram submetê-lo ao ostracismo.
*Orlando Pérez é jornalista, escritor e apresentador do programa En clave política da teleSUR do Equador.
Edição: Ruta Krítica | Versão para o português: Luiza Mançano