Organizações da sociedade civil protestaram, nesta terça-feira (24), contra o chamado “Pacote Anticrime” no grupo de trabalho (GT) que discute o tema na Câmara dos Deputados. O GT está prestes a votar o item da proposta que expande as possibilidades de aplicação do excludente de ilicitude, que isenta de punição agentes de segurança que matarem em serviço.
A medida é alvo de críticas de diferentes lados, incluindo parlamentares, especialistas e sociedade civil. No protesto desta terça, estiveram representantes de diversas entidades, como Terra de Direitos, Conectas Direitos Humanos, Conaq, Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal, Rede de Justiça Criminal, e a Coalizão por Direitos na Rede e Coalizão Negra por Direitos, que representa cerca de 70 outras organizações.
“A sociedade civil estar participando desse processo é extremamente importante, mas ela ser ouvida é mais importante ainda. A gente traz também as vozes de outras organizações que não podem estar aqui. Muito importante estar aqui hoje fazendo esse ato”, disse ao Brasil de Fato Silvia Souza, assessora da Conectas e uma das articuladoras da Coalização Negra por Direitos.
Criado no início do ano, o GT é um dos espaços legislativos que discutem atualmente o Pacote Anticrime, que foi segmentado em diferentes propostas.
O grupo se debruça especificamente sobre o Projeto de Lei (PL) 882/2019, o mais extenso e polêmico de todos. De modo geral, ele estabelece medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência contra pessoas, incluindo a questão do excludente de ilicitude, que pode ser apreciado pelos deputados nesta quarta (25).
O parecer apresentado pelo relator do GT, deputado Capitão Augusto (PL-SP), está sendo votado ponto a ponto pelo grupo.
Previsto no artigo 23 do Código Penal, o mecanismo do excludente de ilicitude desconsidera, em determinadas circunstâncias, a culpabilidade em condutas consideradas ilegais. Elas incluem o “estado de necessidade”, a “legítima defesa” e o “estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.
O PL de Moro acrescenta um trecho segundo o qual o magistrado “poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
Críticos do projeto apontam que a inserção traz critérios subjetivos e abre espaço para uma maior letalidade provocada por agentes de segurança.
Dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado nos últimos dias, mostram que o país atingiu, em 2018, recorde de assassinatos praticados por policiais, com 6.220 casos. Proporcionalmente, uma em cada dez mortes violentas registradas no país foi causada por um agente da categoria.
Para o governo, o Pacote Anticrime irá reduzir a violência. “A tendência é inibir o crime. O que estamos propondo é mudar o estado de impunidade tácita que existe no país”, disse o relator, Capitão Augusto (PL-SP), nesta terça.
Os opositores afirmam que o projeto não teria potencial para reduzir a criminalidade e iria no sentido contrário do que propõem políticas públicas de segurança.
O advogado Leonardo Santana, integrante da Rede de Justiça Criminal, que também protestou no GT nesta terça, destaca a preocupação com os assassinatos de pessoas negras, que respondem por mais de 75% dos 6.220 casos registrados pelo Anuário.
“Isso [o PL] vai, em primeiro lugar, expor cada vez mais populações que já são vulneráveis a uma política de morte, a necropolítica. E a ideia do pacote como um todo vai ampliar o caos carcerário, que fomenta e financia as organizações criminosas. É por isso que estamos chamando de pacote ‘fake’ porque ele não entrega as promessas que anuncia”, afirma o advogado.
Deputados de oposição sublinham que o PL tende a gerar outros casos como o da menina Ágatha Félix, de 8 anos, morta no Rio de Janeiro (RJ) na sexta (20). O episódio tem contribuído para o acirramento dos debates legislativos em torno do projeto.
“A consequência prática é generalizar a conduta imprudente e outras Ágathas virão, se for aprovado esse texto. O Rio de Janeiro é o lugar mais emblemático pra avaliar isso”, disse o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). “Essa proposta é ruim também para os policiais. Que tipo de polícia nós vamos ter é um debate que todos devemos fazer. O que estão querendo é uma sinalização de mais violência”, acrescentou Marcelo Freixo (Psol-RJ), ao criticar a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Pressão do executivo
O governo intensificou, nos últimos dias, as articulações em defesa do Pacote. No GT, o cenário, no entanto, tem sido desfavorável à medida. Com a disputa alimentada pelo caso da menina Ágatha e diante da oposição já existente à proposta, a tendência é que o governo seja vencido na votação que trata do excludente de ilicitude.
Essa possibilidade foi admitida nesta terça pelo relator, que afirmou que o governo pretende disputar no plenário da Casa a aprovação dos itens rejeitados pelo GT. Nessa próxima fase de votação, no entanto, o jogo tende a ser mais duro para a oposição, por conta da influência da bancada da bala. Entusiasta da proposta, o grupo conta com 205 deputados.
Entre os aspectos já colocados em votação, a oposição conseguiu retirar, por exemplo, o trecho que legalizava a prisão após condenação em segunda instância. Também foram excluídos outros itens, como o que previa, por exemplo, a adoção do “plea bargain”, um instituto do direito estadunidense que possibilita acordos entre acusação e réu em ações penais.
Edição: Rodrigo Chagas