Parlamentares de oposição ingressaram, nesta quinta-feira (3), com uma representação no Tribunal de Contas da União (TCU) contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o secretário de Comunicação Social do governo, Fabio Wajngarten, por conta da campanha de divulgação do chamado “Pacote Anticrime”, lançada nesta mesma data. Eles pedem que a propaganda seja considerada ilegal e que, por consequência, seja suspensa.
O documento cita uma reportagem publicada pelo jornal O Globo no último dia 27, segundo a qual a campanha teria custado aos cofres públicos um montante de R$ 10 milhões. Para os parlamentares, o recurso estaria sendo empregado fora das previsões legais por não se tratar de publicidade “de caráter educativo, informativo ou de orientação social”, como determinado pelo artigo 37 da Constituição Federal.
“O mais grave é que, no orçamento de 2019, só há recursos de publicidade para publicidade de utilidade pública. Não há recursos para nenhuma outra forma de publicidade, inclusive institucional, que é quando o governo poderia firmar uma ideia ou um conceito. Utilidade pública é publicidade para esclarecer a população acerca de algum risco iminente, por exemplo, e não se trata do que está. Há um desrespeito ao orçamento da União”, aponta o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), um dos signatários da representação.
Além dele, assinam a peça o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e os deputados Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e Paulo Teixeira (PT-SP). Eles apontam também que a campanha fere o interesse público e viola as regras previstas em instrução normativa da Secretaria de Comunicação (Secom) do governo federal que trata dos tipos de publicidade, pelo fato de elas não incluírem projetos de lei.
Em coletiva de imprensa, os parlamentares afirmaram que a campanha seria ainda um “desperdício de dinheiro público” por conta do arrocho fiscal que o governo tem promovido especialmente nas áreas sociais, como saúde e educação.
“A nosso ver, isso é um escárnio com o povo brasileiro. Imaginem que R$ 10 milhões que vão ser desperdiçados nesta campanha poderiam garantir 8 mil bolsas de estudo da Capes, que está com os recursos contingenciados e não tem dinheiro pra pagar bolsa no mês de novembro. E, ainda assim, o Palácio do Planalto, pra atender ao pedido do ministro [da Justiça] Sérgio Moro, vai torrar R$ 10 milhões sem nenhuma justificativa”, criticou Silva.
Além dele, Freixo e Teixeira integram o grupo de trabalho (GT) que hoje analisa tecnicamente a proposta mais polêmica do Pacote Anticrime, o PL 882/19, que traz diferentes medidas de caráter punitivista.
Até o momento, cerca de dez pontos do texto de Moro foram rejeitados pelos deputados, como é o caso da legalização da prisão após condenação em segunda instância e da expansão das hipóteses do chamado “excludente de ilicitude”.
A derrota tem como cenário as denúncias trazidas pela "Vaza Jato" -- série de matérias publicadas pelo The Intercept e outros jornais sobre mensagens entre procuradores da Lava Jato e Moro -- e as críticas anteriormente existentes à equipe da operação em Curitiba (PR).
Com a imagem desgastada, o ministro da Justiça tem sofrido derrotas sucessivas na Câmara e enfrenta dificuldade para convencer os deputados a priorizarem e agilizarem os PLs que integram o Pacote Anticrime.
Diante desse contexto, para os parlamentares que assinam a representação no TCU, as peças publicitárias lançadas nesta quinta-feira teriam “função exclusivamente política” e seriam para estimular a população a constranger os deputados. Durante o lançamento da campanha, Moro cobrou engajamento do Legislativo no tema.
“A proposta do ministro tem tantas imprecisões e inconstitucionalidades que nos não podemos ser irresponsáveis de sufragá-las aqui. Assim, o que quer o ministro? Ele quer gastar R$ 10 milhões de reais pra colocar a sociedade contra o parlamento. Esse é o tema. Como é próprio do jeito dele de trabalhar, ele força a barra, põe a sociedade contra o Supremo, contra o parlamento, contra todos que o contrariam”, critica Paulo Teixeira.
Grupo de Trabalho crítico
Orlando Silva destaca também que o pacote enfrenta duras críticas de parlamentares de diferentes legendas. No GT, por exemplo, apenas três dos 15 membros são do campo da esquerda e o relator, Capitão Augusto (PR-SP), é coordenador da bancada da bala. A configuração política, no entanto, não garantiu ao governo terreno fértil para a aprovação integral da proposta, que figura entre as principais polêmicas do atual cenário.
Instalado em março deste ano, o GT teve o prazo de vigência recentemente estendido e deve se encerrar no dia 12 deste mês. Os opositores afirmam que a campanha publicitária seria “extemporânea” e teria o objetivo de evitar que o plenário da Câmara, onde o pacote deverá ser votado após análise do GT, não acate as contribuições que ainda serão oferecidas pelo grupo.
“Esse grupo já excluiu a possibilidade de votar algumas dessas matérias, então, nos causou estranheza o governo gastar R$ 10 milhões numa campanha publicitária que parece querer constranger e intimidar o Congresso Nacional pra que vote de acordo com o que pensa o governo, e não de acordo com a consciência de cada deputado. No Brasil, há separação entre os Poderes, e não pode um deles usar recursos públicos para constranger outro”, afirma Orlando Silva.
O Palácio do Planalto e o Ministério da Justiça não se pronunciaram a respeito da representação.
Edição: Vivian Fernandes