A demissão de John Bolton da chefia do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos na manhã desta terça-feira (10) representou um sério revés para a extrema-direita – os falcões – do governo Donald Trump.
No que toca à Venezuela, é a pá de cal na tática de se articular uma invasão militar valendo-se de Juan Guaidó como ferramenta para forçar a queda de Nicolás Maduro. Saem também de cena, num primeiro momento, a articulação belicista em relação ao Irã, Coreia do Norte, Afeganistão e Cuba.
Na América Latina, a agressividade defendida por Bolton era baseada na lógica de que com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, seria possível isolar o regime chavista, ação que contaria com apoio dos governos Macri (Argentina) e Piñera (Chile), além dos países do grupo de Lima.
Para além da tentativa óbvia de fazer com que os Estados Unidos se apossassem do petróleo, a iniciativa fortaleceria Trump junto ao eleitorado latino da Flórida, que já conta com grande contingente venezuelano.
No início de dezembro, Bolton declarou ver a eleição de Bolsonaro como uma “oportunidade histórica” para o continente. “Trata-se de uma enorme mudança em relação ao passado”, declarou ele, após visita ao presidente eleito, no Rio de Janeiro.
Tudo indica que, a partir daí, Bolton articulou e colocou em prática um plano ousado. Em 23 de janeiro último, Juán Guaidó, até então um obscuro parlamentar em primeiro mandato que assumira a presidência do Assembleia Nacional, se dirigiu a um protesto em Caracas e se autoproclamou presidente da República. Minutos depois, Donald Trump e 11 dos 14 governos do Grupo de Lima reconheceram seu suposto mandato.
O Conselheiro de Segurança Nacional tornou-se o principal fiador de Guaidó junto à Casa Branca. E logo apostou suas fichas em três certezas. 1: Maduro comandaria um governo prestes a cair, dada a profundidade da crise econômica; 2: Guaidó teria ampla representatividade interna; e 3: bastaria uma ação externa espetacular para implodir o chavismo.
Em duas oportunidades – 23 de janeiro e 30 de abril – a tática de Bolton mostrou estar baseada em premissas falsas, o que lhe trouxe sério desgaste junto a Trump.
Bolton não é exatamente um formulador de política externa. Não tem a envergadura intelectual de Henry Kissinger, Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado durante os governos Nixon e Ford (1969-77), ou de Zbignew Brzezinski, Conselheiro de Segurança Nacional da gestão Jimmy Carter (1977-81). Os livros de Bolton apresentam relatos de sua atuação diplomática ou peças de disputa política imediata. Mas são interessantes por sua extrema sinceridade.
Em “Surrender is not an option” (2007), ele expõe com crueza sua ideia da atuação dos Estados Unidos na ONU e em outros organismos internacionais:
“As organizações, fundos e programas das Nações Unidas podem ser instrumentos úteis de nossa política externa, mas manifestamente não podem ser os únicos e nem os preferidos. (…)
Ações unilaterais (Granada, Panamá), alianças bilaterais (EUA-Japão), alianças multilaterais de defesa (OTAN), coalizões militares ad hoc (Primeira e Segunda Guerras do Golfo Pérsico), organizações regionais (OEA) e coalizões com propósitos definidos (…) são alternativas legítimas e potencialmente eficazes. (…) Os Estados Unidos devem escolher os instrumentos que melhor atendem aos seus interesses e não presumir que esses interesses sejam invariavelmente iguais aos da União Europeia ou de qualquer outro bloco”.
Ou seja, para Bolton, seu país não deve colocar qualquer convenção internacional acima de seus interesses de superpotência. Ataques unilaterais, mesmo que não aprovadas por instâncias da ONU, como no caso do Iraque, em 2003, são mais que justificáveis.
John Gans, colunista do The New York Times, escreveu que “para seguir sua própria agenda política e servir a um presidente irregular, Bolton destruiu, em apenas 17 meses, o sistema do Conselho de Segurança Nacional e a intrincada estrutura que governava a política externa americana desde o final da Segunda Guerra Mundial”.
O diplomata centralizou decisões, afastou assessores e – segundo Gans – convenceu Trump de que o Conselho seria dispensável, na expectativa de traçar sua própria agenda.
“Bolton convenceu Trump de que não precisava do Conselho de Segurança Nacional para tomar decisões. Assim, não é surpresa que o presidente tenha se sentido confiante para decidir que também não necessita de um consultor de segurança nacional”.
O governo venezuelano vê com cautela a queda de Bolton. Carlos Ron, vice-ministro das Relações Exteriores para assuntos da América do Norte foi pego de surpresa com a notícia, no meio de uma entrevista para o DCM.
“Ainda é prematuro saber das consequências para nós”. Segundo ele, Juan Guaidó tem reduzido apoio entre a população e deve toda a sua projeção à Casa Branca. Os dois países vivem literalmente uma situação de guerra. Em maio último, forças policiais de Washington invadiram a embaixada venezuelana e a entregaram a partidários de Juán Guaidó. A representação diplomática dos EUA em Caracas, por sua vez, encontra-se fechada.
O principal aliado do governo Trump em suas investidas contra a Venezuela é o governo de extrema-direita de Iván Duque, na Colômbia. Os dois países não mantêm contatos de qualquer espécie e, não raro, Nicolás Maduro denuncia agressões por parte do vizinho. Foi a partir de seu território que se buscou realizar a chamada “intervenção humanitária” de 23 de fevereiro.
No último fim de semana, a revista Semana, uma espécie de Veja colombiana, publicou uma reportagem de capa com ares de escândalo: “Trama contra a Colômbia: os segredos da aliança entre o governo Maduro, a dissidência e o ELN (Exército de Libertação Nacional, grupo armado colombiano)”.
Valendo-se de supostos documentos “ultrassecretos”, a publicação estampou:
“Revelamos os documentos secretos da inteligência venezuelana que demonstram como os dissidentes do ELN e das FARC são a ponta de lança de Maduro para desestabilizar a Colômbia”.
A provocação, aparentemente montada para azedar ainda mais as relações regionais, suscitou forte desmentido do governo venezuelano e uma reunião de seu Conselho de Defesa Nacional, na segunda-feira (9).
Não se sabe da existência de ligações entre esses fatos e o iniciativas de John Bolton. Uma coisa é certa: sua queda pode significar uma mudança tática em relação à Venezuela por parte de Washington. Mas não há nenhuma alteração estratégica sobre o que representa o governo Maduro para a superpotência.
(*) Originalmente publicado em Diário do Centro do Mundo
Edição: DCM