Dirigentes dos principais partidos da esquerda brasileira estiveram reunidos em uma mesa de debates para discutir a conjuntura do governo de Jair Bolsonaro (PSL), na tarde desta segunda-feira (29), na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé”, em São Paulo (SP).
Foi o primeiro debate do 4º Curso Nacional de Comunicação, com o tema "Os desafios políticos e comunicacionais na era Bolsonaro". A atividade de formação continua até a próxima quarta-feira (31).
Participaram Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois (PCdoB); Manoel Dias, presidente da Fundação Leonel Brizola/Alberto Paschoalini (PDT); Ricardo Coutinho, dirigente nacional do PSB e ex-governador da Paraíba; Juliano Medeiros, presidente do PSOL e Márcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e atual presidente da Fundação Perseu Abramo (PT).
As discussões giraram em torno da conjuntura atual brasileira. Apesar de discordâncias entre as leituras dos integrantes da mesa, o ponto comum foi a necessidade de unidade entre o campo popular, democrático e progressista no país.
"Bolsonaro chegou ao governo porque perdemos a hegemonia política. Não falo em hegemonia ideológica porque nós nunca a tivemos", disse Rabelo, do PCdoB.
Para ele, "o mundo vive um momento de crescente polarização e o governo Bolsonaro, ao invés de aproveitar as contradições abertas por essa polarização para se desenvolver, preferiu tomar o lado dos Estados Unidos, aceitando para o Brasil a condição de pais periférico".
O dirigente comunista também acredita que as declarações absurdas do presidente são uma forma de se comunicar diretamente com a sua base a todo o tempo.
Rabelo defende que o presidente conformou um núcleo duro de poder -- acima inclusive dos militares, que antes pensavam poder tutelar o governo -- e agora lidera uma minoria raivosa e radical na sociedade.
Para Manoel Dias, presidente da Fundação Leonel Brizola, o que caracteriza este governo é a "destruição do Estado".
Ele acredita que o presidente seja inepto e que, no governo, o poder total tenha sido outorgado ao ministro da Economia, Paulo Guedes.
Dias defende que a esquerda "bote as vaidades e os projetos pessoais de lado" para conformar unidade e enfrentar o que ele considera ser um projeto fascista.
Apesar de usar do termo fascista, o dirigente do PDT e ex-ministro do Trabalho também acredita que o grupo que ocupa o poder está confortável com a democracia formal instituída no Brasil:
"Eu acho que há um risco para a democracia, mas essa democracia está ótima para eles. Para que mexer no que está bom? Executivo, Legislativo e Judiciário mancomunados para manter seus privilégios".
"Esses deputados do centrão eleitos já serviram à ditadura, depois serviram Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer e vão servir Bolsonaro. 'Ah, mas renovou-se 49%...' Vá lá ver quem são esses deputados eleitos. São filhos da oligarquia", concluiu o deputado.
Ele também disse não acreditar na revolução armada como uma forma viável de transformar a sociedade, e afirmou que o necessário é apostar na "organização do povo, porque é ele que vai fazer a revolução".
O socialista Ricardo Coutinho, que governou a Paraíba por oito anos, defendeu que "a esquerda mundial não compreendeu dois fenômenos: o da globalização econômica e o da globalização da informação".
Ele relembrou o processo de impeachment e afirmou que "o governo [Dilma Roussef] não lutou contra a própria queda".
"Quando aconteceu o choque, não tínhamos exército", afirmou o ex-governador e presidente da Fundação João Mangabeira , do PSB.
Discordando de Rabelo, ele disse que não vê Bolsonaro como uma figura forte. Em sua opinião, o presidente não tem capacidade de comando.
O presidente do PSOL, Juliano Medeiros, tocou no tema da unidade partidária, fazendo menção às reuniões quinzenais que vem sendo realizadas no Congresso entre os partidos de esquerda.
Para ele, é um erro comparar o governo Bolsonaro a outras gestões presidenciais.
"É um fenômeno novo, porque é ao mesmo tempo ultraliberal, autoritário e tem base de massa, com uma parcela importante da sociedade organizada sob essas ideias."
"Bolsonaro pode perder as eleições, mas a ultra-direita veio para ficar", defendeu.
O presidente do PSOL acredita que a esquerda nunca chegou a ter hegemonia política ou eleitoral no país: "se tivéssemos hegemonia eleitoral, nossos partidos teriam governado a maioria dos estados e cidades. Isso nunca aconteceu. O melhor momento foi quando governamos 900 cidades no Brasil, que tem 5.571 municípios".
"A pessoa que convivia com a comunidade eclesial de base, com movimento de base, com sindicalismo presente, agora convive com a Igreja neopentecostal, com a uberização do seu emprego, com o tráfico de drogas, e o sindicato sumiu", resumiu.
Último a falar, Márcio Pochmann argumentou que "há uma profunda ineficiência do campo da esquerda em se comunicar com as massas, que estão radicalmente contrárias a tudo que acontece no país"
"Nós fazemos um discurso racional, totalmente correto: a situação do Brasil está ruim e vai piorar", disse ele.
"O nosso discurso não traz esperança. Ele está corretíssimo, mas no mundo que temos hoje, termina encaminhando [as pessoas] para saídas individuais, e não coletivas", questionou o ex-presidente do Inep.
"Ao contrário da Igreja, que diz o seguinte: irmão, você está desempregado? Junte-se a nós, aqui nós seremos mais fortes", contrapôs.
A programação do Curso continua nesta terça com debates voltados ao perfil da juventude brasileira.
Edição: Rodrigo Chagas