Cerca de 150 organizações dos cinco continentes estão reunidas até este domingo (28) em Caracas (Venezuela) para compartilhar análises e discutir horizontes de atuação da esquerda no mundo. Entre um espaço e outro se elencam os principais enfrentamentos que a esquerda enfrenta hoje em cada região. O desafio é encontrar saída para, à distância, trabalhar pelo fortalecimento comum.
Na América Latina, além da ascensão de governos de uma ideologia conservadora, as ameaças e agressões contra a Venezuela, apoiadas por países vizinhos, como o Brasil e a Colômbia, é outro assunto latente.
“O fato de o Foro ser realizado aqui em Caracas é uma demonstração clara de apoio ao governo Maduro, à Revolução Bolivariana e ao legado de Hugo Chávez. Estamos dizendo ao imperialismo que a Venezuela não está sozinha. Não vamos permitir uma intervenção e vamos até as últimas consequências. Se eles se atrevem a uma aventura militar na Venezuela devem estar seguros de que todos os povos democráticos e revolucionários do continente defenderão a Revolução”, afirma o líder do partido colombiano Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC), Ilich Rojas.
Guerras silenciosas
Apesar da assinatura do Acordo de Paz entre o governo colombiano de Juan Manuel Santos (2010 – 2018) e a antiga guerrilha FARC há três anos, o conflito armado mais antigo do continente nunca cessou. Tanto o Exército de Liberação Nacional (ELN), como o Exército Popular de Liberação (EPL) não deixaram as armas, assim como o aparato repressivo do Estado, o narcotráfico e as forças paramilitares nunca deixaram de gerar vítimas.
Entre janeiro de 2016 e julho de 2019 foram assassinados 734 líderes sociais, segundo o Instituto de Desenvolvimento da Paz (INDEPAZ), sendo 137 ex-guerrilheiros – e a maior parte dos crimes segue sem resposta.
Para o líder do partido FARC, Ilich Rojas, o motivo principal é a volta de governos do partido Centro Democrático. “O conflito na Colômbia se mantém porque as causas do conflito seguem latentes. Eles querem que o conflito siga porque a guerra é funcional aos seus interesses, eles se converteram em multimilionários a partir do conflito. Com o roubo de terras dos camponeses, o sangue e fogo, com ajuda dos grupos paramilitares, tornaram-se grandes latifundiários”, afirma.
Iván Duque, presidente colombiano, além de aumentar a militarização do país para controlar o avanço de setores da esquerda, também utiliza o aparato militar para organizar uma ofensiva contra o governo de Nicolás Maduro.
Para o presidente do Movimento Continental Bolivariano, Narciso Isa Conde o avanço de governos de extrema direita no continente é uma tática das grandes potências econômicas mundiais para derrotar experiências progressistas. “O imperialismo evidentemente ataca tudo que represente a autodeterminação, tudo que implica o fim do seu controle em algum lugar. Estamos numa espécie de quarta onda progressista, que tem recebido uma contra ofensiva muito forte dos Estados Unidos”, analisa.
Se a ameaça de agressão armada é recente na América Latina, em outras latitudes a ofensiva é constante. “No Oriente Médio nos mandaram há 11 anos uma Primavera Árabe que nos custou até agora cerca de cinco milhões de mortos. Esses são exemplos para América Latina e o mundo de que esse inimigo não tem outra linguagem senão a força”, garante o membro da Frente de Liberação da Palestina, Abel Aboer.
O movimento noticiado como uma insurgência popular pelos grandes meios de comunicação, na verdade, culminou em cinco anos de guerra na Líbia, com 24 mil mortos, 4 mil desaparecidos e uma economia totalmente debilitada, sem um governo unificado nacionalmente e subordinado à Organização do Atlântico Norte (OTAN) – braço militar das maiores potências econômicas do mundo.
Além de oito anos de guerra na Síria, que ainda sofre com a ocupação do seu território por grupos armados, com 4,9 milhões de sírios em situação de refúgio em outros países e outros 6,3 milhões refugiados internos, segundo a Agência de Refugiados da ONU (ACNUR).
“Paradoxalmente o Estado mais terrorista da atualidade é o que mais se esconde atrás da luta contra o terrorismo”, afirma Isa Conde.
Além disso, a Palestina, que há mais de 70 anos sofre com a perda do seu território, bloqueio econômico, restrição de direitos civis e violência promovida por Israel, possui um terço de toda a população refugiada no mundo e 57% da população que ainda habita território palestino sofre com insegurança alimentar.
“Colocam químicos na água que temos acesso para gerar infertilidade nas mulheres palestinas. Queimam nossas plantações, dificultam a vida do palestino na sua própria terra para obrigá-lo a viver refugiado. Mas nós preferimos comer terra na nossa pátria do que escolher o caminho do refúgio. Essa pátria é nossa e a defenderemos com tudo”, relata Isak Khury, quem também é membro da Frente pela Liberação da Palestina.
O método de assédio mais recente são demolições forçadas de casas de palestinos. Em Jerusalém e na Cisjordânia, centenas de pessoas são expulsas das suas casas, que logo são derrubadas pelo exército de Israel. No lugar, o governo do primeiro ministro Benjamin Netanyahu pretende construir assentamentos israelenses.
“Essas ações mostram a natureza fascista de Israel; acreditam que são os donos do mundo. Eles podem demolir nossas casas, mas não podem demolir nossa vontade de seguir lutando e de construir não só novas casas, mas reconstruir nossa Pátria”, garante Khury.
Guerra judicial
Outra tática de derrubada de governos progressistas no mundo, aplicada em distintos continentes, é o uso da justiça como meio de perseguição política, a chamada lawfare.
“O período do Apartheid foi um dos mais corruptos da história da África do Sul. A luta contra a corrupção é muito seletiva. O julgamento do ex-presidente Jacob Zuma [CNA] é o mais longo da história do país, já dura 16 anos. Custou milhões ao governo e ele também gastou milhões para defender-se. No entanto, o processo segue sem ter nenhuma condenação”, conta o militante do Congresso Nacional Africano, Thinta Cibane.
A concentração da riqueza é alta na África do Sul. Apenas 10% da população, de maioria branca, controla 85% da economia. Enquanto os 10% mais pobres, geralmente jovens negros, movimentam 5% da economia.
“A realidade é que eles conseguem continuar com essa política porque têm muito mais poder econômico. Eles são donos dos meios de produção e dos meios de comunicação. A solução é redistribuir o poder no nosso país para permitir igualdade de condições até mesmo quando falamos dos nossos problemas”, defende Cibane.
BRICS: uma alternativa econômica
Pensando na redistribuição do poder econômico e na construção de um mundo multipolar, as chamadas “potências emergentes” fundaram, em 2006, os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) como um bloco de cooperação econômica. Além de criar um banco, o grupo buscava priorizar o intercâmbio comercial mútuo, com uso das moedas nacionais para fomentar o crescimento dessas nações.
Atualmente, a presidência do BRICS está nas mãos do governo brasileiro, que mais de uma vez, demonstrou interesse em fragilizar a iniciativa, prometendo uma “revolução na política externa brasileira”.
Para o militante do Congresso Nacional Africano, a situação é preocupante. “Os BRICS foram criados como instituição capaz de nos afastar do ocidente, do Fundo Monetário Internacional, que nos impõe ajustes e que quer continuar ditando o ritmo da economia dos nossos países. Os BRICS era a via para nos liberarmos. Nós estamos preocupados com a mudança de regime no Brasil, porque isso nos afasta do que estávamos tentando construir. E é isso que o ocidente tenta fazer em cada um dos nossos países, afastar-nos da integração, usando distintos instrumentos”, afirma.
A análise do enfraquecimento do bloco é compartilhada pela delegação chinesa no Foro de São Paulo. Segundo, Wang Yuli, representante de política internacional do Partido Comunista Chinês (PCCh), a administração de Xi Jinping continuará trabalhando para fortalecer iniciativas regionais.
“O sonho chinês é que a civilização chinesa e mundial que se compreendam e coexistam, desenvolvam suas nações de uma forma pacífica e cooperem sob o princípio ganhar – ganhar. Esse também é um sonho dos ideais pluralistas para a nossa humanidade”, afirma Yuli.
Unidade entre os povos para superar o conservadorismo
Integração e unidade das organizações de esquerda como via para a construção de um mundo de paz e respeito à democracia é uma das conclusões do Foro de São Paulo.
“Apesar de tomar novamente governos de países latino-americanos, os governos de direita não conseguem estancar a crise. O desafio é fazer predominar uma corrente transformadora com forte conteúdo anti-imperialista e anticapitalista. Eu acho que já existem as condições para isso, porque as pessoas provaram o progressismo e nós nunca partimos do zero” analisa o líder do Movimento Continental Bolivariano, Narciso Isa Conde.
Para as FARC, o Foro é o lugar adequado para a acumulação de forças no campo da esquerda. “É um dos espaços mais bonitos dos povos revolucionários do mundo, de todos que acreditamos que é possível ter um planeta distinto ao que o capitalismo nos oferece e que leva a nossa extinção. Esse é um espaço para nos encontrarmos, para estabelecer laços de afeto, de cooperação orgânica com os revolucionários do mundo”, conclui Ilich Rojas.
Edição: Daniela Stefano