A eleição de Andrés Manuel López Obrador, do Movimento de Regeneração Nacional (Morena), à presidência do México completou um ano em meio a embates relacionados à política de seu governo nos últimos sete meses e uma medição de forças nas ruas -- com um protesto da direita no último domingo e um massivo ato público convocado pelo mandatário nessa segunda (01).
As manifestações organizadas pela direita foram realizadas em 18 cidades do país e convocadas por meio das redes sociais. Entre as pautas apresentadas pelos manifestantes de oposição ao governo estavam o crescimento da violência no país, o rechaço à concessão de vistos para imigrantes centro-americanos e à criação de uma Guarda Nacional com orientação civil e respeito aos direitos humanos, uma promessa de campanha do presidente e aprovada pela Câmara do país em fevereiro deste ano.
Consultado pelo Brasil de Fato, o jornalista Luis Hernandéz Navarro, do diário mexicano La Jornada, comentou a mobilização do domingo (30), que considera ter sido frágil se comparada ao apoio popular ao presidente desde a sua eleição há um ano.
Segundo Navarro, a maior manifestação aconteceu em León, no estado de Guanajuato, e reuniu 2,5 mil pessoas. "León é uma das cidades mais conservadoras do México. Esta mobilização, longe de demonstrar a força da oposição da direita, anunciou sua fragilidade. Mas não devem ser desqualificados, já que são parte de um exercício da direita para construir uma força social de oposição. Os partidos da direita saíram derrotados das eleições de um ano atrás”, afirma
O jornalista também explica que atualmente a direita, enquanto oposição, tem como principal articulador um meio de comunicação, o jornal nacional Reforma, apoiado por um grupo de empresários bilionários: “O jornal fez da crítica a López Obrador o centro de suas atividades e vinha articulando uma corrente de opinião consistente para isso. Esse é o verdadeiro partido de oposição hoje”.
Entre os articuladores dos protestos do último domingo estava o ex-presidente mexicano Vicente Fox (2000-2006), do Partido Ação Nacional (PAN) que participou da manifestação em León sob vaias e críticas de manifestantes que tentaram expulsá-lo do local.
Apoio popular
Após tomar posse em 1° de dezembro de 2018, López Obrador promoveu mudanças importantes já no seu primeiro semestre de governo, mas herda um México com profundos conflitos sociais resultantes de décadas de políticas neoliberais comandadas pelos dois principais partidos da direita mexicana -- o Partido Revolucionário Institucional (PRI) e o Partido da Ação Nacional (PAN) --, que governaram nos últimos setenta anos.
Em seu discurso realizado na principal praça da Cidade do México, o Zócalo, nessa segunda-feira (1º), em um ato público para prestação de contas do seu primeiro semestre de mandato, o presidente reafirmou seu compromisso com os eixos da chamada “quarta transformação”, isto é, com mudanças estruturais profundas no campo social, e comentou as manifestações do domingo.
Diante de milhares de apoiadores de seu governo, López Obrador afirmou que “a insatisfação se reduz às elites”.
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O presidente falou por quase uma hora e meia para cerca de 25 mil pessoas, que ovacionaram seu discurso, sobretudo os pontos relacionados ao combate à corrupção no alto escalão político e o aumento do salário mínimo.
Houve destaque para a Lei de Austeridade, criada para extinguir as pensões especiais para ex-presidentes do país e estabelecer um intervalo mínimo para que funcionários públicos assumam cargos em empresas ou consórcios privados, como forma de evitar troca de favores entre os poderes públicos e a iniciativa privada.
A Lei de Austeridade foi aprovada nesta terça-feira (2) pela manhã no Senado mexicano. Na ocasião, a senadora Lucía Meza, também do Morena, afirmou que a norma se trata de uma uma importante vitória para acabar com “os abusos, os excessos, o nepotismo, o amiguismo, o apadrinhamento que ficaram sepultados no velho regime”. Segundo ela, com a implementação das regras, o país economizará 50 bilhões de pesos mexicanos (US$ 2,6 bilhões) que serão destinados “aos mais pobres”.
Neoliberalismo: entre a ruptura e a continuidade
O jornalista Luis Navarro reconhece que a luta contra a corrupção na esfera política é uma das mais importantes ações do governo de López Obrador para mudar o sistema político mexicano já no início do mandato. No entanto, ele considera que no campo das transformações econômicas, o atual mandatário enfrenta muitos desafios e que apesar de ter decretado o fim do neoliberalismo no país, o enfrentamento tem sido mais difícil na prática.
Segundo ele, tanto o discurso desse 1º de julho quanto as ações de López Obrador ao longo do primeiro semestre têm sido uma composição com “jogos de luz e sombra”.
Por um lado, Obrador busca construir um Estado centralizado e recuperar a soberania, sobretudo em áreas estratégicas, como a energia, afirmando que não permitirá o uso de técnicas como o fracking, por exemplo. Por outro, o governo tem fortalecido o livre-comércio e investido na construção de megaprojetos, como a construção da refinaria Dos Bocas, no estado Tabasco, que tem despertado críticas à direita, mas sobretudo à esquerda pelos impactos para as comunidades locais camponesas e indígenas.
“O López Obrador declarou que o neoliberalismo chegou ao fim no México. No entanto, sua política têm elementos que são modulares do projeto neoliberal. Ele celebrou a vitória do livre-comércio sobre as pressões estadunidenses de colocar tarifas de importação, empreendeu uma redução draconiana do gasto público, manteve o equilíbrio macroeconômico recomendado pelos organismos multilaterais, a autonomia do banco central. O que há é um projeto que busca recuperar para o país a soberania energética, um projeto que está em disputa, que outorga direitos aos grupos de cidadãos menos favorecidos, mas que não se contrapõe ao neoliberalismo”, argumenta.
Crise migratória e EUA
O presidente mexicano chega ao final de seu primeiro semestre – em um mandato de seis anos – com uma aprovação maior do que os votos que o elegeram. Pesquisa de opinião divulgada pelo jornal El Financiero demonstra que o presidente eleito com 52% dos votos contava, ao final de junho, com o apoio de 66% da população.
Apesar do alto índice de aprovação interna, um dos temas mais conflituosos dos últimos seis meses está relacionado à política internacional e trata-se da crescente caravana migrante, devido à crise nos países centro-americanos, que têm como destino final os Estados Unidos e o México como um lugar de passagem.
Em janeiro deste ano, o governo anunciou que concederia mais de 8 mil vistos humanitários para imigrantes centro-americanos e sua política – comemorada por setores progressistas – se tornou um dos focos da direita mexicana na manifestação do último domingo e aumentou a pressão de Donald Trump ao país vizinho.
“Quando assumiu, López Obrador anunciou que sua política exterior ia ser sua política interior. Que não havia melhor política. No entanto, a crise migratória dos migrantes centro-americanos e a chantagem de Trump de impor taxas de 5% às importações mexicanas contornou esta equação e colocou a política exterior como centro da política interna nas últimas semanas”, analisa Luis Navarro.
O discurso de López Obrador em relação à crise migratória tem sido o de buscar alternativas à repressão. Entre elas, o tratamento humanizado aos migrantes, por considerar que a caravana está relacionada a conflitos sociais e políticos da América Central que exigem ajuda e articulação internacional e respeito aos direitos humanos.
No entanto, após o presidente estadunidense ameaçar, em março, fechar as fronteiras entre os dois países e dificultar as relações comerciais, o governo mexicano aumentou a repressão e o número de deportações, que chegaram a 15 mil só no mês de abril, segundo o The New York Times. Para o jornalista mexicano, este é um dos maiores golpes políticos que o governo de López Obrador sofreu no período.
“A ação da política migratória mexicana está sendo definida essencialmente em Washington. O muro que Trump anunciou que construiria para barrar esses imigrantes foi levantado no México com policiais e soldados mexicanos. A polícia migratória se converteu em uma empresa sub-rogada e a fronteira estadunidense foi transferida para o rio Suchiate [entre o México e a Guatemala] para impedir a passagem desses imigrantes. Foi um golpe à soberania que não querem que seja reconhecido como tal”, assevera Navarro.
Edição: Rodrigo Chagas