A militante e ex-guerrilheira Criméia de Almeida afirmou que as falas do presidente Jair Bolsonaro sobre o desaparecimento de Fernando Santa Cruz durante a ditadura militar do Brasil foram como “ouvir uma sessão de tortura”. Em entrevista a Opera Mundi realizada nesta segunda-feira (29), a militante, que foi torturada quando estava grávida de sete meses pelos militares no DOI-Codi em São Paulo, disse que a declaração do mandatário ofendeu também os familiares de Fernando Santa Cruz.
“Para mim foi muito chocante, porque foi como ouvir uma sessão de tortura. O que ele fez com o Felipe [Santa Cruz] foi tortura, e não só com ele, mas como todos os familiares de desaparecidos políticos no Brasil”, disse.
Criméia ainda lembrou que o Brasil foi condenado em 2010 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a investigar a operação que levou ao desaparecimento forçado dos militantes envolvidos na Guerrilha do Araguaia e, em 2018, pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog, e prometeu que os familiares de desaparecidos políticos se reportarão à Corte em vista das falas do presidente.
“O Brasil tem uma condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que não foi cumprida e a responsabilidade pelo cumprimento dessa sentença é do mandatário do Estado brasileiro. Nós vamos comunicar a Corte de como nós, familiares de desaparecidos políticos, estamos sendo tratados pelo mandatário máximo do país”, afirmou.
Nesta segunda-feira, Bolsonaro afirmou que sabia as circunstâncias do desaparecimento de Fernando Santa Cruz, em um ataque ao presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz. Em vídeo divulgado pelo Facebook ainda nesta segunda, Bolsonaro voltou a falar sobre o tema e mentiu, dizendo que os responsáveis pela morte de Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira foram os próprios militantes da Ação Popular.
O documento RPB 655, elaborado pelo Comando Costeiro da Aeronáutica, mostra que Jair Bolsonaro mentiu, ao dizer, nesta segunda, que Santa Cruz havia sido morto por militantes de esquerda. O relatório militar comprova que o pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, foi preso pelo regime em 22 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro.
Para Amelinha Teles, militante sequestrada e torturada durante a ditadura, as falas do presidente mostram seu “descompromisso” com a democracia no país. “O próprio Estado já emitiu um atestado de óbito reconhecendo que o Fernando [Santa Cruz] foi vítima da violência de Estado. Quer dizer, a ditadura sequestrou, torturou, matou, ocultou o cadáver. Com cada desaparecido político ela [a ditadura] cometeu quatro crimes de lesa humanidade. Tratar dessa forma mostra muita irresponsabilidade e descompromisso com a história do Brasil e com a democracia”.
Segundo a ativista, o presidente deveria ser convocado “diante de um tribunal internacional para esclarecer os crimes que ele conhece. Ele já devia ter feito isso na Comissão Nacional da Verdade, porque ele era parlamentar e deputado federal. Agora, como presidente, ele é autoridade máxima do país, e isso é gravíssimo. É extremamente pernicioso para o desenvolvimento do Brasil”, disse.
Edição: Opera Mundi