Se for, será um momento notável, provavelmente no pior dos sentidos
Se não houver um resfriado persistente, um joanete incômodo ou uma disenteria providencial para roubar a cena, Jair Bolsonaro estará na Assembleia Geral das Nações Unidas no próximo 24 de setembro. Será um momento notável, provavelmente no pior dos sentidos. Não é difícil imaginar por quais razões. A começar pelo fato de que terá de falar por intermináveis 20 minutos. Para quem, em Davos, encerrou sua fala trôpega por volta dos seis minutos e já em pânico, seria preferível, talvez, encarar o alicate de seu ícone Brilhante Ustra
Não bastasse a batalha historicamente inglória contra o teleprompter ou as páginas da discurseira, há outras pedras no caminho, a maioria delas jogadas pelo próprio Bolsonaro. Por exemplo, quando o antigo personagem do baixo clero da Câmara abrir seu discurso, a Amazônia estará em chamas. Aos olhos do mundo, é uma tragédia com o jamegão de Bolsonaro, seja por ação, seja por omissão.
Como se fosse pouco, em 2018 o candidato do PSL prometeu que, eleito, retiraria o Brasil da ONU que, na sua, digamos, visão, não passaria de um covil de comunistas. Desde então, atacou dois altos funcionários da instituição, o secretário-geral António Guterres e a dirigente do Alto Comissariado de Direitos Humanos, Michelle Bachelet. Nos corredores da ONU, segundo publica o jornal espanhol El País, seu nome aparece vinculado a palavras como “repugnante” e “nojo”.
Antes, exibiu sua grosseria contra a primeira-dama da França, Brigitte Macron, e dirigiu ofensas a países como Noruega, Venezuela, Alemanha, Cuba, Chile e Argentina. Os elogios a torturadores e ditadores, a pregação revisionista, o culto às armas, os ataques contra a cultura, a violência contra índios, o desprezo aos nordestinos, a retirada de direitos, o racismo, a misoginia e a homofobia fizeram o restante.
Enxotado três vezes de Nova York, que se recusou a recebê-lo, voltará à cidade-sede da ONU. Nas ruas, conta-se, manifestações de repúdio o aguardam. Nesta sexta-feira, haverá a Marcha da Juventude, que prioriza as questões ambientais, com ênfase na Amazônia. Para o dia 23, está sendo chamado um ato contra sua presença.
Também na ONU, mas em Genebra, a Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB, denunciou o governo brasileiro por retrocesso político e desrespeito às instituições democráticas. Na cidade suíça, deputados da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) apresentarão o relatório “Direitos Humanos no Brasil em 2019”. O documento expõe, em 26 tópicos, o descalabro da gestão ultradireitista instalada em Brasília.
Faltando menos de uma semana, persiste ainda certa névoa sobre a ida a Nova York. Não se sabe se o capitão irá mesmo ou se fará o que costuma fazer diante de situações hostis e acima de suas condições: bater em retirada. Caso vá, pelo que se sabe, não fará bravatas, não falará grosso nem agredirá chefes de estado. Ou seja, será um ponto fora da sua curva. Defenderá a soberania nacional – o que soa irônico, diante do governo vendepátria que pilota – mas será pianíssimo.
Não há de se esperar grande coisa, mesmo sendo o 24 de setembro ,data protegida por uma legião divina, integrada por cinco santos e seis beatos. Haja o que houver, quando fechar seu pronunciamento – quem sabe com um “talquei?” – e começar a juntar a papelada, o Brasil deverá estar menor. E a nossa vergonha, maior.
Edição: João Paulo Soares