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Artigo | Crime de Mariana: até quando persistirá a injustiça?

Quatro anos após o crime de Mariana, o que impera é a ausência de solução e o aprofundamento das violações de direitos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Ninguém foi preso ou responsabilizado criminalmente pelos danos causados pelo rompimento da barragem de Mariana, em 2015
Ninguém foi preso ou responsabilizado criminalmente pelos danos causados pelo rompimento da barragem de Mariana, em 2015 - Foto: José Eduardo Bernardes

No próximo dia 5 de novembro, completam-se quatro anos do rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana, Minas Gerais. A tragédia despejou mais de 48 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, atingindo 43 municípios, matando 19 pessoas, provocando um aborto, e causando a destruição de toda a extensão dos mais de 680 quilômetros do Rio Doce, um dos principais do país. Às suas margens, dois mil hectares de vegetação e outros 170 quilômetros de costa atlântica, no estado Espírito Santo, foram atingidos.

As três companhias responsáveis pelo crime, Samarco, Vale e BHP Billiton, foram alvo de duas ações judiciais que previam altos volumes de recursos financeiros para reparação dos danos na região atingida. A primeira, movida pelo Estado, que é chamada de “acórdão”, foi realizada quatro meses após o rompimento da barragem e previu um montante de R$ 20 bilhões a serem investidos no prazo de 15 anos em iniciativas de reparações e recuperação do Rio Doce.

O tal acórdão nada mais é que um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado entre as três empresas, instituições públicas como o Ibama, a Agência Nacional de Águas (ANA), a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Chico Mendes (ICMBio), além dos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo.

O TTAC criou um arranjo institucional para operar ações em toda bacia do Rio Doce e litoral capixaba e um “modelo de solução” das “reparações e compensações” absolutamente controlado pela Samarco, Vale e BHP Billiton. Em outras palavras, foi criado um “modelo de governança” que visou proteger as empresas de terem grandes gastos com indenizações, permitiu a garantia do pleno controle sobre as ações de reparação e ofereceu condições para que elas próprias tivessem o controle de todo território atingido.

O acórdão autorizou ainda a criação de uma “organização autônoma”, 100% dedicada às atividades de “reparação e compensação” com “total autonomia”. A Fundação Renova, colocada como principal agente operador das ações de reparação teria como missão implantar e gerir 42 programas socioeconômicos e socioambientais na região atingida, contemplando ações de contenção, reparação, recuperação e compensação.

Posteriormente, o Ministério Público Federal moveu uma Ação Civil Pública que cobrava indenização de R$ 155 bilhões das empresas, mas o processo ainda não foi concluído.

Embora se apresente como uma organização autônoma e imparcial, a Fundação Renova é controlada pelas empresas Samarco, Vale e BHP Billiton. A entidade possui um conselho curador responsável por aprovar os planos, programas e projetos propostos pela Diretoria Executiva da Renova, formado por nove integrantes, sendo seis deles indicados pelas próprias empresas controladoras da Samarco, a Vale e a BHP Billiton.

Essa maioria absoluta dá às empresas, que cometeram o crime, o poder para decidir sobre quem deve ou não ser indenizado. Assim, a Fundação Renova é, na verdade, um instrumento que tem sido utilizado pelas empresas para impedir ou dificultar medidas de reparação que signifique custo financeiro para as mineradoras.

É importante dizer que todo esse arcabouço estratégico criado pelas empresas é respaldado juridicamente pela 12º Vara Federal de Belo Horizonte, que concentra os processos judiciais de toda bacia hidrográfica do Rio Doce, e que tem tomado decisões favoráveis às empresas, impedindo inclusive a atuação dos atingidos e das atingidas nos processos.

Quatro anos depois do crime de Mariana, o que impera é a ausência de solução e o aprofundamento da violência e das violações dos direitos dos atingidos. É importante frisar que, nesse período de tempo, nenhuma casa foi construída para as famílias atingidas.

Nesse sentido, para demonstrar o desprezo da Fundação Renova com a população afetada pelo crime de Mariana, os atingidos por barragem decidiram se unir em mutirão para construir uma casa no município de Barra Longa (MG). Como os atingidos afirmaram em carta aberta à sociedade, “no caminhar dos acontecimentos na bacia do Rio Doce, a construção de uma casa parece ser uma tarefa difícil de realizar (quatro anos!). Nós sabemos que não é. Ao longo da nossa Jornada de Lutas, iremos construir uma, tijolo por tijolo. Será bonito, nós atingidos vamos entregar uma casa para um dos nossos. Faremos juntos, organizados. Se a Vale destrói, o povo constrói”.

*Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

Edição: Brasil de Fato