O ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda de Itamar Franco, Rubens Ricupero, afirmou que o discurso do presidente Jair Bolsonaro durante a 74º Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) foi o "mais desastroso" da história brasileira no órgão. A declaração foi feita ao jornal O Estado de S. Paulo e divulgada nesta quarta-feira (25). Embaixador com longa carreira diplomática, Ricupero também foi subsecretário da ONU entre 1995 e 2004.
“Eu considero o discurso mais desastroso de todos os discursos feitos pelo Brasil desde que existe o debate da Assembleia Geral [...] É um discurso agressivo e belicoso no fundo, na forma e no tom. Bolsonaro estava claramente desconfortável naquele ambiente, sentia que era um auditório hostil. Não teve amenidades. Em diplomacia, às vezes a forma é mais importante do que o conteúdo. Nesse caso, tanto o conteúdo quanto a forma são muito duros. ele confirma o que há de pior”, afirma o ex-ministro.
Bolsonaro fez o discurso de abertura da Assembleia Geral nesta terça-feira (24). Foi a primeira vez que o presidente falou no órgão como chefe de Estado brasileiro. O discurso de 31 minutos foi marcado por ataques generalizados. Os alvos incluem Cuba, Venezuela, ONGs, populações indígenas, programa mais médicos, socialismo, e a atuação da imprensa.
“Nenhum presidente brasileiro jamais fez um discurso desse tipo fora do Brasil. É como lavar roupa suja fora de casa, de maneira escancarada. O discurso, às vezes, parece mais se dirigir contra os opositores internos do que externos. Mas sobrou para todo mundo. Cuba, Venezuela, França, ONU. Ele atacou todos”, analisa Ricupero.
Para o ex-ministro, a fala se insere numa estratégia que visa a reeleição em 2022, por isso foi direcionada não para os líderes mundiais, mas ao público interno.
“Bolsonaro é um presidente obcecado pela perda de popularidade, que já está se lançando candidato à reeleição [...] Ele radicaliza o discurso para consolidar seu apoio naquele segmento que deu vitória a ele”, diz.
Isolacionismo e queimadas na Amazônia
Durante sua fala, Bolsonaro negou que o desmatamento na Floresta Amazônica esteja crescendo e disse que o Brasil é o país que “mais protege o meio ambiente”. Ele também criticou o que considera interesses “disfarçados de boas intenções” por parte dos europeus, fazendo referência velada ao presidente da França, Emmanuel Macron.
O presidente, no entanto, teceu elogios ao a Donald Trump, mesmo que a delegação norte-americana não estivesse presente para ouvir seu discurso. Os diplomatas dos EUA só presenciaram os últimos três minutos da exposição brasileira.
Para Ricupero, a postura de Bolsonaro pode trazer consequências negativas ao Brasil e representa o fim de um possível acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, bloco formado por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai.
Segundo ele, os pactos envolvendo os blocos “já estavam praticamente mortos. Agora, ele coloca vários pregos no caixão. Ele inviabiliza, no futuro previsível, qualquer esforço de boa vontade para apresentar esses acordos à aprovação dos diversos parlamentos europeus”.
O acordo entre o Mercosul e UE foi selado em junho de 2019 e amplamente celebrado por Bolsonaro e pelo presidente da Argentina, Mauricio Macri. No entanto, para que ele passe a valer, deverá ser assinado pelos 28 países-membros do bloco europeu.
A postura de Bolsonaro sobre a Amazônia prejudica o fechamento do acordo e rendeu críticas de chefes de Estado da Europa, entre eles Macron. No último dia 18, o Parlamento da Áustria aprovou uma moção que obriga o governo daquele país a vetar o acordo comercial. A proposta recebeu o apoio de quase todos os partidos austríacos, das legendas de esquerda aos ultranacionalistas de direita.
“Aquilo que o Brasil tinha, uma imagem positiva em meio ambiente, ele jogou fora, no lixo. Ele desperdiçou o único trunfo que o Brasil tinha. Nós não temos poder militar, não temos bomba atômica, nem poder econômico. Mas tinha aquele prestígio de sua diplomacia proativa em matéria ambiental”, diz Ricupero.
Ainda de acordo com ele, o Brasil perdeu esse esse prestígio e isso irá alimentar uma onda contra o país. "Antes de ir a Nova York, eu achava que era difícil piorar a situação. Eu me enganei. Ele conseguiu piorar”, concluiu.
Edição: João Paulo Soares