Desde o Decreto Presidencial n.º 9.741, publicado em março deste ano, as instituições de ensino federais sofrem com bloqueios de verbas pelo Governo. De um total de R$ 29 bilhões contingenciados em todos os setores, a educação foi uma das mais afetadas, perdendo quase 25% do previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2019. Só no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) esse bloqueio representa um valor de R$ 27 milhões.
No PLOA, realizado ano passado, o IFRN estava com um previsto de receber cerca de R$ 90 milhões este ano, no primeiro recurso de custeio. Com os bloqueios, a instituição só ficou com pouco mais de R$ 63 milhões, dos quais 5% ainda faltam ser liberados (cerca de três milhões). Tal valor, segundo o reitor Wyllys Farkatt Tabosa, ainda é pequeno para fazer frente às despesas de custeios da instituição.
“Disso eu estou falando de energia, água, internet, material de consumo, material de laboratório, pagamento dos nossos servidores terceirizados, visitas técnicas (que implica combustível de veículos), aulas de campo, enfim, até acompanhamento de estudantes do ponto de vista dos estágios que os professores precisam fazer. Tudo isso fica comprometido”, afirma.
Sem perspectivas para o fim dos bloqueios, a PLOA definida para o ano de 2020 também recebeu um diminutivo. Segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAF), liberado à reportagem pela Pró-reitoria de Administração do IFRN, após o constante crescimento de verbas, desde 2014, houve uma redução de R$ 612 milhões (em 2019) para R$ 600 milhões (em 2020). Os números afetam desde assistência estudantil (cai de R$ 20 milhões, em 2019, para R$ 12 milhões, em 2020) ao funcionamento da instituição e capacitação de servidores.
Além disso, o Governo Federal coloca mais R$ 63 milhões da PLOA em “Recursos sob Supervisão”, para ser liberado via Congresso Federal. Situação nunca vista antes pelo reitor.
Influência dos cortes na instituição
Tal quadro é alarmante para o reitor Wyllys Tabosa que, em conjunto com um grupo de trabalho de orçamento, já vem tomando diversas medidas para contenção de despesas. De acordo com ele, em alguns campi, por exemplo, já houve a diminuição da utilização de água e energia, a demissão de terceirizados e paralisação de algumas atividades voltadas à assistência estudantil.
Embora a assistência estudantil não tenha recebido um bloqueio de verbas, as ações estão sendo atingidas indiretamente pelos cortes em outros setores. De acordo com o reitor, os alunos, por exemplo, não vão participar dos jogos intercampi, e de outras atividades artísticas, esportivas e culturais por questões de transportes.
“Na prática, há dinheiro para pagar alimentação e hospedagem do aluno, caso ele vá a uma aula de campo. Mas o dinheiro do combustível? O dinheiro para pagar a diária do motorista terceirizado? Está dentro daqueles R$ 27 milhões bloqueados. Então é uma coisa que compromete a outra, e eu não posso tirar o dinheiro da assistência estudantil para fazer esses tipos de pagamentos”, ressalta.
Além disso, em alguns campi, serviços de engenharia, como reformas metálicas em ginásios e centros de convivência, também acabaram por ficar comprometidos, devido o também bloqueio de 16% sob os recursos destinados a investimentos.
“Está sendo uma economia de restrição orçamentária muito forte e, se isso continuar para os próximos anos, poderemos ter o comprometimento das nossas aulas para se tornar aula apenas em sala, com pouquíssimas em laboratório e praticamente nenhuma em campo ou visita técnica”, ressalta.
Reitor do IFRN Wyllys Farkatt Tabosa. Foto: Divulgação/IFRN.
E a realização das aulas já vêm sendo influenciadas em algumas unidades pela falta de servidores. Na PLOA de 2019, cerca de 88 professores e 26 técnicos administrativos estavam aprovados para complementar o déficit de aposentados previstos num diagnóstico realizado em 2017. Entretanto, 19 docentes e 13 técnicos ainda precisam de aprovação via portaria do Ministério da Educação. O reitor do IFRN afirma que desde julho a instituição espera publicação da portaria que autoriza a convocação de novos servidores, mas desde então não foi feito. Segundo ele, tal fato é mais uma consequência dos bloqueios.
“Por que isso é importante? Em Jucurutu fizemos a reforma de uma escola municipal, a pedido ainda do Governo anterior, para começar no início do ano, mesmo com uma quantidade menor de alunos e servidores. Estava aí essa portaria para a gente começar no segundo semestre, e até agora nada. Ou seja, a escola está reformada, pronta para a gente começar com algumas turmas, mas não temos professores nem técnicos-administrativos autorizado pelo governo”, explica.
Mitos sobre o ensino
Em um levantamento de dados realizado pelo IFRN, cerca de 85% dos estudantes têm rendas per-capita familiar de até 0,5 salário mínimo, o que demonstra a carência de grande parte do público da instituição. De todo esse quadro, o reitor Wyllys Tabosa destaca que, de acordo com a Plataforma Nilo Peçanha, a instituição gasta cerca de R$ 14 milhões por ano com cada aluno, o que representa pouco mais de R$ 1.100,00 por mês.
“Falam que a instituição é cara, mas não é. Existe alguma instituição privada, neste país, que investe ou cobra R$ 1.100,00 por mês aos estudantes e oferta o que nós ofertamos? De infraestrutura física, material de laboratório, equipamentos, alimentação, programas de assistência estudantil, transporte, fardamento, atendimento de saúde, participação em eventos nacionais e internacionais? Não tem”, afirma.
Além disso, o gestor da instituição atenta para os prêmios ganhos pelo IFRN somente em 2019: 1° lugar, entre os institutos federais, e 95° lugar, entre todas as instituições de ensino brasileiras, no Webometric (índice que calcula o ranking de publicações científicas); Prêmio IEL de Estágio 2019, como a maior instituição para gestão de estágio nas categorias de ensino técnico e superior do Rio Grande do Norte; e o maior número de medalhas, no RN, durante as Olimpíadas Brasileiras de História.
“Os resultados da instituição só aparecem porque têm investimentos de recursos que são aplicados dentro de um planejamento estratégico. Mas, na hora que você tem um bloqueio as ações e, consequentemente, os resultados ficam comprometidos. A pergunta que deve ser feita para o Governo é: o que ele quer com isso? Acabar a educação pública do país?”, completa.
Edição: Isadora Morena