OSPAAAL, exemplo de solidariedade internacional, fechas as portas após 53 anos
Queridos amigos e amigas,
Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
Há alguns dias, a 9ª Conferência Regional de Solidariedade da Ásia-Pacífico com Cuba chegou ao fim. Na reunião final, Prachanda - o co-presidente do Partido Comunista do Nepal - expressou um sentimento que é compartilhado por bilhões de pessoas em todo o mundo. Cuba, "não é apenas o nome de uma nação", mas é um "símbolo da luta pela soberania", disse ele; é "uma inspiração para as organizações e movimentos populares".
O Nepal está no meio de uma luta para criar um Estado soberano e uma sociedade socialista. Há um ano, os partidos comunistas nepaleses começaram um processo para formar seu novo partido, que agora detém uma maioria de dois terços no parlamento. O novo partido continua a aprofundar sua unificação, enquanto o governo nepalês luta para promover uma agenda para o socialismo em um contexto global adverso. Para se ter uma noção dessas lutas, visite o People's Dispatch e assista à entrevista com Bamdev Gautam sobre a transformação agrícola, a entrevista com Sabitra Bhusal sobre a emancipação de comunidades oprimidas e a entrevista com Radha Gyawalisobre a emancipação das mulheres. Todos os três entrevistados são líderes do Partido Comunista do Nepal. A inspiração de Cuba paira sobre as lutas no país.
Desde 1959, Cuba enfrentou um bloqueio severo - uma arma empunhada pelo governo dos Estados Unidos da América. Era simplesmente inaceitável para Washington que uma pequena ilha a apenas centenas de quilômetros dos Estados Unidos experimentasse uma agenda socialista. No ano passado, a secretária executiva da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina (Cepal), Alicia Bárcena, disse em Havana (Cuba) que o bloqueio americano custou à ilha 130 bilhões de dólares nas últimas seis décadas - o valor daria para construir e manter uma nova estação espacial. Esta é uma quantidade enorme de recursos que deixou uma "marca indelével" na estrutura social de Cuba.
Mas o povo e as organizações cubanas, como disse Prachanda, do Nepal, são uma inspiração. Entre suas organizações estava a Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina (OSPAAAL), que fechou suas portas em Havana este ano. A OSPAAAL foi formada após a Conferência Tricontinental de 1966, que Fidel Castro chamou de "grande festa da solidariedade internacional". A Conferência Tricontinental - de onde vem nosso nome - foi um encontro de forças radicais de libertação nacional e socialistas do Vietnã ao Chile. A conferência apelou à solidariedade com os movimentos anticoloniais - solidariedade que não deve vir apenas num registro emocional, mas também num sentido material. O novo agrupamento - OSPAAAL - emergiu do espírito Bandung mais moderado (que encontrou forma institucional no Movimento dos Não-Alinhados, de 1961) e do mais radical Movimento de Solidariedade Popular Afro-Asiática (1957 - conhecido como OSPAA, em espanhol). Um dos principais organizadores da conferência - o revolucionário marroquino Mehdi Ben Barka - disse que o Tricontinental reuniria "duas correntes da revolução mundial: a atual, nascida com a Revolução de Outubro, e as atuais revoluções de libertação nacional".
Ben Barka foi assassinado em 29 de outubro de 1965. Nenhum veredicto final foi dado a respeito dessa morte, embora - como disse Fidel na conferência - seja provável que ele tenha sido morto em Paris com o conluio das agências de inteligência francesa e marroquina. Não é impossível que a CIA estivesse envolvida. A década de 1960 foi uma década de imensa violência das potências ocidentais contra os movimentos de libertação nacional - da tentativa de derrubar a Revolução Cubana com o desembarque da Baía dos Porcos (1961) à invasão estadunidense na República Dominicana (1965), passando pelo massacre de um milhão de comunistas e simpatizantes na Indonésia (1965), e também a terrível violência perpetrada contra o povo vietnamita. Essa violência continua. No ano passado, o ex-chefe da CIA, James Woolsey, falou de maneira arrogante - e franca - sobre a interferência da CIA nas eleições na Europa e em outros lugares contra os comunistas para preservar a "ordem".
Este é o mundo em que vivemos, um mundo onde as aspirações dos trabalhadores e camponeses são arrogantemente descartadas por homens como Woolsey. É um mundo onde a violência de um bombardeiro B-52 é vista como razoável, enquanto os clamores pelo fim da fome são vistos como utópicos.
Nos últimos 53 anos, a OSPAAAL e a Tricontinental - sua revista - têm sido um ponto de referência para a libertação nacional e os movimentos socialistas. Os belos cartazes da OSPAAAL, sobre os quais escrevemos extensamente em nosso Dossiê nº 15, foram colados em paredes em todo o mundo. Deles, muitos de nós aprendemos sobre as lutas de El Salvador, Zimbábue ou Camboja. As análises da revista Tricontinental, incluindo entrevistas com líderes de movimentos e intelectuais radicais, nos armaram para a batalha de ideias.
A OSPAAAL avançou em dois itens principais:
1. transformar a economia política global - o maior exemplo disso foi a monumental resolução da ONU sobre a Nova Ordem Econômica Internacional (1973);
2. promover a solidariedade internacional - o maior exemplo disso foi a intervenção cubana para derrotar os colonialistas portugueses em Angola (1975).
Os itens dessa agenda permanecem vivos e bem.
Quando lançamos o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social no ano passado, a OSPAAAL recebeu calorosamente nosso trabalho e nosso compromisso de honrar o legado - e a agenda - da Conferência de 1966. Estamos tristes em ver a OSPAAAL partir, mas somos fortalecidos pelo seu trabalho e seu exemplo. Conhecemos bem a importância das contradições e do trabalho, como escreveu o poeta cubano Miguel Barnet em seu poema Revolución:
Entre mim e você
Há um montão de contradições
Que se unem
Para me assustar
Isso me umedece a testa
E te edifica
Um monte de contradições. A feiura nos confronta diariamente.
Na Índia, um legislador do partido de direita Bharatiya Janata Party (BJP) - Kuldeep Sengar - está na prisão aguardando julgamento por um estupro e sequestro em 2017 na pequena cidade de Unnao. A mulher que acusou Sengar de estupro estava dirigindo no distrito de Rae Bareli com suas duas tias, e seu advogado, quando foram atingidos por um caminhão (cuja placa de registro estava suja de graxa). A polícia informou Sengar sobre os planos de viagem da mulher, suas tias e seu advogado. As tias morreram; a jovem e seu advogado foram gravemente feridos. No ano passado, depois que a polícia se recusou a registrar o caso contra Sengar, o pai dela foi agredido pelos homens de Sengar. O pai foi preso e morreu um dia depois na prisão. Protestos eclodiram em toda a Índia por conta do acidente de carro. Há raiva do governo e medo em relação a sua insensível indiferença. A Associação das Mulheres Democráticas de Toda a Índia (AIDWA) diz que este evento mostra a "força muscular e financeira" do partido BJP. Sengar - atualmente na cadeia - continua sendo um legislador e um membro do BJP, embora, pressionado, o partido diz tê-lo suspendido.
Enquanto essa atividade criminosa se desenrolava, vários líderes do BJP manifestavam sua irracionalidade para o mundo:
1. O ministro-chefe do BJP de Uttarakhand - Trivendra Singh Rawat - disse que a vaca é o único animal que inala e exala oxigênio. Ele disse que os problemas respiratórios podem ser resolvidos massageando a vaca. Enquanto isso, dezenas de muçulmanos e dalits foram mortos por linchamentos que buscam "proteger" a vaca.
2. O ministro de Estado do BJP para o Desenvolvimento de Recursos Humanos - Satyapal Singh - disse que a evolução nunca aconteceu já que ninguém viu um macaco evoluir para um ser humano.
3. O líder do RSS, Hitesh Jani, disse que um bom movimento do intestino pode melhorar o DNA.
Há um enorme abismo que divide a irracionalidade do BJP e a razão inspiradora da Revolução Cubana. É notável que em nosso tempo o BJP seja levado a sério enquanto a Revolução Cubana permaneça sob um bloqueio assassino.
É um sinal de que a direita avançou seriamente na conquista das mentes das pessoas do mundo. É um sinal, nas palavras do falecido marxista egípcio Samir Amin, que existe uma "lacuna que separa o outono do capitalismo da possível primavera dos povos". É nosso dever fechar essa lacuna.
Cordialmente, Vijay.
Edição: João Paulo Soares