Internacionalismo

Foro de São Paulo | Superação do conservadorismo se dará com unidade entre os povos

Saiba como as organizações do Foro de São Paulo avaliam as disputas políticas internacionais

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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As atividades do 25º Foro de São Paulo ocorre entre os dias 25 a 28 de julho em Caracas, na Venezuela.
As atividades do 25º Foro de São Paulo ocorre entre os dias 25 a 28 de julho em Caracas, na Venezuela. - PSUV

Cerca de 150 organizações dos cinco continentes estão reunidas até este domingo (28) em Caracas (Venezuela) para compartilhar análises e discutir horizontes de atuação da esquerda no mundo. Entre um espaço e outro se elencam os principais enfrentamentos que a esquerda enfrenta hoje em cada região.  O desafio é encontrar saída para, à distância, trabalhar pelo fortalecimento comum. 

Na América Latina, além da ascensão de governos de uma ideologia conservadora, as ameaças e agressões contra a Venezuela, apoiadas por países vizinhos, como o Brasil e a Colômbia, é outro assunto latente. 

“O fato de o Foro ser realizado aqui em Caracas é uma demonstração clara de apoio ao governo Maduro, à Revolução Bolivariana e ao legado de Hugo Chávez. Estamos dizendo ao imperialismo que a Venezuela não está sozinha. Não vamos permitir uma intervenção e vamos até as últimas consequências. Se eles se atrevem a uma aventura militar na Venezuela devem estar seguros de que todos os povos democráticos e revolucionários do continente defenderão a Revolução”, afirma o líder do partido colombiano Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC), Ilich Rojas.

lich Rojas, líder do partido colombiano Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC). Foto: Michele de Mello/Brasil de Fato

Guerras silenciosas
Apesar da assinatura do Acordo de Paz entre o governo colombiano de Juan Manuel Santos (2010 – 2018) e a antiga guerrilha FARC há três anos, o conflito armado mais antigo do continente nunca cessou. Tanto o Exército de Liberação Nacional (ELN), como o Exército Popular de Liberação (EPL) não deixaram as armas, assim como o aparato repressivo do Estado, o narcotráfico e as forças paramilitares nunca deixaram de gerar vítimas. 

Entre janeiro de 2016 e julho de 2019 foram assassinados 734 líderes sociais, segundo o Instituto de Desenvolvimento da Paz (INDEPAZ), sendo 137 ex-guerrilheiros – e a maior parte dos crimes segue sem resposta.

Para o líder do partido FARC, Ilich Rojas, o motivo principal é a volta de governos do partido Centro Democrático. “O conflito na Colômbia se mantém porque as causas do conflito seguem latentes. Eles querem que o conflito siga porque a guerra é funcional aos seus interesses, eles se converteram em multimilionários a partir do conflito. Com o roubo de terras dos camponeses, o sangue e fogo, com ajuda dos grupos paramilitares, tornaram-se grandes latifundiários”, afirma.

Iván Duque, presidente colombiano, além de aumentar a militarização do país para controlar o avanço de setores da esquerda, também utiliza o aparato militar para organizar uma ofensiva contra o governo de Nicolás Maduro. 

Para o presidente do Movimento Continental Bolivariano, Narciso Isa Conde o avanço de governos de extrema direita no continente é uma tática das grandes potências econômicas mundiais para derrotar experiências progressistas. “O imperialismo evidentemente ataca tudo que represente a autodeterminação, tudo que implica o fim do seu controle em algum lugar. Estamos numa espécie de quarta onda progressista, que tem recebido uma contra ofensiva muito forte dos Estados Unidos”, analisa.

Narciso Isa Conde, presidente do Movimento Continental Bolivariano. Foto: Michele de Mello/Brasil de Fato.

Se a ameaça de agressão armada é recente na América Latina, em outras latitudes a ofensiva é constante. “No Oriente Médio nos mandaram há 11 anos uma Primavera Árabe que nos custou até agora cerca de cinco milhões de mortos. Esses são exemplos para América Latina e o mundo de que esse inimigo não tem outra linguagem senão a força”, garante o membro da Frente de Liberação da Palestina, Abel Aboer.

O movimento noticiado como uma insurgência popular pelos grandes meios de comunicação, na verdade, culminou em cinco anos de guerra na Líbia, com 24 mil mortos, 4 mil desaparecidos e uma economia totalmente debilitada, sem um governo unificado nacionalmente e subordinado à Organização do Atlântico Norte (OTAN) – braço militar das maiores potências econômicas do mundo. 

Além de oito anos de guerra na Síria, que ainda sofre com a ocupação do seu território por grupos armados, com 4,9 milhões de sírios em situação de refúgio em outros países e outros 6,3 milhões refugiados internos, segundo a Agência de Refugiados da ONU (ACNUR). 

“Paradoxalmente o Estado mais terrorista da atualidade é o que mais se esconde atrás da luta contra o terrorismo”, afirma Isa Conde. 

Além disso, a Palestina, que há mais de 70 anos sofre com a perda do seu território, bloqueio econômico, restrição de direitos civis e violência promovida por Israel, possui um terço de toda a população refugiada no mundo e 57% da população que ainda habita território palestino sofre com insegurança alimentar. 

“Colocam químicos na água que temos acesso para gerar infertilidade nas mulheres palestinas. Queimam nossas plantações, dificultam a vida do palestino na sua própria terra para obrigá-lo a viver refugiado. Mas nós preferimos comer terra na nossa pátria do que escolher o caminho do refúgio. Essa pátria é nossa e a defenderemos com tudo”, relata Isak Khury, quem também é membro da Frente pela Liberação da Palestina.

Abel Aboer e Isak Khury. Foto: Michele de Mello/Brasil de Fato

O método de assédio mais recente são demolições forçadas de casas de palestinos. Em Jerusalém e na Cisjordânia, centenas de pessoas são expulsas das suas casas, que logo são derrubadas pelo exército de Israel. No lugar, o governo do primeiro ministro Benjamin Netanyahu pretende construir assentamentos israelenses. 

“Essas ações mostram a natureza fascista de Israel; acreditam que são os donos do mundo. Eles podem demolir nossas casas, mas não podem demolir nossa vontade de seguir lutando e de construir não só novas casas, mas reconstruir nossa Pátria”, garante Khury.

Guerra judicial 
Outra tática de derrubada de governos progressistas no mundo, aplicada em distintos continentes, é o uso da justiça como meio de perseguição política, a chamada lawfare.

“O período do Apartheid foi um dos mais corruptos da história da África do Sul. A luta contra a corrupção é muito seletiva. O julgamento do ex-presidente Jacob Zuma [CNA] é o mais longo da história do país, já dura 16 anos. Custou milhões ao governo e ele também gastou milhões para defender-se. No entanto, o processo segue sem ter nenhuma condenação”, conta o militante do Congresso Nacional Africano, Thinta Cibane.

 Thinta Cibane, do Congresso Nacional Africano, da África do Sul. | Foto: Michele de Mello/Brasil de Fato

A concentração da riqueza é alta na África do Sul. Apenas 10% da população, de maioria branca, controla 85% da economia. Enquanto os 10% mais pobres, geralmente jovens negros, movimentam 5% da economia.

“A realidade é que eles conseguem continuar com essa política porque têm muito mais poder econômico. Eles são donos dos meios de produção e dos meios de comunicação. A solução é redistribuir o poder no nosso país para permitir igualdade de condições até mesmo quando falamos dos nossos problemas”, defende Cibane. 

BRICS: uma alternativa econômica 
Pensando na redistribuição do poder econômico e na construção de um mundo multipolar, as chamadas “potências emergentes” fundaram, em 2006, os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) como um bloco de cooperação econômica. Além de criar um banco, o grupo buscava priorizar o intercâmbio comercial mútuo, com uso das moedas nacionais para fomentar o crescimento dessas nações. 

Atualmente, a presidência do BRICS está nas mãos do governo brasileiro, que mais de uma vez, demonstrou interesse em fragilizar a iniciativa, prometendo uma “revolução na política externa brasileira”.

Para o militante do Congresso Nacional Africano, a situação é preocupante. “Os BRICS foram criados como instituição capaz de nos afastar do ocidente, do Fundo Monetário Internacional, que nos impõe ajustes e que quer continuar ditando o ritmo da economia dos nossos países. Os BRICS era a via para nos liberarmos. Nós estamos preocupados com a mudança de regime no Brasil, porque isso nos afasta do que estávamos tentando construir. E é isso que o ocidente tenta fazer em cada um dos nossos países, afastar-nos da integração, usando distintos instrumentos”, afirma. 

A análise do enfraquecimento do bloco é compartilhada pela delegação chinesa no Foro de São Paulo. Segundo, Wang Yuli, representante de política internacional do Partido Comunista Chinês (PCCh), a administração de Xi Jinping continuará trabalhando para fortalecer iniciativas regionais. 

“O sonho chinês é que a civilização chinesa e mundial que se compreendam e coexistam, desenvolvam suas nações de uma forma pacífica e cooperem sob o princípio ganhar – ganhar. Esse também é um sonho dos ideais pluralistas para a nossa humanidade”, afirma Yuli. 

Unidade entre os povos para superar o conservadorismo
Integração e unidade das organizações de esquerda como via para a construção de um mundo de paz e respeito à democracia é uma das conclusões do Foro de São Paulo.

“Apesar de tomar novamente governos de países latino-americanos, os governos de direita não conseguem estancar a crise. O desafio é fazer predominar uma corrente transformadora com forte conteúdo anti-imperialista e anticapitalista. Eu acho que já existem as condições para isso, porque as pessoas provaram o progressismo e nós nunca partimos do zero” analisa o líder do Movimento Continental Bolivariano, Narciso Isa Conde. 

Para as FARC, o Foro é o lugar adequado para a acumulação de forças no campo da esquerda. “É um dos espaços mais bonitos dos povos revolucionários do mundo, de todos que acreditamos que é possível ter um planeta distinto ao que o capitalismo nos oferece e que leva a nossa extinção. Esse é um espaço para nos encontrarmos, para estabelecer laços de afeto, de cooperação orgânica com os revolucionários do mundo”, conclui Ilich Rojas.

Edição: Daniela Stefano