A defesa da produção sem veneno não se trata apenas de uma alimentação saudável: A agroecologia faz parte de um projeto de nação popular, no qual os seres humanos possam produzir e viver em harmonia com o meio ambiente.
O assunto foi tema de conferência realizada na manhã desta sexta-feira (30), no teatro da reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), durante a 18ª Jornada de Agroecologia.
Para trilhar o caminho em direção a essa outra sociedade, um dos debatedores, Armelindo da Rosa, integrante do sistema cooperativista da reforma agrária no Paraná, elencou quatro eixos fundamentais.
O primeiro deles é a realização da reforma agrária. De acordo com Armelindo, somente a “agricultura feita por gente” é capaz de interromper os dados causados pela utilização desenfreada dos agrotóxicos.
“Não há possibilidade de produzir alimento se não socializar a terra. Está na mão de quem mexe com a terra fazer esse enfrentamento e pensar em mudar esse destino trágico para o qual a humanidade está sendo levada”, disse o dirigente.
“O segundo eixo do nosso processo de construção da soberania, é afirmarmos e ressignificar a função social a terra. A função da terra é dar condições de reprodução da vida e, para isso, precisa ser respeitada”, agregou.
As outras etapas que levarão a um projeto popular na agricultura consistem em construir novas relações com a natureza e massificar a produção de alimentos saudáveis.
Armelindo destacou ainda a necessidade de fomentar a continuidade e crescimento da cultura camponesa, assim como a valorização do clima e do solo brasileiro.
Sementes crioulas compartilhadas
A articulação feita por Guardiãs e Guardiões de semente, unidades de beneficiamento de grãos orgânicos que fazem a ponte entre os agricultores, também foi destacada como importante fator na construção de um projeto popular na produção de alimento.
Janete Rosane Fabro, coordenadora da Rede Ecovida de agroecologia do Paraná, afirmou que as sementes carregam a memória histórica dos povos, que há décadas protagonizam um processo de experimentação e multiplicação dos grãos.
Ela ressaltou a resistência dos guardiões de semente às grandes empresas transnacionais ligadas ao agronegócio que se apropriaram, em parte, desse conhecimento ancestral.
“Em parte porque estamos aqui, resistindo, apesar das grandes ameaças que vivemos até hoje. Muitas ações têm sido feitas no sentido de preservar as sementes, não só por meio das guardiãs e guardiões de sementes, mas também por outras organizações que defendem um alimento que promova a saúde”, comentou Fabro, em tom crítico às grandes empresas que lucram bilhões vendendo sementes transgênicas, rifando a saúde da população brasileira.
De acordo com Rosane, mais de 18 festas e feiras das sementes aconteceram e ainda irão acontecer ao longo do ano, ações que envolveram mais de 200 guardiãs e guardiões de semente, e que possibilitaram o diálogo com mais de 30 mil pessoas.
"Isso é histórico e diz que eles não tomaram tudo de nós e nem vão tomar. Mostra que essas sementes são nossas e que vamos seguir garantindo que elas existam”, explica.
Uma ciência cidadã
Leonardo Melgarejo, vice-presidente para a Região Sul da Associação Brasileira da Agroecologia (ABA) também participou da mesa. Na sua opinião, a agroecologia é uma ciência cidadã na qual a proteção das sementes em sua forma natural é essencial.
“É fundamental que pensemos na possibilidade de termos milhões de agricultores selecionando no seu ambiente, no seu clima, as melhores sementes de cada ano para plantar no ano seguinte. Isso garante a diversidade, garante estabilidade. Garante o desenvolvimento. Nós estamos caminhando no caminho contrário”, criticou Melgarejo.
O coordenador da ABA endossou os prejuízos que os venenos utilizados massivamente pelo agronegócio causam a todas as formas de vida:
—A agroecologia é a solidariedade, a diversidade, é o apoio às múltiplas formas de exploração do ambiente e é o crescimento do indivíduo em relação ao crescimento do ambiente. A cada vez que jogamos um veneno em um determinado ambiente, ele altera as possibilidades de vida desse ambiente. Jogar glifosato para matar as plantas que estão na lavoura de soja matam bactérias que beneficiam outras. Essa alteração no ambiente contraria a lei básica da vida, que é a da inter-relação e da solidariedade.
Apesar da grande flexibilização protagonizada pelo governo Bolsonaro nas leis que regulamentam e classificam os agrotóxicos, na avaliação de Armelindo da Rosa, do sistema cooperativista da reforma agrária no Paraná, a atuação de movimentos e organizações sociais em prol da alimentação saudável tem crescido e convencido grande parte da população sobre a importância de outro modelo de produção.
“Acreditamos que a pauta do projeto soberano para a Agricultura, e tudo que as Jornadas e as organizações vêm apresentando nessas duas décadas, ganha cada vez mais visibilidade e mais espaço na sociedade. É crescente o entendimento que o que está sendo feito destrói a vida e o planeta com queimadas e envenenamento”, observou.
Edição: Rodrigo Chagas