Me dei conta que meninas como eu, cor de chocolate, podiam existir na literatura
Com o livro infantil, as crianças têm o primeiro contato com a leitura. Por meio de histórias fantásticas, elas desenvolvem o senso crítico, a criatividade e o hábito de ler. Nesta reportagem, vamos conhecer duas pequenas leitoras, mas vou deixar que elas se apresentem:
Desde cedo, Maria Flor e Maria Alice tiveram acesso a livros que traziam personagens negros como protagonistas.
Entre as publicações preferidas de Maria Flor está 'Zumbi, o pequeno guerreiro', da editora Quilombhoje. Ela conta a história do líder do Quilombo dos Palmares. Usando livremente a imaginação, o autor Kayodê recria a infância do herói brasileiro, que Maria Flor já conhece de cor e salteado.
Outro livro recomendado pela ávida leitora é ‘Bucala - a pequena princesa do Quilombo do Cabula’, de Davi Nunes, da editora Uirapuru. E a Flor, o que pensa a respeito?
Diferente de Flor e de Alice, na infância, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, só tinha acesso à histórias inglesas e estadunidenses. Ela conta que foi uma leitora precoce, bem como uma escritora precoce:
A aparência física, os hábitos alimentares e culturais dos personagens que ilustravam as histórias lidas e escritas pela pequena menina africana eram bastante diferentes das pessoas e do lugar onde ela vivia.
Por apenas ler publicações de outros países, Chimamanda conta que estava convencida de que os livros, por natureza, deveriam ter personagens estrangeiros e narrar coisas com as quais ela não se identificava.
A partir dessa descoberta, a escritora africana diz que sua percepção sobre a literatura se transformou.
Hoje, Chimamanda Adichie é uma das principais escritoras de literatura africana da atualidade. Autora de poemas, contos e romances, ela falou sobre “O perigo da história única” em um evento do TEDx.
Os livros da autora já foram traduzidos para mais de 30 idiomas. A escritora africana venceu o prêmio de ficção do Baileys Women’s Prize de 2007 e o de “melhor dos melhores” da década do mesmo prêmio.
Assim como Chimamanda, a educadora brasileira Odara Dèlé fala sobre como é importante para as crianças negras se reconhecerem positivamente nos personagens dos livros que lêem.
Odara Dèlé é autora de ‘Lukenya e seu poder poderoso’. O livro é escrito em português e em kimbundu, língua originária do território africano nas regiões da República do Congo e de Angola.
Página a página, Lukenya leva o leitor a viver uma aventura em busca de um grande tesouro. O livro traz referências da cultura africana como a ancestralidade, a oralidade, a música e a filosofia.
A ideia, diz Dèlé, é fortalecer as identidades negras ainda na infância. Ela conta que muitas das palavras que nós usamos aqui no Brasil tiveram origem no Kimbundu, e agora fazem parte da nossa herança cultural.
O Kimbubdu está entre as cerca de 2.092 línguas de origem africana. O Diego Barbosa é pesquisador. No artigo ‘Encontros e Confrontos Linguísticos: O Local e o Global na África’, ele conta que esse número corresponde a cerca de 30% de todas as línguas do mundo.
A escritora brasileira Odara Dèlé explica que a existência de livro infantis com protagonistas afro-brasileiros é importante não só para a construção e fortalecimento da identidade da criança negra como também para que as crianças brancas desenvolvam o sentimento de empatia e na noção de respeito às diferenças.
Edição: Geisa Marques