Entrevista

“Nossa pressão nas ruas tem que continuar”, aponta presidenta da CUT-RN

Sindicalista defende unidade e mobilizações para enfrentar medidas do governo Bolsonaro

Brasil de Fato | Natal (RN) |
Eliane Bandeira, sindicalista e presidenta da CUT-RN
Eliane Bandeira, sindicalista e presidenta da CUT-RN - CUT-RN

Eliane Bandeira é presidenta da Central Única dos Trabalhadores no Rio Grande do Norte (CUT RN). Em entrevista ao Brasil de Fato RN, ela comenta os retrocessos para os direitos trabalhistas com as medidas de Bolsonaro, a criminalização das lutas populares e os desafios do movimento sindical com as novas relações de trabalho.
Brasil de Fato RN: Como você avalia o papel que os sindicatos têm desempenhado no Brasil atualmente?
Eliane Bandeira: Desde 2016, quando se iniciou esse processo do impeachment, a CUT já fazia avaliação do cenário que viria pela frente. Desde então, a gente vem discutindo que o papel da classe trabalhadora e dos sindicatos, que representam essa classe, seria de muita luta e muita resistência. Uma coisa que também avaliamos que precisa ser feita é o trabalho de base. Hoje a gente se encontra em um país onde medidas antipopulares, contra a classe trabalhadora, de retirada de direitos e conquistas históricas têm se acumulado e a classe não está preparada para o enfrentamento. Apesar da gente ter conseguido fazer duas grandes greves gerais.
A greve geral de 2017, a gente avalia que foi a maior que o Brasil já teve e, na época, conseguimos barrar a Reforma da Previdência. Agora, em 2019, essa reforma vem de uma forma ainda mais perversa e a greve geral não conseguiu barrar, os deputados aprovaram. A CUT nacional está se reunindo, porque entendemos que, nesse momento, precisamos ter uma ação mais radical, construir a unidade dentro do campo “cutista” e com as outras centrais sindicais, movimentos populares e juventude. Agora, mais do que nunca, o papel dos sindicatos é lutar e o caminho é ocupando as ruas.
A Reforma da Previdência aguarda para ser votada no Senado Federal. Como têm se dado o diálogo com os parlamentares potiguares? Eles têm emitido posicionamento?
Aqui no RN, a gente fez o diálogo com Zenaide Maia, que votará contra, e com Jean-Paul, que também se coloca contra. O senador Styvenson foi o único que não falou ainda. Mandamos e-mail, fizemos ligações, mas o diálogo não avançou. No Brasil, como um todo, o diálogo tem sido difícil. Em alguns estados, o movimento sindical nem tem sido recebido pelos senadores para discutir a reforma. É um cenário difícil.
Que avaliação a CUT faz da Minirreforma Trabalhista de Bolsonaro? Quais os impactos dela na vida dos trabalhadores?
Para nós, da Central, a MP 881 é um retrocesso que só não será ainda mais devastador porque a CUT, o movimento sindical são resistência e luta e juntamente com partidos de oposição, conseguiram tirar itens da medida depois de pressão direta com os parlamentares. Não cabe a uma medida provisória que trata de questões econômicas fazer reforma trabalhista desse calão, feita como um ato de violência contra o trabalhador e por baixo do tapete. Por isso a gente avalia que essa MP é o espelho que reflete um Congresso conservador, patronal e retrógrado em relação aos trabalhadores, às leis trabalhistas e a direitos sociais. 
Outro ponto é a relação dessa medida ao Brasil da década de 30, em que o governo Bolsonaro consegue aprovar suas medidas absurdas e abusivas pela força dos bilhões de reais e cargos que libera à maioria dos parlamentares. Por isso nossa pressão nas ruas e sobre os deputados e senadores, no Congresso e em suas bases eleitorais, tem de continuar, de forma incansável.
Um dos reflexos mais imediato das mudanças trabalhistas é o que tem sido chamado de “uberização”. Como vocês têm avaliado essas novas relações de trabalho?
Em um momento como esse, no qual o desenvolvimento econômico do país não existe e nem existe emprego, não só os trabalhadores de aplicativos, mas outras formas de trabalho com precarização de serviços surgiram como alternativa. A gente teve, recentemente, a filiação do Sindicato dos Trabalhadores em Aplicativos de Transportes (Sintat) à CUT RN. A nossa ideia é fazer formação política e trabalhar a questão dos direitos dos trabalhadores, o que tem sido negado com isso. 
Uma coisa que o movimento sindical, a CUT em especial, tem tentado fazer discussão é sobre essa questão do novo modelo de sindicato que precisamos ter e as novas pautas do mundo do trabalho. Há uma legião de terceirizados, de trabalhadores com seus direitos negados. A CUT precisa rever seus estatutos, rever a representatividade e começar a organizar essa classe trabalhadora. Hoje, os direitos que a gente tem conquistados pelos Celetistas e estatutário, quando começou esse processo, não existia. Os direitos trabalhistas foram conquistados a partir da luta. A luta, agora, será mais difícil. Antes, não tínhamos direitos e fomos conquistando. Nessa nova fase, nós tínhamos direitos, foram conquistados, e agora estão sendo retirados. 
Por isso, é necessária uma reestruturação, para pensar como a gente garante esses direitos que já foram adquiridos, mas também sobre como a gente amplia esses direitos para o mundo do trabalho que está surgindo hoje. Então, é um dos grandes desafios que o movimento sindical tem hoje: Como pensar um novo modelo de sindicalismo, que a gente consiga abrigar todo mundo nesse guarda-chuva? Para além disso, tem um grupo que as centrais não representam, que é aquele formado por pessoas que estão fora do mercado de trabalho. Não estão nem no mercado formal, nem na informalidade. Existe um novo mundo do trabalho que surgiu, por isso, precisamos discutir, refletir e começar a organizar esses trabalhadores e quem está fora do mercado de trabalho, para que a gente possa garantir que, no futuro, todo mundo tenha esse direito.
Em diversos momentos, Bolsonaro se disse abertamente contra os sindicatos. Além do discurso, esses ataques têm se convertido em ações políticas. Que tipo de impactos essas organizações têm sofrido no atual governo?
Esses ataques se intensificaram com o governo Bolsonaro. Mas, desde Temer, que têm tido medidas contra o movimento sindical. A própria aprovação da reforma trabalhista, ainda no governo Temer, foi um ataque brutal ao movimento sindical em dois eixos. O primeiro, na questão do financiamento, e, no outro, em não respeitar os sindicatos como representante da categoria nos processos de negociação. Quando ele aprova o negociado sobre o legislado, que o patrão pode negociar diretamente com o trabalhador, isso fragiliza a ação do movimento sindical. Esses governos têm tentado, muito fortemente, criminalizar o movimento sindical. 
Outra questão que a gente precisa refletir é o porquê desses ataques ao movimento sindical. Historicamente, quem conseguiu fazer grandes enfrentamentos contra a retirada de direitos foram os sindicatos, centrais sindicais, as confederações, as federações, que nasceram com o objetivo de representar as categorias e fazer o enfrentamento. Então, uma das formas que o governo tem encontrado é atacar os sindicatos, enfraquecer a organização sindical, deixando a classe trabalhadora sem uma referência, sem uma entidade que encaminhe essa luta. Então, a forma que esse governo tem entendido para avançar nesse processo de retirada de direitos, fascista, da cultura do ódio e do ataque ao meio ambiente, é enfraquecendo não só as entidades sindicais, mas também, por exemplo, a União Nacional dos Estudantes (UNE). Essa direita conservadora não vai poupar esforços para enfraquecer os movimentos populares organizados.
Na Greve Geral, em junho deste ano, você foi vítima de violência policial durante uma manifestação pacífica. Você percebe um aumento da violência contra as organizações populares?
A gente sabe que a “segurança”, entre aspas, porque precisamos discutir até que ponto podemos entender isso como segurança, tem como espalho as forças armadas e o presidente. O que temos visto não só no RN, mas em todo o país, é que a greve geral foi um caso atípico. Aconteceu, em muitos estados, repressão policial. A cultura do ódio se instalou nesse país contra o movimento sindical e os lutadores, como o MST, que também têm sido vítima de ataques, assim como a juventude. Eu participo de movimentos há vários anos e, o que vimos na greve geral aqui, eu nunca tinha visto antes. A força policial chegou, não procurou as lideranças, não dialogou, não negociou, já chegou atacando. É m processo que precisa ser discutido, principalmente aqui no estado. 
Aqui no estado, precisamos cobrar do Governo Estadual a instauração de um fórum permanente onde a gente possa estar discutindo essas ações que têm sido feitas contra algumas organizações e representantes legítimos da classe trabalhadora. Precisamos reverter isso. Vivemos em um país que, apesar dos ataques, é ainda democrático, onde a liberdade de manifestação e expressão ainda é direito nosso. Precisamos fazer esse diálogo com certa urgência, com os governos estaduais, principalmente da região Nordeste, para aprofundar essa discussão.

Edição: Isadora Morena