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Pacientes com face reconstruída pelo SUS temem fechamento do Oncocentro em SP

Laboratório da Fosp fornece próteses para substituir órgãos e tecidos afetados por tumores

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Mecânico de manutenção, Francisco Carvalho faz avaliação da prótese que substitui parte da gengiva, osso maxilar e palato
Mecânico de manutenção, Francisco Carvalho faz avaliação da prótese que substitui parte da gengiva, osso maxilar e palato - Fotos: Cecília Figueiredo

Há 35 anos, a professora aposentada e paciente oncológica Alaíde Forato é atendida pela Fundação Oncocentro de São Paulo (Fosp). Após passar por consultas em hospital privado e tratamento em clínica particular, foi submetida a uma cirurgia no Hospital AC Camargo. Sem sucesso no procedimento, Alaíde foi novamente internada para investigação no Hospital do Servidor Público Estadual e onde realizou a cirurgia para retirada do tumor.

O câncer fez com que Alaíde perdesse a vista, metade do nariz, o palato, todos os dentes e a face direita.

Durante um ano, após a cirurgia, a pedagoga de Amparo (SP) permaneceu fazendo curativos diários no hospital, até ser encaminhada à Fosp para confecção de próteses. O Oncocentro São Paulo também ofereceu a ela acompanhamento psicológico.

“Tive necessidade de fazer uma cirurgia para a retirada de um tumor na face. Após a cirurgia, fui encaminhada para a Fosp e, desde então, sou acompanhada [pelo serviço], com próteses confeccionadas anualmente”, explica.

Aos 71 anos, Alaíde é uma das milhares de pacientes que serão prejudicadas pelo fechamento da Fosp, anunciado este ano pelo governador João Doria (PSDB). Ela não é capaz de imaginar como seria sua vida sem a prótese.

“Sem a próteses eu não consigo falar, me alimentar, não consigo sequer sair à rua, porque o curativo chama muito a atenção. Ele torna a gente uma pessoa apontada pelas outras, nos entristece, e deixa a gente com a autoestima bastante rebaixada”, lamenta.

Apesar do início difícil do processo, entre a descoberta da doença, a retirada do tumor e a reabilitação, Forato foi dispensada do apoio psicológico oferecido na Fosp. Bem-humorada, ela elogia o trabalho de toda a equipe da Fosp e, em especial da dentista Crystiane Pacheco Seignemartin, especialista que confecciona a sua prótese bucomaxilofacial.

"Ela é uma prótese muito, muito bem feita. É algo que me reabilita totalmente. Fico pensando: Meu Deus, se a fundação fechar, o que vai ser de mim?", questiona. "Eu não tenho outra alternativa [caso a Fosp feche]. A única oportunidade que tive de ver outra pessoa usando uma prótese [parecida], essa pessoa confeccionou no Japão. E era muito, muito inferior. A própria pessoa que usava quando viu a minha ficou admirada [e perguntou]: ‘Como é que vocês aqui no Brasil tem a capacidade de fazer um trabalho tão bom?’ Era um senhor japonês”.

Andréa Alves de Sousa, uma das cirurgiãs-dentistas da Fosp, afirma que a fundação personaliza a prótese conforme o paciente. Durante audiência pública contra o fechamento do Oncocentro, organizada em setembro pela deputada estadual Beth Sahão (PT), na Alesp, a profissional afirmou que a ala de reabilitação odontológica da Fosp realiza 5 mil atendimentos e entrega de 400 a 600 próteses ao ano. “O número é semelhante ao de instituições que possuem o dobro da nossa equipe e recursos privados abundantes”, comparou.

A dentista lembra que a assistência não se restringe a pacientes de São Paulo – chegam à Fosp pessoas diagnosticadas em outros estados do Brasil.

Josival da Silva, que teve de retirar um tumor nas cordas vocais, há nove anos ganhou prótese, voz e acompanhamento. | Foto: Cecília Figueiredo

 

Josival Ferreira da Silva compartilha da mesma angústia. Morador de São Mateus, bairro periférico da zona Leste de São Paulo (SP), ele teve que retirar as cordas vocais há nove anos após a descoberta de um tumor. A cada dois anos, ele recebe uma nova prótese, que garante a comunicação verbal.

“Isso aqui não pode fechar”, desabafa Silva, na sala de espera para a consulta com o especialista em pescoço e cabeça.

Layla endossa o desejo. Vítima de câncer de boca, a paciente -- que prefere ser identificada apenas pelo primeiro nome -- precisa continuar com o tratamento dentário.

“Eu entrei lá [Fosp] em 2008, tive um câncer de boca. Perdi metade dos dentes e uma parte do céu da boca. Só consegui voltar a falar e estou falando com você, e você me entendendo, porque eles me ajudaram”, relata a paciente.

No andar superior, enquanto a menina Giovanna, de 12 anos, acompanha ansiosa junto ao pai a colorização da íris do olho que irá ganhar em breve, na cadeira do consultório odontológico o cearense Francisco Ronaldo Ribeiro Carvalho faz a avaliação de rotina.

Mecânico de manutenção, Carvalho descobriu o tumor na gengiva, no osso maxilar e no palato (céu da boca). Ele conta que o processo levou menos de um ano da cirurgia à reabilitação, e mostra com orgulho o resultado.

 

Técnica exibe a prótese de íris em confecção para a menina Giovanna, vítima de câncer no lado direito da face. | Foto: Cecília Figueiredo

 

A diferença, garantida pelo tratamento e a prótese, pode ser medida pela voz [ouça o áudio na Rádio Brasil de Fato] com e sem a prótese.

“Meu nome é Francisco Ronaldo Ribeiro Carvalho, tenho 44 anos, [fiz a cirurgia] há 16 anos. [Ele continua após colocar a prótese:] Eu imaginei [que teria a prótese], mas num sistema muito lento, porque tudo que é do nosso sistema de saúde a gente imagina que é difícil. E foi surpreendente: uma sequência bem rápida depois da cirurgia. Acho que não tinha dois meses depois da cirurgia, já começaram a fazer a transição, tirar moldes... Em quatro meses, já estava falando quase normal”, comemora.

Carvalho retorna a cada oito meses ao ambulatório de reabilitação da Fosp para fazer avaliação da saúde bucal e também a moldagem da prótese: “A prótese? Sem ela eu não consigo comer, não consigo beber; não só para falar. Para todas as funções básicas, eu preciso dela”.

Durante o “Abraçasso” à Fosp, ato realizado no último dia 3, pacientes e parlamentares como Beth Sahão (PT), Janaína Paschoal (PSL) e Carlos Gianazzi (PSOL) falaram sobre a importância de manutenção do serviço para a saúde pública.

“Ela faz trabalhos que nenhuma outra unidade privada faz. Se isso for para o setor privado, não vai ter esse tipo de atendimento. Ainda que o Estado resolva pagar por esse serviço, não será a mesma coisa porque aqui é exclusivo. A pessoa é atendida em tempo mais breve, o trabalho acontece de forma ágil”.

O governo paulista, por meio da assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Saúde (SES), afirma que “preza pelo uso racional dos recursos públicos e tem realizado estudos técnicos para otimizar sua rede, de forma a garantir estruturas mais completas e eficazes para atender a população”. Também disse que um dos estudos “prevê o redirecionamento da demanda da Fundação Oncocentro de São Paulo (Fosp), que atualmente encontra-se ociosa”, e que a “atuação inicialmente prevista para a Fosp já está incorporada pela rede há anos, à medida que o SUS paulista se fortaleceu”.

Com relação ao direcionamento, sem detalhar, o texto informa que “uma rede altamente especializada em Oncologia se sobrepôs ao papel inicial da instituição e passou a oferecer avanços na prática operacional e tecnológica”. Portanto, “a baixa demanda ainda existente na Fosp poderia ser absorvida por outros serviços mais estruturados, com plena garantia da assistência e direitos aos colaboradores”.

A pasta não esclareceu à reportagem sobre a existência de serviços similares no estado, o número de pessoas que, após retirada de um tumor, são submetidas a cirurgias reparadoras e necessidade de próteses no estado, tampouco o investimento nesse tipo de serviço.

A assessoria informou, por telefone, que questões referentes a estatísticas devem ser redirecionadas ao Ministério da Saúde, que também foi acionada pelo Saúde Popular por e-mail, mas não se manifestou até o fechamento da reportagem.

Edição: Daniel Giovanaz