Cerca de 45.793 cidadãos bolivianos que residem no Brasil deverão comparecer às urnas no próximo domingo (20) para escolher seus representantes no país de origem. Além de presidente e vice-presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, serão eleitos 130 deputados e 36 senadores para o período de 2020-2025.
Haverá colégios eleitorais em 11 cidades de sete estados brasileiros: Epitaciolândia (AC), Brasília (DF), Corumbá (MS), Cáceres (MT), Rio de Janeiro (RJ), Guajará-Mirim (RO), São Paulo, Mauá, Guarulhos, Itaquaquecetuba e São José do Rio Preto (SP).
Cerca 44.232 mil, ou 96,6% do eleitorado boliviano no Brasil, estão registrados em São Paulo. Os locais de votação na maior cidade do país são:
- Escola Estadual Prof. Colombo de Almeida, na Casa Verde (zona norte);
- Escola Estadual Eduardo Prado, no Brás (região central);
- Escola Municipal Vereador Antonio Sampaio, em Santana (zona norte);
- Escola Estadual Província de Nagasaki, no Jardim Brasil (zona norte);
- Escola Técnica Estadual Carlos de Campos, no Brás (região central);
- Escola Estadual Marechal Deodoro, no Bom Retiro (zona norte);
- Instituto de Ciência e Tecnologia de São Paulo, no Canindé (zona norte);
- Escola Estadual Orestes de Guimarães, no Canindé (zona norte);
- Escola Municipal Analia Franco Bastos, no Catumbi (região central).
O Consulado Boliviano estima que vivam hoje no Brasil 350 mil bolivianos, dos quais 80 mil estão regularizados como imigrantes. O maior local de votação é a Escola Estadual Eduardo Prado, com mais de 5 mil eleitores.
Representante do Movimento ao Socialismo (MAS), Evo Morales lidera a corrida presidencial com 18 pontos de vantagem e aposta em uma vitória em primeiro turno para chegar ao quarto mandato.
Política a distância
Natural de La Paz, o radialista Zacarias Saavedra tem 61 anos e emigrou no início do século. Hoje vive no Brás, região central de São Paulo, com esposa e três filhos. Toda a família, exceto a caçula de 13 anos, votará nas eleições do dia 20.
Assim como o atual presidente boliviano, Saavedra é descendente do povo indígena aimara. Um dos questionamentos em relação a Evo Morales, aliás, é “que ele não fala bem o idioma” – o aimara é uma das 37 línguas oficiais do país. O radialista também questiona o fato de o mandatário concorrer às eleições em 2019, apesar da derrota na consulta pública sobre a possibilidade de se candidatar pela quarta vez. Quanto ao principal opositor, Carlos Mesa, ele define como um neoliberal: “Já o entrevistei duas vezes e sei que ele não pensa no povo”.
No Brasil, o imigrante já vendeu salteñas – salgado típico da Bolívia –, foi locutor de uma rádio livre e trabalhou no setor têxtil. “Os bolivianos eram explorados pelos coreanos, especialmente no Bom Retiro e no Brás”, lembra, sobre os primeiros anos no centro de São Paulo.
Desde que Saavedra chegou ao Brasil, sua terra natal passou por uma série de transformações no campo da economia, que fizeram a pobreza extrema cair de 38% para 15%, e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassar a média dos 4% ao ano. Mas ele não testemunhou esse processo. Até quatro anos atrás, era o pai – apoiador de Morales – quem o mantinha atualizado sobre as notícias da Bolívia. Após a morte do informante, o radialista busca notícias pela internet, já que os jornais brasileiros praticamente não cobrem o país vizinho.
O brasileiro Nelson Bison, que trabalha com Saavedra no Centro da Mulher Imigrante e Refugiada (Cemir) e convive com dezenas de imigrantes, imagina que a maior parte dos bolivianos regularizados em São Paulo não irá às urnas no dia 20.
“Eles não têm uma tradição de participar de comunidades de base, em geral, e não são politizados. Alguns criticam Evo Morales, mas sem muitos argumentos”, relata. “Essa crítica a Evo se deve ao fato de eles não compreenderem ou não verem as mudanças que estão sendo implantadas lá, principalmente na educação, na infraestrutura”.
Bison interpreta que o desinteresse que muitos demonstram pela política se deve às longas jornadas de trabalho que enfrentam. “Há muito trabalho escravo, há bastante trabalho infantil, e as condições das oficinas [de costura] são as piores que você possa imaginar”, finaliza.
Adaptação ao Brasil
O produtor audiovisual Fabio Rodrigo Medina Guzman, de 24 anos, é filho de bolivianos e nasceu em São Paulo. Desde criança, vive no bairro Bom Retiro. Os pais deixaram a terra natal no início dos anos 1990 e, antes de entrarem no Brasil, tentaram se estabelecer na Argentina. A xenofobia, a violência das periferias e o trabalho em condições análogas à escravidão fez com que migrassem novamente.
Na Argentina, eles já trabalhavam com costura. São Paulo tornou-se o destino preferido, já que abrigava uma colônia boliviana em crescimento.
O menino cresceu em meio a oficinas de costura, rodeado de familiares e conterrâneos dos pais. Antes costureiros, eles passaram a coordenar sua própria produção de roupas e entregar as peças a imigrantes sul-coreanos. Como os ganhos eram insuficientes, os pais de Guzman decidiram produzir e vender os próprios produtos em feiras no centro da cidade.
“Meus pais ainda passam dificuldades, mas continuam aqui no Brasil porque gostam, porque se sentem bem. Aqui virou a casa deles”, conta. “Meu pai sai todos os dias às duas horas da manhã, de casa até o Brás, puxando um carrinho com alguns manequins e os sacos com as roupas que ele conseguiu produzir com a minha mãe. Ela sai de casa às seis da manhã e fica até as três da tarde lá no Brás, vendendo”.
O pai é apoiador do MAS e eleitor de Morales. Embora a rotina de trabalho o impeça de acompanhar o noticiário, Guzman também simpatiza com o atual presidente boliviano. “Gostaria de ter tempo para entender mais como funciona a política na Bolívia. Mas o Brasil tem tomado muito o meu tempo com essa questão, com todas as besteiras que o Bolsonaro fala e faz”.
Estereótipo e preconceitos
O produtor audiovisual afirma que, mesmo nascido no Brasil, sente como se não pertencesse totalmente ao país. Guzman foi quatro vezes à Bolívia -- a última em 2012, de férias. “Quando vou para lá, eu me sinto, de alguma forma, mais pertencente. Pretendo viajar para lá no final do ano porque algo dentro de mim diz: ‘Tem algo te esperando por lá’”.
A genética contribui para amplificar a sensação de não pertencimento. “Não conheço ninguém da minha etnia que trabalhe na minha área [cinema] no Brasil. Eu me sinto um pouco deslocado, às vezes, porque eu não acho ninguém com a minha cara nesses lugares. As pessoas também me olham e falam: ‘Quem é esse cara?’ Eu sinto esses olhares”, admite.
O preconceito e os estereótipos se expressam de forma diferente no outro lado da fronteira. A arquiteta paranaense Gabriela Osowski estudou na Universidad Mayor Real y Pontifícia de San Francisco Xavier de Chuqisaca, em Sucre -- capital constitucional da Bolívia e do departamento de Chuquisaca, na região altiplânica --, entre junho e dezembro de 2016. “Os bolivianos são muito receptivos, extremamente humildes, têm muito amor pela vida e uma consciência de classe incrível”, relata.
“Eles veem o Brasil como um país grande e poderoso. Quando eu falava que era brasileira, eles ficavam empolgados e diziam que o sonho deles era conhecer o Brasil. Eu ficava triste e com vergonha, porque sabia que não era um sentimento recíproco por parte da maioria dos brasileiros”, lamenta a arquiteta.
Se os bolivianos vêm ao Brasil em busca de trabalho, principalmente no setor têxtil, os brasileiros que vão à Bolívia são, em geral, proprietários rurais atraídos pelo solo fértil do departamento de Pando, próximo ao Acre e à Amazônia. De 1990 a 2017, o governo estima que esse fluxo aumentou 153%, superando os 26 mil emigrantes. Além de empresários do agronegócio, contribuíram para essa cifra jovens estudantes de medicina, que procuram cursos mais acessíveis.
É o caso de Vinicius Perin, que fez parte de sua graduação em Santa Cruz de la Sierra, cidade mais populosa da Bolívia, entre 2013 e 2014: “Como o curso de medicina no Brasil é concorrido, existem muitas universidades lá oferecendo novos cursos. E assim a cidade se torna mais abrasileirada também. Lembro que os brasileiros acabavam reproduzindo o seu próprio jeito de se divertir, junto com outros brasileiros, e acabavam não conhecendo a cultura boliviana”.
Perin acompanhou de perto as últimas eleições gerais, e lembra que o país estava dividido. Segundo ele, era possível perceber no cotidiano alguns avanços promovidos pelo governo Morales. “A gente já via naquela época, também entre os indígenas, a esperança de entrar na universidade, e não só a classe branca, espanhola, dominante, como aconteceu no nosso país também”, ressalta.
Os principais adversários do MAS na disputa presidencial são o ex-presidente Carlos Mesa (Comunidade Cidadã) e o senador Óscar Ortiz (Bolívia Diz Não). Se nenhum deles obtiver 50% dos votos válidos ou superar os 40% e abrir dez pontos percentuais sobre o segundo mais votado no próximo domingo, a eleição será decidida em segundo turno no dia 15 de dezembro.
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Edição: Vivian Fernandes