Quebrando a tradição, a marcha assume caráter de contestação e não de negociação
“Terra sadia pra lucrar
Canja na mesa no jantar
Um mínimo para se ter
Direito à paz e ao prazer”
Margarida é uma flor muito popular, sempre bem-vinda em qualquer jardim. Margarida Maria Alves foi uma sindicalista, assassinada em 1983, aos 50 anos de idade, por enfrentar barões do açúcar na Paraíba.
A cada quatro anos, desde o ano 2000, mulheres vindas do país inteiro marcham vários quilômetros em Brasília, em honra da memória de Margarida Alves e para apresentar sua pauta de reivindicações por mais direitos e pela manutenção daqueles que já possuem.
O ato faz parte da agenda permanente do movimento sindical de trabalhadoras rurais e de movimentos feministas do Brasil. Elas são principalmente do campo. São sem-terra, agricultoras familiares, acampadas, assentadas, assalariadas, trabalhadoras rurais, artesãs, extrativistas, quebradeiras de coco, seringueiras, pescadoras, ribeirinhas, quilombolas, indígenas. Em todas as cinco versões anteriores, a organização da Marcha das Margaridas entregou ao respectivo governo federal sua pauta.
Nesta quarta-feira (14), às 7h, cerca de cem mil mulheres do campo e da cidade saíram do Pavilhão do Parque da Cidade, onde estavam acampadas, em direção à Esplanada dos Ministérios. Mas não houve encontro com o governo. Quebrando a tradição, em sua sexta edição, a marcha assume caráter de contestação e não de negociação.
Simbolicamente, margarida tornou-se a flor que personifica a resistência ao que é ofertado pelo governo Bolsonaro, ao avanço histórico do desmatamento na Amazônia - que aumentou 67% neste ano pelos dados oficiais do Inpe - à liberação desenfreada do registro de agrotóxicos, e ao aumento da violência, com as propostas de armamento.
Mesmo sem aviso e sem convites, dezenas de parlamentares estiveram no ato de encerramento da marcha.
Participar das discussões e do caminhar com essas mulheres é ter a oportunidade de testemunhar a grandeza de sua luta, que implica dias na estrada, vindas de lugares distantes, com muita disposição para criar fronteiras contra as políticas destrutivas e obscurantistas de um governo boçal e inconsequente, de um presidente sexista, para quem qualquer protagonismo feminino seria um problema. Uma luta central no nosso país, sobretudo na atual conjuntura, notadamente triste, de fanatismo e bizarrices, de superficialidades em várias dimensões, em que se busca roubar qualquer esperança de futuro.
Diz-se que sementes de hoje são flores do porvir. Digo eu que margaridas nos ensinam que a realidade que é vivida aqui e agora, mesmo que se trate de experiência dolorosa, nos apresenta o futuro que podemos imaginar. Nos mostram, com sua garra e disposição, que somos capazes de refundar nossa democracia e reinventar nossa política.
Plantar no hoje, colher adiante.
Edição: Daniela Stefano