Ao entrar no parque Rio Branco, localizado no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza, já escutamos de longe um piar que parece de passarinho. Poderia ser, já que o Parque é como um oásis acolhedor no meio da cidade, suas buzinas e asfalto, mas na verdade é uma revoada diferente que se reúne bem ali no meio do parque: a Pifarada Urbana. São pessoas de diversas idades que se reúnem no domingo pela manhã para tocar pífano, percussão, cantar, estudar e celebrar a cultura popular. O astro principal dos domingos é o pífano. O instrumento conhecido como pífano ou pife é um tipo de flauta transversal com sete furos, é feito tradicionalmente em madeira, mas pode ser também de PVC, acrílico e outros materiais.
Sua origem não é completamente conhecida, mas sabe-se que seu nascimento no Brasil tem ligação com o cruzamento das culturas indígena, europeia e africana. Independente de como nasceu, o pífano criou raízes sólidas no Nordeste brasileiro, sendo uma tradição principalmente do meio rural. No Ceará o pífano pode ser considerado também um forte elemento de identidade como povo sertanejo, religioso e brincante.
Pensando nessa identidade, e sentindo falta de um grupo de estudos sobre pífano em Fortaleza, surge a Pifadara Urbana em novembro de 2018, logo após o período eleitoral, na intenção de reunir pessoas interessadas em estudar pífano, mas que também fosse um grupo de acolhimento e resistência diante dos retrocessos pelos quais o país passa.
“Nasceu com essa coisa bem cultural, com essa assinatura enquanto ativistas culturais, mas também ativistas políticos. Surgiu também por conta da conjuntura política, todo mundo querendo se abrigar de alguma forma, querendo conversar sobre a situação que estava acontecendo no país, os cortes, os desmontes na cultura”, explica o músico Vanildo Franco, 37, fundador do Pifarada Urbana juntamente com Guilherme Cunha.
Os encontros da Pifarada Urbana acontecem de forma gratuita todos os domingos, das 9h às 12h, na parte central do parque Rio Branco, e se tornaram também uma forma de defender o parque e sua utilização como espaço público. Logo no segundo encontro da Pifarada Urbana eles conheceram o Proparque, um movimento de resistência da comunidade para garantir que o parque Rio Branco permaneça como espaço público e, com a força da ocupação popular, enfrentando a especulação imobiliária.
“A gente acabou abraçando todas as causas do parque e estamos contribuindo, junto com o movimento Proparque, nessa manutenção e movimentação do parque Rio Branco. Em todas as nossas apresentações falamos das questões políticas do parque, porque esse grupo também é um grupo de resistência”, explica o músico Guilherme Cunha, 45, fundador da Pifarada Urbana.
Uma revoada de tocadoras de pífano
Além dos encontros semanais, o grupo também faz apresentações, oficinas em comunidades e parcerias com pequenos grupos e associações que queiram aprender ou aprimorar o estudo do pífano. Os encontros aos domingos contam com uma média de 30 pessoas com idades entre 7 e 62 anos, mas vale destacar que a maioria do grupo é formado por mulheres.
A professora de dança Mel Rayzel, 32, moradora do bairro Joaquim Távora, faz parte dessa revoada. Ela soube do grupo através de uma rede social e resolveu ir conhecer de perto. “Fazia muito tempo que eu queria tocar um instrumento e eu sempre tive encanto por instrumento de sopro. Achei muito interessante por ser um grupo sem fins lucrativos, é todo mundo se ajudando, e também o fato de ter muitas mulheres no grupo.”, conta.
Além de participantes do próprio Joaquim Távora, o grupo conta com pessoas de bairros como Barra do Ceará, Meireles, Água Fria, Benfica, e Bom Jardim. Do Bom Jardim vem o Edson Oliveira, 57, juntamente com as duas filhas Mariana Freitas, 24, e Izaura Oliveira, 21. Quem primeiro começou a participar do grupo foi a estudante Mariana que conheceu o grupo pelas redes sociais e participou de um encontro no parque que contou com a presença dos Irmãos Aniceto, reconhecida banda cabaçal do Crato (CE).
Depois desse encontro foi só amor pelo pífano. E amor que é amor se compartilha, foi o que fez Mariana ao chamar a família para se juntar ao grupo. Atenderam ao chamado o pai e uma das irmãs. “Eu gosto muito das raízes culturais, mas na verdade eu vim acompanhando minhas filhas, elas me convidaram. Pra mim não é dificuldade vir do Bom jardim, ao contrário, é prazeroso, às vezes a gente já vem até tocando no ônibus. O pífano aproximou mais a gente”, conta o educador popular e cordelista Edson Oliveira.
Para participar da Pifarada Urbana não é preciso ter o instrumento, pois além das aulas para aprender a tocar, o grupo realiza também oficinas de construção de pífano. Os encontros são abertos e gratuitos.
Pifarada Urbana
Encontros aos domingos das 9h às 12h no Parque Rio Branco (Av. Pontes Vieira, s/n), bairro Joaquim Távora.
Para participar: entrar em contato através das redes sociais do grupo ou ir presencialmente a um encontro.
Edição: Monyse Ravena