A decisão de ter uma Procuradoria-Geral da República (PGR) subserviente aos interesses do governo tem levado o presidente Jair Bolsonaro (PSL) a promover um verdadeiro leilão para o preenchimento do cargo a partir de 17 de setembro, quando vence o mandato da atual procuradora Raquel Dodge.
Mais do que uma discussão envolvendo critérios técnicos e de conhecimento jurídico, a disputa assumiu um caráter ideológico, numa espécie de campeonato para saber quem é mais ou menos conservador, com direito a guerra de torcidas nas redes sociais.
O capitão reformado havia dito que divulgaria o nome do novo chefe do Ministério Público até esta sexta-feira (16), mas mudou de ideia e disse que não informará o novo prazo para evitar críticas.
O que Bolsonaro quer do próximo PGR pouco se sabe além do que foi dito durante a inauguração de uma escola do Sesc em Parnaíba (PI), na quarta-feira (13). Na ocasião, o presidente declarou que o escolhido não pode ser “xiita” em questões ambientais, indígenas e sobre minorias.
“Você bota um cara, por exemplo, que a especialidade é o combate à corrupção. Daí tem a questão ambiental, como é que fica? Vai continuar como alguns no passado, atrapalhando essa área, que é importantíssima para o desenvolvimento do Brasil? Como fica a questão de minorias, questão indígena?”, afirmou.
Submissão
Para o cientista político Frederico de Almeida, professor da Unicamp, preocupações como essa demonstram a intenção de submeter a PGR aos interesses e à visão de um mundo do grupo político que hoje governa o país.
“Essa eleição é delicada porque o Bolsonaro está dando indicações de que quer uma instituição submissa. O escolhido vai assumir com essa pecha de alguém que topou ser submisso. Ele pode até se rebelar lá para frente, mas isso pode ficar, no mínimo, como uma dúvida em relação a suas decisões. Isso vai gerar muito conflito internamente”, disse o cientista político Frederico de Almeida, professor da Unicamp.
Oito subprocuradores estão entre os preferidos do presidente, que tem mantido encontros com todos nas últimas semanas e recebido mensagens dos “padrinhos” políticos dos candidatos. A disputa também tomou as redes sociais. O próximo procurador também terá que lidar com a crise de credibilidade gerada após os vazamentos dos bastidores da operação Lava Jato.
“Tem uma pressão muito grande de parte da opinião pública, do setor político, de parte do judiciário sobre o Ministério Público Federal, que obviamente atinge o Delton Dallagnol lá na ponta, a força-tarefa, mas atinge também a PGR, que é quem coordena e autoriza ou não a existência de uma força-tarefa. É um momento muito delicado para a instituição”, disse Almeida.
A PGR também é estratégica porque é ela quem define se as denúncias contra o presidente e membros do governo vão avançar para o STF (Supremo Tribunal Federal). Teoricamente, a atual procuradora Raquel Dodge – que nesta semana prorrogou a Lava Jata – pode continuar no cargo por mais dois anos, mas dificilmente será mantida. Entre outras questões, pesa contra ela o fato de ter levado adiante uma acusação de racismo contra Bolsonaro quando ele era deputado federal, em abril de 2018. A denúncia foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Corte fascista
O nome escolhido por Bolsonaro terá que ser aprovado pelo Senado até a data de saída de Dodge.
Para o cientista político Rubens Goyatá, a demora de Bolsonaro em indicar um nome também tem a ver com a dificuldade em encontrar alguém de perfil extremista no Ministério Público, cujos membros seriam majoritariamente conservadores liberais.
“Bolsonaro não sabe negociar, não é da natureza dele. Liberais conservadores, por sua vez, negociam muito bem. Um autoritário de corte fascista como o Bolsonaro precisa de um alinhamento político absoluto. Talvez ele esteja com um pouco de dificuldade para conseguir isso”, disse Goyatá.
Uma escolha dentro do perfil pretendido por Bolsonaro pode acirrar as tensões no Ministério Público, de perfil bastante heterogêneo, que ganhou muita autonomia e projeção nos últimos anos, ao abrir investigações contrárias aos interesses do governo.
Isso aconteceu em várias ocasiões nos governos Lula e Dilma – que adotaram a política de indicar o escolhido da categoria pelo sistema de listas tríplices.
“Vejo com muita preocupação o fato de um procurador-geral da República ser completamente alinhado dessa forma à família Bolsonaro, como eles desejam. E fico esperando como seria a reação da classe dos procuradores porque é isso que o Bolsonaro deve estar levando em conta ao demorar na sua escolha’’, disse Goyatá.
Os mais cotados
Augusto Aras: Tem perfil conservador na política, economia e costumes. É filho de Roque Aras, ex-presidente do MDB da Bahia. Enfrenta forte oposição de bolsonarisnas radicais, que o chamam de esquerdista.
Paulo Gonet: Tem perfil conservador nos costumes e diz não seguir nenhuma linha ideológica na política. Declarou ser contra o aborto, por exemplo.
Mario Bansaglia: Tem perfil conservador na política e é o primeiro colocado da lista tríplice eleita pelo ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) em junho, com 478 votos
Raquel Dodge: É a atual procuradora-geral escolhida por Michel Temer, em 2017. Tem perfil conservador e foi a primeira mulher a assumir o cargo. Na época, ela foi a segunda colocada da lista tríplice
Bonifácio Andrada: Descendendo do “patriarca da Independência”, tem perfil conservador nos costumes e boas relações com políticos de direita e ministros do STF. Já foi sócio da Gilmar Mendes.
Antônio Carlos Simões Martins Soares: De perfil conservador, é carioca e tem posicionamento político alinhado ao bolsonarismo.
Luíza Frischeisen: Tem perfil conservador e defende a autonomia do Ministério Público. É entusiasta das forças tarefas. Ficou em segundo lugar na lista tríplice, com 423 votos.
Blal Dallou: Tem perfil conservador e também defende a autonomia do Ministério Público. Ficou em terceiro lugar na lista, com 422 votos.
Edição: João Paulo Soares