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“Toffoli acertou ao suspender investigações que usam dados do Coaf”, diz jurista

Segundo Pedro Martinez, caso Flávio Bolsonaro pode avançar sem vazamento de informações sigilosas ao MP

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
“O sigilo de dados é constitucionalmente protegido. Existe um caminho normativo, processual, que as autoridades devem percorrer"
“O sigilo de dados é constitucionalmente protegido. Existe um caminho normativo, processual, que as autoridades devem percorrer" - Marcelo Camargo/Ag. Brasil

Nesta segunda-feira (15), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, acatou um pedido da defesa do senador e filho do presidente, Flávio Bolsonaro, determinando a suspensão de todos os processos judiciais em que dados bancários tenham sido compartilhados por órgãos de controle, como o  Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), durante investigações criminais sem autorização prévia do Poder Judiciário.

A decisão pode ter muitas ramificações, até na investigação do assassinato de Marielle Franco, mas, segundo Pedro Martinez, advogado criminalista, especialista em Direito Penal, foi acertada.

Segundo ele, o Código de Processo Civil, em seu art. 1.035, §5º, permite a suspensão de todos os procedimentos em tramitação no território nacional que ameacem a personalidade e privacidade e não tenham sido obtidos com autorização. Como a suspensão não é automática, requere-se uma decisão de um órgão superior.

“O sigilo de dados é constitucionalmente protegido. Existe um caminho normativo, processual, que as autoridades devem percorrer para que seja autorizada a quebra deste sigilo. Esse caminho passa pelo controle judicial”, explica Martinez.

Isso quer dizer que o Coaf não pode ter acesso, e muito menos repassar ao Ministério Público, todo e qualquer tipo de informação a respeito de movimentações financeiras realizadas por um indivíduo.

“Permitir o acesso irrestrito e compartilhamento direto de dados entre órgãos administrativos de fiscalização e controle e autoridades como o Ministério Público seria criar uma rede constante de vigilância que afronta a Constituição Federal e os direitos dos cidadãos brasileiros”, analisa o advogado.

O repasse de informações sigilosas obtidas sem autorização judicial, nesse sentido, são ilegais e geram nulidades processuais, ou seja, invalidam o resultado final da ação. Muitos dos defensores desse repasse, como aconteceu na Lava Jato, alegam que isso é necessário para “vencer o sistema e as burocracias”. 

Mas para Martinez isso gera um clima de persecução criminal a todo custo, mesmo usando de ilegalidades. E cita as revelações da Vaza Jato como mostra dos perigos dessa promiscuidade entre poderes.

Segundo ele, o órgão teria condições de construir estes processos de outras formas, com autorizações judiciais diante de elementos de provas legalmente obtidos.

“Essa inobservância das regras permite facilmente que sejam escolhidos os alvos do processo. Escolhem alguém e então começam a investigar para que algum fato criminoso seja encontrado, quando deveria ocorrer o contrário: com o conhecimento de fatos suspeitos ou criminosos inicia-se a investigação em relação a alguém. Por isso a necessidade do controle judicial, a quebra do sigilo de dados, ou seja, a relativização de direitos individuais, deve ocorrer diante de indícios consistentes de conduta criminosa”, finaliza.

Caso Flávio Bolsonaro

A decisão de Toffoli pode beneficiar o filho do presidente da República em uma investigação no Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), em que ele é acusado de desvio de dinheiro em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Flávio Bolsonaro nega envolvimento no caso, que se baseia em relatórios do Conselho de Administração de Atividades Financeiras (Coaf).

A defesa de Flávio alega que a investigação conduzida pelo MPRJ é irregular porque o repasse de dados do Coaf ao MPRJ não teria sido intermediado pela Justiça.

Os relatórios do Coaf que embasam a investigação contra Flávio Bolsonaro apontam hora e data de cada depósito de R$ 2.000,00, feitos entre junho e julho de 2017. Foram, no total, 48 depósitos, somando R$ 96 mil.

Em relação ao ex-assessor dele, Fabrício Queiroz, o órgão federal também detalhou hora e data de saques e depósitos feitos em 2016 – foi com base nesse relatório que se originou a investigação contra o filho do presidente.


 

Edição: Daniel Giovanaz