Há 55 anos surgiam na Colômbia, as duas maiores guerrilhas da história do país.
Após um período de guerra entre as bases sociais dos partidos Liberal e Conservador -- desencadeada pelo assassinato do presidenciável liberal Jorge Eliécer Gaitán e que deixou cerca de 180 mil mortos --, a resistência organizada de camponeses ligados aos liberais dá origem, em 1964, às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e ao Exército de Libertação Nacional (ELN).
Passado mais de meio século de conflito armado, em 2016, as Farc firmaram um acordo de paz com o governo colombiano, deixaram as armas e se tornaram o partido político Força Alternativa Revolucionária do Comum, de mesma sigla.
Com o fato, o ELN passou a ser a maior guerrilha em atividade no país, com 2,3 mil membros -- ainda que seja um número aproximado e não uma estimativa do próprio agrupamento armado.
No ano seguinte, em Quito, capital do Equador, os "elenos" -- como são chamados os membros do ELN -- sentavam-se para negociar a paz com o governo de Juan Manuel Santos (2010-2018), após o consentimento das duas partes em libertar reféns e prisioneiros de guerra. Um cessar-fogo bilateral foi acordado até o final de 2018, mas, a partir de janeiro daquele ano, as negociações ocorreram em meio a ataques de ambos os lados.
Por conta da troca na presidência do Equador -- que atualmente está sob o comando de Lenín Moreno, um político avesso ao tom mediador de conflitos e progressista como o era seu antecessor, Rafael Correa --, os diálogos foram transferidos para Havana, em Cuba.
Quando Santos transmitiu a presidência da Colômbia ao político de extrema direita Iván Duque, em agosto de 2018, seis rodadas de diálogos haviam sido realizadas. Desde então, não houve novos encontros.
Neste 4 de julho, quando a guerrilha completa 55 anos de atuação, integrantes do ELN seguem em Havana exigindo do governo colombiano a retomada das negociações. Desde que Duque assumiu, as hostilidades da guerra cresceram e, em janeiro deste ano, o presidente dissolveu a mesa e declarou fugitivos os dez membros da equipe de negociação da guerrilha, além de pressionar para que Cuba entregue os negociadores que esperam em Havana o retorno dos diálogos.
A decisão foi tomada um dia após uma ofensiva da guerrilha contra uma academia de polícia de Bogotá, que resultou em 22 cadetes mortos. O ataque foi assumido pelo ELN, que divulgou nota afirmando ter se tratado de uma resposta aos ataques das forças oficiais durante o cessar-fogo das festas de fim de ano.
"Não perdemos a paciência e esperamos que nomeie sua delegação. Que ele entenda que o futuro da Colômbia não é a guerra, que o que faz a Colômbia ser uma nação viável é a paz. Então, que ele se coloque à altura desse desafio, estamos esperando", afirmou o guerrilheiro Pablo Beltrán, em entrevista com a delegação do ELN em Havana que o Brasil de Fato começa a publicar hoje, em parceria com outros meios latino-americanos.
A guerrilheira Silvana Guerrero relatou que a delegação está "presa em Cuba, sem a possibilidade de voltar à Colômbia, como está estipulado no protocolo de ruptura do diálogo". Outra integrante da equipe de diálogos do ELN, Consuelo Tapias destacou que o apoio da comunidade internacional -- de entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU) e dos países garantidores Cuba e Venezuela -- permanece.
"A comunidade internacional fez um chamado, primeiro, para que o processo de implementação [do acordo] com as FARC seja respeitado, e para que se dê continuidade no diálogo conosco. Confiamos que o governo colombiano vai escutar o chamado da maioria das vozes para que o processo de diálogo continue", completou Tapias.
Confira na íntegra a entrevista feita pelo Brasil de Fato, em parceria com os portais Colombia Informa, Peoples Dispatch, Resumen Latinoamericano e Ecuador Today:
:: Especial | Na imensidão da guerrilha: um encontro com o ELN ::
Conheça um pouco da história do Exército de Libertação Nacional
Formado em 1964 em uma aliança entre setores estudantis e camponeses, sob inspiração da Revolução Cubana e da Teologia da Libertação, o Exército de Libertação Nacional atravessa mais de cinco décadas de luta social armada.
Atualmente, a guerrilha está presente em 16 dos 32 estados colombianos, entre eles, Santander -- onde surgiu -- e no Chocó, no pacífico, a região mais empobrecida do país, com uma população majoritariamente formada por comunidades negras e indígenas.
A fundação da guerrilha tem como marco a realização da Primeira Marcha Guerrilheira, iniciada em 4 de julho de 1964. Por quatro dias e quatro noites, seus primeiros integrantes marcharam até o local de treinamento escolhido pela guerrilha na colina dos Andes, na região de Santander.
Lá, o ELN iniciaria sua formação política, militar e ideológica, constituindo as bases da organização que originariam seu manifesto e programa, divulgados em 1965. No local também iniciaram o trabalho cotidiano junto às comunidades camponesas, um dos princípios da guerrilha.
Entre os acontecimentos importantes dos anos iniciais do ELN está o ingresso do padre Camilo Torres Restrepo na guerrilha, também em 1965. Em fevereiro de 1966, o religioso que trouxe a Teologia da Libertação ao país morreu durante um combate e, nos anos posteriores. Camilo entrou para a história como uma das referências para a formação das comunidades eclesiais de base na América Latina, entre as décadas de 70 e 80. Três anos depois de sua morte, outros três sacerdotes, os espanhóis Manuel Pérez, Domingo Laĩn e José Antonio Jiménez Comín, chegaram à guerrilha.
Em sua primeira década de formação, a guerrilha concentrou-se em expandir-se nos territórios. A primeira ação com grande repercussão pública ocorreu em 1967, com o sequestro de um avião da companhia nacional Avianca.
A primeira Assembleia Nacional, realizada em 1974, marcou um processo de reorganização do ELN, com criação de redes urbanas e ampliação da influência no debate público. Um ano antes, 1973, o Exército colombiano havia realizado aquela que é considerada a maior operação militar da história do país, a Operação Anorí, atacando com três mil soldados um grupo de cem guerrilheiros da organização.
Nas décadas posteriores, o ELN organizou importantes campanhas em defesa da soberania nacional, uma delas intitulada “Desperta Colômbia, estão roubando nosso petróleo”, organizada junto com outros grupos guerrilheiros, em 1987.
No contexto de intensa militarização do Estado, da guerra às drogas financiada pelos EUA e chegada do neoliberalismo, a partir de 1990, a guerrilha realizou diversas ações, entre elas, uma greve armada e boicote eleitoral em 1997. Também investiu na reorganização dos movimentos populares no país e em alianças internacionais.
Edição: Vivian Fernandes