Mais de 15% do total de vagas criadas desde que a Reforma Trabalhista entrou em vigor, em novembro de 2017, foram na modalidade de trabalho intermitente. O percentual corresponde a 101,6 mil postos do total de 660,3 gerados até o último mês de agosto. Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
A parcela expressiva de postos desse tipo, segundo o especialista em direito do trabalho Flávio Roberto da Silva, professor na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), coloca em risco a medição estatística de emprego e não reflete a real dimensão da precariedade do mercado brasileiro.
“Quando falamos em criação de postos, falamos em vagas, e não em pessoas empregadas. Não se sabe quantos postos desses intermitentes poderiam corresponder a um único posto formalizado no âmbito da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)”, explicou o advogado em entrevista à Rádio Brasil de Fato, nesta quinta-feira (26).
O contrato de trabalho intermitente é caracterizado pela ausência de jornadas fixas regulares e permite que o empregado somente preste serviços quando for solicitado pelo empregador, por determinado número de horas ou dias. O trabalhador é remunerado de maneira proporcional, somente pelo período trabalhado.
A modalidade também garante direitos, como férias e décimo terceiro salário proporcionais. No entanto, como destaca Batista, eles acabam diluídos, uma vez que são apurados parceladamente por período de trabalho. Ele também chama a atenção para a questão previdenciária.
“A pessoa não vai conseguir, necessariamente, alcançar o limite de um salário mínimo a cada mês pra que possa ter os recolhimentos reconhecidos pelo Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS). De modo que a lei coloca como ônus para o empregado complementá-los a cada mês que a remuneração ficar abaixo do mínimo. Então, de certa forma, a vaga intermitente diminui a proteção previdenciária”, completa.
A expectativa do governo, na época da criação do contrato intermitente, era gerar 2 milhões de empregos em 3 anos. Isso significa que as contratações estão bem abaixo do que foi planejado.
A flexibilização das leis trabalhistas, de acordo com Flávio Batista, pode ser vista como uma forma de legalizar o trabalho informal, uma vez que proporcionou respaldo jurídico às empresas.
“A ideia é menos direito, para todo mundo ter emprego. Esse modelo de contratação precária leva as pessoas para o limite da sobrevivência. É como se estivesse legalizando o chamado ‘bico estático’. Quando vira uma coisa legal, as empresas começam a querer fazer uso disso, já que sempre foi visto com uma burla à lei trabalhista”, afirma.
Durante a entrevista, o professor de direito também comentou sobre o estímulo ao empreendedorismo no Brasil. Ele pontuou que as pessoas costumam confundir a ideia de trabalho autônomo com uma posição de classe, de que o empreendedor é patrão de si mesmo.
“Um Microempreendedor Individual [MEI] que tem uma pequena quitanda, um mercadinho, e contrata alguém para ajudar a organizar o estoque, por exemplo, não deixou de ser classe trabalhadora. Mas ela passa a assumir uma mentalidade empresarial. Isso é muito nocivo para a organização do trabalho”, finaliza.
Apesar das promessas de geração de empregos com a Reforma Trabalhista, dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no último dia 30 de agosto, mostram que 12,6 milhões de pessoas seguem desempregadas no Brasil.
Confira aqui a íntegra da entrevista
Edição: Rodrigo Chagas