A famosa frase “A arte imita a vida” foi dita por Aristóteles antes mesmo de Jesus Cristo nascer e marcarmos nosso ano 1 do calendário ocidental. Já em 1839, nasce Machado de Assis que não só imitou a arte, como o fez muito bem, com genialidade, cheiro de ironias e escancarando a realidade como quem às vezes abraça o leitor e quem - também - bate na cara. Neste ano, faz cento e onze anos da morte escritor e o livro Dom Casmurro continua inquietando os corações brasileiros com a grande questão, afinal, Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Se me atrevo a falar, diria que dá pra dividir os brasileiros em dois: em quem acha que os olhos oblíquos e dissimulados da cigana Capitu engaram Bentinho; e em quem acredita que mimado, neurótico e narrador da história, foi Bentinho que sustentou a faceta da traição.
Cento e onze anos da morte de Machado, há quem diga “eu só precisava de uma chance para ler Memórias Póstumas de Braz Cubás” e entender que um defunto tem muito a contar sobre a realidade. E entender também que “a gente mata o tempo, mas ele é quem nos enterra” nesse processo complexo, voluptuoso, viajante e fascinante que é a vida, o qual Machado consegue refletir como ninguém.
Cento e onze anos da morte de Machado de Assis nos faz perceber como seus frenesis continuam atuais, como as questões de pobreza, negritude e miséria humana que ele narra em tons sarcásticos se encaixariam nas vidas do século XXI, com os mesmos dissabores.
Mas se escrevesse hoje? Machado também teria muita coisa a escrever, desde denunciar a violência assistida pela televisão no horário do almoço à reforma trabalhista enfiada goela abaixo dos trabalhadores como falta de sacramento de quem prometeu céus e terras durante as eleições. Para o escritor, o contexto histórico de suas obras não foi apenas pano de fundo, mas parte da estrutura do enredo e é por este motivo que questiono quais seriam os personagens e como seriam os personagens se Machado vivesse em 2019 pra contar que biltres e cafajestes continuam retirando a liberdade e a possibilidade de sonhar e ter esperança de quem (ainda) ousa. Por isso, tudo que Machado pede é uma chance de ser lido.
*Bruna Torres é jornalista.
Edição: Isadora Morena