O silêncio, o isolamento, a falta de perspectivas e a ausência de políticas públicas consistentes estão entre os fatores que têm provocado o aumento dos casos de suicídios, segundo especialistas.
Entre 2010 e 2016, a taxa de suicídios no Brasil cresceu 7% - subindo de 5,7 para 6,1 casos para cada 100 mil habitantes –, enquanto a média mundial decresceu quase 10%.
O psiquiatra Roberto Tykanori acredita que preciso falar mais sobre o assunto, quebrar o individualismo, para que haja uma queda dos registros. Em entrevista à Rádio Brasil de Fato, ele cita o exemplo do Japão, onde a taxa era de 30 mortes por 100 mil habitantes e caiu para 18.
“Os profissionais [no Japão] identificaram que socialmente, culturalmente, as pessoas não tinham canais para falar sobre o fenômeno. Acontecia um suicídio, a família, os amigos não falavam, o que tornava um fenômeno meio abafado. À medida que houve um estímulo para as famílias, amigos, pessoas sobreviventes falar sobre, o tema deixou de ser um tabu na sociedade, começou a se ter uma redução de casos. Passou da ordem dos 30 [registros] para um nível de 18 [por 100 mil habitantes]”.
O problema tem se mostrado mais preocupante na população jovem. No mundo, na faixa de 15 a 29 anos, o suicídio já é a segunda principal causa de mortes entre mulheres (após condições maternas) e a terceira entre os homens (após acidentes de trânsito e violência interpessoal).
“Os dados já indicam que em 2020 o suicídio será disparado a segunda causa de morte entre os jovens, e aí faixa de 15 a 29 anos é uma faixa etária extremamente preocupante”, alerta Ana Sandra Fernandes Arcoverde Nóbrega, psicóloga e professora da Unipê (Centro Universitário de João Pessoa).
Campanha é insuficiente
Desde 2015 o Brasil participa da campanha Setembro Amarelo por meio do Centro de Valorização da Vida (CVV), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Este ano, a campanha enfatiza a necessidade de atenção especial com o bem-estar e a saúde mental de crianças e adolescentes.
Na avaliação de Sandra, recém-indicada em consulta pública para se tornar a nova presidenta do Conselho Federal de Psicologia (CFP) – que será homologada em dezembro –, a campanha é importante, mas insuficiente.
“Precisamos falar sobre esse tema todos os dias e meses do ano. Temos vivido um processo de muito adoecimento mental. Ainda ontem, na aula, uma aluna teve uma crise de pânico e precisamos parar tudo para socorrer essa pessoa. Uma garota de 17 anos… A discussão sobre o suicídio é ampla e envolve uma decisão dos órgãos governamentais em investir prioritariamente em políticas públicas que deem conta do processo de saúde mental da população”.
Sozinhos e com pressa
Segundo ela, o ápice de um processo de sofrimento mental, emocional, é o suicídio, mas é preciso se debruçar sobre as estatísticas para entender as razões que levam jovens a tirarem suas vidas.
“Vivemos um momento bem contraditório. Nunca como agora tivemos tanto acesso à informação, mas talvez nunca tenhamos nos sentido tão sozinhos, tão reclusos, tão isolados. Parece que fomos substituindo essas relações que se dão pessoa a pessoa por aquelas medidas pelo computador”.
A psicóloga comenta que muitos de seus alunos, sem que a família preste atenção, estão se mutilando.
“Encontro vários de meus alunos cortados. Para mim isso é um grito de socorro. [Como se dissessem] Eu produzo uma dor aqui [na pele] para mascarar uma dor muito maior, porque não sei como dar conta dela”, compara.
O problema seria ainda mais grave entre populações indígenas, LGBTI e em situação de rua, pelas condições de vulnerabilidade. A quantificação desses casos, porém, esbarra na questão das subnotificações.
A depressão, como outros transtornos mentais, é considerado por organismos de saúde como fator de risco para o suicídio. Mas não há uma relação de causa e efeito. Os indícios de que uma pessoa não está bem são vários e demandam atenção de quem está em volta e um canal de comunicação para oferecer ajuda a quem está em sofrimento.
“Vivemos num movimento tão acelerado que não nos damos conta do que está acontecendo em casa com nosso filho, por exemplo”, cita a estudiosa.
A conjuntura recessiva e de perdas de direitos, em sua opinião, afeta de forma mais profunda quem já se encontra em situação menos favorecida.
“Os números também indicam que embora o suicídio seja um fenômeno que aconteça em todas as camadas da população, os índices maiores estão naquelas com mais vulnerabilidade social".
Direito à cidadania
Sandra diz que a ajuda profissional é tão importante para quem está em sofrimento quanto a das pessoas mais próximas. E que é necessária uma rede bem estruturada de atendimento público, envolvendo serviços de saúde primárias (UBS), centros de Atenção Psicossocial (Caps) e serviços comunitários.
“É importante que haja uma rede organizada para assistir às pessoas em sofrimento. Precisa ser definida como prioridade governamental nos municípios, estados e na instância federal. É direito de cidadania que não pode ser negado”.
Hoje o que acontece é justamente o contrário, segundo Nóbrega.
“[A falta de políticas] tem produzido, me parece, um sentimento de desalento. Isso é preocupante, porque talvez as pessoas criaram uma expectativa muito grande de que o governo pudesse trazer uma melhoria significativa em nível social e essas expectativas estão sendo, dia após dia, frustradas”.
Edição: João Paulo Soares