Corria para o final a 6ª reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Gestão das Universidades, da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), no dia 26 de julho, quando a deputada estadual Valéria Bolsonaro (PSL), membro da comissão, é chamada para que interpele o reitor da Universidade de São Paulo (USP), Vahan Agopyan, convocado para depôr na sede do legislativo paulista.
“Como é feito o critério para mestrados e doutorados? Como isso é feito? Principalmente quando envolve bolsa de estudo", ela começa, antes de ir ao ponto que lhe interessa: "Um dos exemplos que eu tive foi sobre a liberação do aborto. Existem ‘N’ mestrados e doutorados, todos falando sobre o mesmo assunto. O meu questionamento é esse. Nós temos uma única temática e as pessoas tendo bolsas para estudar o mesmo?”, indaga a deputada, que não é parente do presidente, mas adotou seu sobrenome em homenagem a ele.
Constrangido, o reitor Agopyan oferece uma resposta curta à parlamentar. “O orientador ou orientadora dessa temática deve ser muito produtivo e está recebendo um número muito grande de alunos pleiteando ser orientando dele.”
Em outro momento, o deputado Douglas Garcia (PSL), que é suplente da CPI, também indaga o reitor. “Há uma polêmica gerada pela permanência da Polícia Militar no campus da USP, que é gerada porque boa parte dos alunos da FFLCH [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas] querem fumar sua maconha tranquilos. Infelizmente, temos esse problema de drogas na universidade. Eu fiquei pasmo ao saber que trabalhadores do Sintusp fizeram um churrasco, um sambão, com bebida alcoólica dentro da USP. Fora isso, nós temos a utilização da faculdade para oficina de órgão reprodutor feminino e também uma série de cursos e oficinas com relação ao fascismo, para combate, e arrumam um jeito de colocar o [presidente Jair] Bolsonaro no meio. Existe um estudo de custos antes de autorizar o uso desses espaços? Quem autoriza essa autorização?”, questiona.
Outra vez, Agopyan é sucinto na resposta. “A autorização dos espaços é decentralizada. Quando é espaço geral, a prefeitura dos diversos campi. Quando é dentro de uma unidade, o diretor da unidade autoriza.”
O nível e o propósito dos questionamentos têm chamado a atenção de parlamentares e de acadêmicos. Funcionando desde o dia 24 de abril deste ano, a CPI da Gestão das Universidades se propõe a “investigar irregularidades na gestão das universidades públicas no estado, em especial quanto à utilização do repasse de verbas públicas.”
Porém, a oposição alega que os propósitos são outros. “Essa CPI tem um caráter ideológico e político. Eles querem privatizar as universidades, tem proposta de cobrança de mensalidade e com ataques ao pensamento crítico das nossas universidades, da pesquisa e da diversidade que ela permite. É uma CPI que tem esse caráter, com aquele pessoal do PSL, que não tem informação nenhuma sobre universidade e ensino. Pessoas que vão fazer um debate no nível do Bolsonaro, não conhecem nada de educação, só querem fazer um controle ideológico da universidade”, afirma o deputado estadual Carlos Gianazzi (PSOL), membro da comissão.
Para Wellington Moura (Republicanos), deputado estadual e presidente da CPI, a privatização da universidade pública não está no norte dos parlamentares. “A função da CPI é investigar como está sendo utilizado o recurso que é repassado para elas do ICMS. No momento em que a gente, diante dos balanços patrimoniais, diante dos requerimentos que pedimos na CPI, encontramos irregularidades. Não estamos com objetivo de privatizar a universidade. As universidades são um patrimônio do estado, esse patrimônio tem que ser utilizado pela sociedade, mas de forma correta”, explica o parlamentar.
Espetáculo deprimente
Na CPI, que já interpelou os reitores das três universidades públicas do estado de São Paulo, USP, Unesp e Unicamp, se tornou comum que perguntas técnicas sejam substituídas por dúvidas que dizem respeito a pautas comportamentais, como explica João Chaves, presidente da Associação dos Docentes da Unesp (Adunesp) e representante do Fórum das Seis, entidade que reúne os sindicatos de professores e funcionários das três universidades públicas do estado.
“Olha, salvo raríssimas exceções, a maior parte dos deputados tem conhecimentos modestos sobre o que é, o que faz e como funciona uma universidade. Por conta disso, tem aparecido perguntas absurdas. Muitas vezes, o tratamento que é dado às pessoas que são chamadas pela CPI é deselegante, desrespeitoso e intimidatório. É um espetáculo deprimente”, explica Chaves.
Cumprindo seu quarto mandato como deputado estadual, Gianazzi afirma que nunca viu um grupo de parlamentares “tão fraco” na Alesp como nessa legislatura e que isso implica no “provável” resultado da comissão.
“Essa CPI vai soltar um relatório medíocre, eu diria que sem nenhum tipo de ação prática, porque ela é tão rasteira na sua investigação que o relatório será fruto desse trabalho. Não vai dar em nada esse parecer político. Até porque é um grupo que está perdendo força na sociedade, então é uma CPI que tem uma opinião morta e insignificante”, critica.
Ainda de acordo com o psolista, a CPI dialoga com a política nacional, embora o governador paulista, João Dória (PSDB), esteja espalhando que não compactua das práticas do Bolsonaro.
“Eles estão alinhados, sim. Esse grupo aqui de São Paulo reproduz essa mesma intenção de combater o marxismo cultural, o feminismo e a ideologia de gênero nas universidades, essas bobagens todas que eles defendem. Então, com certeza faz parte dessa guerra cultural. O PSDB, na verdade, terceirizou essa responsabilidade de fazer esse trabalho para o Novo e o PSL, porque o PSDB sempre fez isso aqui em São Paulo.”
Há crise orçamentária
A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 1995 estabelece que a manutenção do financiamento das universidades públicas em São Paulo é garantido através do repasse de 9,57% da arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em todo o estado. Desse total, a USP fica com 5,03%, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) com 2,34 e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com 2,2%.
Em 2019, os percentuais distribuídos garantiram um orçamento de R$ 5,5 bilhões para USP, R$ 2,56 bilhões à Unesp e R$ 2,1 bilhões para a Unicamp. João Chaves lembra que em 24 anos os campi cresceram, assim como o número de alunos, docentes e funcionários, mas o orçamento não acompanhou a expansão do setor.
“Não é uma crise financeira, é uma crise de financiamento. No entendimento do Fórum das Seis, os recursos encaminhados para as universidades, hoje, são insuficientes para manter as três universidades públicas paulistas funcionando de forma adequada”, afirma Chaves.
As três universidades estaduais gastam, desde 2013, mais de 100% do seu orçamento só com o pagamento de salário do corpo docente, funcionários e aposentados. Para 2019, a Unicamp prevê um deficit de R$ 169 milhões, a Unesp de R$ 175 milhões e a USP de R$ 269 milhões, o primeiro em cinco anos.
Oposição e situação concordam que há um problema orçamentário. Porém, a discordância mora na solução para o problema. Na audiência com Vahan Agopyan, o deputado estadual Arthur do Val (DEM) afirmou que não insistiria em perguntar sobre cobrança de mensalidades na USP. “O senhor já afirmou que se trata de algo inconstitucional”.
“Mas gostaria de sugerir ao reitor, por exemplo, sobre cobrança de estacionamento, ou incentivo da venda de nomes de salas para filantropos abonados. Gostaria de saber a posição da reitoria em relação a esse tipo de medida.”, ponderou Val. O deputado estadual Daniel José (Novo) insistiu na cobrança de mensalidades. “O conceito de universidade pública gratuita e estatal deveria deixar de existir”.
O reitor da USP tratou de encerrar o assunto afastando a possibilidade. “Cobrança de mensalidades, é importante esclarecer, é uma decisão da sociedade, não é ideológico. Nós temos país comunista, a China, que cobra. Até o ensino médio é gratuito, depois eles cobram, o aluno chinês tem que fazer até empréstimo bancário. E existe país capitalista, a Alemanha, que cobra um valor simbólico. Na Alemanha, ou quase toda a Europa, entende-se que quem se beneficia mais da universidade é a sociedade, portanto eles dão oportunidade para todos. (…) Outra coisa importante, é que mesmo a mensalidade sendo cobrada, de U$$ 70 mil como na Yale (EUA), isso não responde a 10% do orçamento da universidade”, explicou Agopyan.
“A solução está em o Estado criar regras para a utilização dos recursos financeiros que são repassados para as universidades. O que temos acompanhado é que vem um reitor, gasta diante da sua autonomia de uma forma. Muda-se o reitor e ele utiliza de outra forma. Se o Estado não criar regras, é onde haverá falhas”, afirma o presidente da CPI.
Para Gianazzi, a solução passa por ampliar o investimento feito pelo governo estadual. “Temos uma luta histórica na Alesp que é pelo aumento da cota das universidades públicas para 11,6% do ICMS. Os 9,57% de 1995 não são mais suficientes, a universidade paulista cresceu. Esse percentual de 11,6% garantiria, com folga, o orçamento das três universidades.”
Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada neste ano, há uma previsão de renúncia fiscal – quando o estado abre mão de receber impostos de empresas – de R$ 20 bilhões. Para João Chaves, o governo precisa provar que tem interesse na educação e privilegiar o setor, não os grandes empresários do estado.
“Nos últimos três anos, tem tido uma média de renúncia fiscal, em São Paulo, da ordem de R$ 20 bilhões. Isso é o dobro dos recursos aplicados nas três universidades. Então, o governo deixa de receber um recurso correspondente a duas vezes os recursos que vai para as universidades. Esse recurso, parte dele, poderia financiar as universidades públicas paulistas”, encerra.
A deputada Valéria Bolsonaro foi procurada pelo Brasil de Fato com dois dias de antecedência a publicação da reportagem, para que se manifestasse sobre as críticas à postura do partido na CPI, mas não deu retorno até o fechamento da matéria.
Edição: João Paulo Soares