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Desde 2017, Estados Unidos já doaram R$ 2,3 bilhões à oposição venezuelana

Agência estadunidense anunciou nova remessa de R$ 216 milhões em encontro com embaixador nomeado por Juan Guaió

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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Na história recente, esta é uma das primeiras vezes que a Casa Branca anuncia o envio direto de dinheiro a um setor opositor em outro país
Na história recente, esta é uma das primeiras vezes que a Casa Branca anuncia o envio direto de dinheiro a um setor opositor em outro país - Foto: Joe Readle / AFP

“Fiquei impressionado com a liderança deles desde que nos conhecemos em janeiro. Na reunião de hoje, pude dar lhes a ótima notícia de que estou anunciando 52 milhões de dólares em novos fundos da Usaid para apoiar o governo interino e o povo da Venezuela, enquanto eles buscam restaurar a governança democrática, sensível aos cidadãos e reparar a provisão serviços de saúde em seu país. A Usaid e o governo Trump apoiam amplamente o governo interino de Juan Guaidó, a Assembleia Nacional democraticamente eleita e ao povo venezuelano, enquanto trabalham para acabar com o ilegítimo regime de Maduro”. Essas foram as palavras de Mark Green, presidente da agência de cooperação dos Estados Unidos (Usaid) depois de se reunir com Carlos Vecchio, embaixador venezuelano em Washington, nomeado pelo autoproclamado presidente Juan Guaidó.

Com a mensagem, Green anunciava ao mundo o novo aporte milionário da administração de Donald Trump ao deputado líder da oposição venezuelana Juan Guaidó, por meio da sua agência de cooperação, a Usaid.

Essa não foi a primeira vez que o organismo estadunidense enviou dinheiro para a oposição venezuelana. Segundo a própria agência, desde 2017, já foram US$ 568 milhões (R$ 2,3 bi), sendo cerca de US$ 95 milhões destinados a outros 16 países da região que recebem a migração venezuelana.

Nessa conta, figuram governos que têm apoiado abertamente a mudança de regime na Venezuela, como é o caso do Brasil, com Jair Bolsonaro (PSL) e a Colômbia, com Iván Duque -- a tríplice aliança que propôs a ativação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) na Organização dos Estados Americanos (OEA).

Além disso, também em setembro, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo anunciou mais US$ 119 milhões de ajuda humanitária à Venezuela, somados aos US$ 20 milhões concedidos em janeiro, esse ano já quase superaria a média anual de remessas da Usaid.

Na história recente, esta é uma das primeiras vezes que a Casa Branca anuncia o envio direto de dinheiro a um setor opositor em outro país. Em outras ocasiões o apoio a setores políticos se dá através de doações financeiras a ONGs ou outras organizações civis. Foi assim no caso do apoio aos protestos de 2018 na Nicarágua e nos conflitos iniciados a partir da chamada “Primavera Árabe”, no Oriente Médio.

“Dessa vez a decisão política foi apoiar um governo paralelo. Tratar de construir um governo paralelo, sem nenhum amparo legal na constituição venezuelana e que, por tanto, é necessário manter certo aparato operativo funcional, uma estrutura política que ainda dê espaço para essa narrativa, na qual Guaidó é o principal ator”, comenta o cientista político e colunista do portal Misión Verdad, Ernesto Cazal.

Pela repercussão do novo envio financeiro dos EUA, a Assembleia Nacional da Venezuela lançou um comunicado em seguida tratando de evidenciar que a verba seria “100% administrada através de implementadoras autorizadas por autoridades estadunidenses” e que não seria destinada a pagar salários de altos funcionários.

No entanto, durante todo o ano de presidência de Guaidó, o parlamento venezuelano não apresentou prestação de contas sobre o uso do apoio internacional. Pelo contrário, uma série de reportagens publicadas no portal PanamPost -- de Luis Henrique Ball Zuloaga, ex-presidente da Confederação de Indústrias da Venezuela (Conindustria), organismo historicamente dominado pela oposição -- denunciam o uso corrupto das verbas destinadas para ajuda humanitária em Cúcuta, fronteira com a Colômbia.

Segundo a publicação, militantes do partido Voluntad Popular, de Guaidó e Leopoldo López, haviam usado dinheiro proveniente da ajuda humanitária para pagar festas e hospedagens em hotéis na zona fronteiriça entre Colômbia e Venezuela.

De acordo com Cazal, além do setor liderado por Guaidó, anualmente, a National Endowment For Democracy -- agência estadunidense criada em 1983, pelo presidente republicano Ronald Reagan para “apoiar a liberdade no mundo” -- envia apoio financeiro a meios de comunicação e ONGs controladas por setores antichavistas. “Essas associações civis estão totalmente envolvidas na narrativa de um golpe de Estado continuado. Essas organizações dão uma aura civil, claramente fabricada, para dar certa legitimidade frente à comunidade internacional e nacional”, afirma.

Mark Green: "A Usaid e o governo Trump apoiam amplamente o governo interino de Juan Guaidó" (Foto: Riccardo Savi / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP)

Usaid

A Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) foi criada em 1961 com a proposta de ampliar o Plano Marshal e impedir o avanço da influência da União Soviética no mundo. Também por isso é considerada a agência humanitária da CIA.

Desde a sua criação, seus presidentes sempre estiveram relacionados com os centros militares (Pentágono) e centros de poder dos Estados Unidos (Casa Branca).

Mark Green -- atual presidente da agência -- é um ex-parlamentar do partido republicano, foi governador de Wiscosin, um importante colégio eleitoral para Donald Trump. A antes de comandar a Usaid, também presidiu o Instituto Internacional Republicano, que prestou ajuda financeira à Primavera Árabe e aos protestos no Haiti em 2004; também chefiou a Corporação Millenium Challenge, agência de cooperação criada durante o governo de George W. Bush.

Green não nega a disposição da Usaid em oferecer apoio político para gerar uma mudança de governo na Venezuela. Em outra entrevista, publicada no dia 25 de setembro, ele afirmou que a agência já prepara uma série de “cenários” para acabar com a crise humanitária da Venezuela depois da eventual saída de Nicolás Maduro da presidência.

“Não há outra opção para os Estados Unidos. John Bolton, ex-assessor de segurança nacional, havia proposto para Trump um plano exitoso de golpe de Estado, dando legitimidade a esse governo fake do Guaidó. Por isso não existe outra opção, senão seguir apoiando, porque do contrário perde suporte de ativos políticos, no Congresso, apoios financeiros e todo o lobby que circula por ali, ainda mais com o cenário eleitoral”, afirma Cazal.

 

Deputado opositor Edgar Zambrano estava preso desde que participou, ao lado de Guaidó, de uma tentativa frustrada de golpe de Estado, em abril deste ano (Foto: Matias Delacroix / AFP)

Isolamento de Guaidó

Enquanto o presidente autoproclamado segue sendo financiado por Washington e mantém a ofensiva internacional, conseguindo aprovar a aplicação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), por outro lado, cinco partidos da oposição se uniram em uma mesa de diálogo nacional, iniciada em setembro, que prevê uma lista de seis acordos nacionais, incluindo a liberação de presos políticos. Um dos que já foi libertado foi Edgar Zambrano, vice-presidente do parlamento venezuelano pelo partido Ação Democrática e aliado de Juan Guaidó na tentativa de golpe de Estado do dia 30 de abril.

Para Cazal, a mesa de diálogos estabelece uma linha de corte entre os setores que querem seguir na Venezuela e fazer política no país e setores vinculados a atores estrangeiros e que têm perspectivas de seguir sua vida política fora do país.

O aumento do financiamento estadunidense poderia ser justificado pelo pouco tempo que resta de presidência da AN a Juan Guaidó. Seguindo o rodízio acordado pela Mesa de Unidade Democrática (MUD), aliança eleitoral opositora, o engenheiro civil deveria deixar a liderança da Assembleia até dezembro para que um novo partido assuma o cargo. Deixando a presidência da AN, Guaidó perde a justificativa legal para se autoproclamar presidente interino da Venezuela.

Para o analista de Misión Verdad, em 2020, o setor hoje liderado por Guaidó tratará de criar outros mecanismos jurídicos para manter seu governo paralelo. “Guaidó não é nada mais que uma máscara estadunidense para uma intervenção dos EUA na Venezuela. Talvez esse governo fake não seja mantido por sua figura, mas por outro que poderia saltar qualquer passo previsto na constituição. Para esse setor não importa a legalidade venezuelana”, sentencia.

Edição: Rodrigo Chagas