Um grupo de ativistas protestou, na manhã desta quinta-feira (15), contra a política adotada para a área ambiental pelo governo Bolsonaro (PSL). A manifestação ocorreu em frente a um hotel na Avenida Rebouças, no centro de São Paulo (SP), onde Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, se reunia com colegas de ministério dos demais países que compõem o BRICS -- agrupamento econômico dos países considerados "emergentes", composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A reunião, segundo informado pela pasta, discute como a “gestão ambiental pode melhorar a qualidade de vida nas cidades”, e acontece em meio a denúncias de que Salles “deu carona” à ruralistas em aviões oficiais.
Com faixas e cartazes, ambientalistas criticaram a postura “anti-ciência” do governo Bolsonaro, que tem ignorado e questionado dados científicos sobre o desmatamento da Amazônia organizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Em maio, o órgão divulgou que a Amazônia perdia 19 km² de floresta por hora. Monitoramento feito em junho também registrou que a floresta perdeu 762,3 km² de seu território, o que representa um aumento de 60% em relação ao mesmo período de 2018.
No mês passado, Ricardo Galvão, diretor do Inpe, foi exonerado do cargo após criticar a postura do governo em relação aos dados.
Presente no protesto, Denis Rivas, do coletivo Maré Socioambiental e presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira Especialista em Meio Ambiente (Ascema), afirma que o governo Bolsonaro protagoniza um retrocesso inédito na história do patrimônio ambiental brasileiro.
“Nunca se viu um governo que negasse dados oficiais. Os satélites denunciam o aumento do desmatamento, e o governo contesta dados reconhecidos pelo mundo inteiro. A Nasa [agência do governo estadunidense] reconhece os dados do Inpe e [seus agentes] ficaram perplexos com a demissão do presidente. É uma conivência com o crime ambiental”, denunciou.
A manifestação foi organizada para alertar lideranças de outros países sobre a situação brasileira. Para Marco Aurélio Lessa Vilela, geógrafo e ex-servidor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), as análises feitas pelo governo não possuem fundamento.
O especialista reforça que o Inpe é referência internacional na produção de ciência no campo de análise de imagens via satélites, que identificam desmatamento e processos de mudança do solo. “O que estamos vendo acontecer no mundo todo é que as pessoas já têm consciência do que está acontecendo no Brasil. Não é uma coisa interna. É muito preocupante. Temos uma construção de décadas de política ambiental que está sendo jogada fora”, lamenta Vilela.
Ministro condenado
Durante o protesto, os ativistas relembraram que, no ano passado, Salles foi condenado em uma ação civil pública ambiental e de improbidade administrativa do Ministério Público de São Paulo, por conta de favorecimento à mineradoras enquanto ocupava o cargo de secretário estadual do Meio Ambiente do governo Alckmin (PSDB).
Clóvis Seabra, da Associação Ambiental e Cultural Pau Brasil, de Ribeirão Preto (SP), avalia que o ministério está nas mãos de um “anti-ministro” que faz “uma política anti-ambiental”.
“Ele [Salles] está lá para proteger os interesses dos pecuaristas, das mineradoras, dos madeireiros. Não há um plano, não há uma agenda de política ambiental, seja no reflorestamento, na questão da flora, da fauna, dos mares ou do saneamento. Ele, simplesmente, está lá fazendo lobby”, afirma.
Para o ativista, a política do MMA viola pactos internacionais assinados pelo Brasil e configura um “tiro no pé” a médio prazo. “Não é uma questão ideológica: é científica. É de ciência que estamos falando. A floresta amazônica e o meio ambiente não são apenas locais. Trata-se do equilíbrio do mundo todo. Porque o que ocorre aqui afeta todo mundo, todo planeta”, ressalta.
Na análise de Denis Rivas, Salles não tem condições morais e éticas para ocupar o cargo. “Isso está sendo demonstrado diariamente. No rumo que estamos, vamos perder nosso patrimônio ambiental. Nosso nome diante o planeta está sendo jogado na lata do lixo. A Amazônia tem uma importância planetária para a ciência, para o clima, e o governo não consegue perceber essa dimensão, que era motivo de orgulho do Brasil”, complementa o presidente da Ascema.
Perseguição
Os ativistas também aproveitaram a ocasião para denunciar que, assim como o presidente do Inpe, servidores de órgãos ambientais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) têm sido perseguidos.
Ex-servidor do Ibama, Marco Aurélio Lessa Vilela afirma que servidores que resistem às políticas destrutivas do governo têm suas funções alteradas. “Como não podem ser demitidos, apesar de que querem alterar isso, eles podem ser removidos para lugares distantes de onde atuam. Se ele [servidor] trabalha em uma unidade de conservação de um parque nacional, é transferido para centenas de quilômetros de distância para desarticular todo o trabalho que vinha sendo feito naquele lugar”, explica o geógrafo, acrescentando que não vê uma perspectiva de melhora a curto prazo.
A bióloga e pesquisadora Maria Emília Moretti, do Coletivo Viva -- Instituto Verde e Azul, endossa a denúncia. Ela cita o caso do oceanógrafo José Martins, do ICMbio, que, após trabalhar por trinta anos em Fernando de Noronha, foi mandando para uma unidade de conservação na região de vegetação de caatinga logo após visita de Salles à reserva.
“Claramente, há uma tentativa de encobrir os problemas e favorecer alguns. Há alguns anos, já temos uma política ambiental bem aquém do necessário, mas agora o governo Bolsonaro e Ricardo Salles estão fazendo um desmantelamento da estrutura política e legislação ambiental que tínhamos favorecendo grandes empresas e pecuaristas”, comenta.
Crítica internacional
As políticas de Bolsonaro para o Meio Ambiente têm feito soar alertas em todo o mundo. O ritmo acelerado de desmatamento da Amazônia e posicionamentos do governo foram registrado em veículos e publicações estrangeiras como as revistas The Economist, Nature e Science, e jornais como The New York Times e The Guardian.
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As declarações do governo colocaram em xeque a continuação da cooperação para o Fundo Amazônia. A liberação acelerada de agrotóxicos também pode ameaçar o acordo Mercosul e União Europeia, conforme especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato.
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Maria Emília Moretti espera que a repercussão internacional possa frear o desmantelamento das políticas ambientais no Brasil. “Outros países, que têm a clareza de como o meio ambiente pode impactar a vida humana, estão pressionando o Brasil. E têm que pressionar mesmo, têm que criar sanções econômicas contra o país. Só dessa forma, mexendo no bolso, é que os políticos vão entender que é importante a manutenção da biodiversidade, das florestas e do nosso sistema”, defende a bióloga.
A reportagem aguarda um posicionamento do Ministério do Meio Ambiente sobre os protestos desta quinta.
*Colaborou Pedro Ribeiro Nogueira
Edição: Daniel Giovanaz