A oposição à retirada dos direitos da classe trabalhadora, assim como a defesa convicta da democracia e da proteção social, continuarão a ser as principais bandeiras da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior central sindical da América Latina, fundada em 1983.
É o que garante Sérgio Nobre, novo presidente da maior central sindical do país, eleito por unanimidade na última semana durante o 13º Congresso da entidade. O então secretário-geral passa a ocupar o lugar de Vagner Freitas, que agora será vice-presidente da central pelos próximos quatro anos.
Metalúrgico do ABC, Sérgio Nobre encabeçou a chapa única para a direção nacional da central e foi eleito por unanimidade. Ao longo de quatro dias de discussão, o Concut contou com a presença de 2 mil delegados de todo país.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a primeira após sua eleição, Nobre critica as ofensivas do governo Bolsonaro contra o sindicatos, minando as formas de financiamento dessas entidades e fragilizando a legislação que as regulariza.
“O que estão chamando de mudança na estrutura sindical, não é uma reforma. Bolsonaro está convencido de que, para destruir a oposição ao seu governo, a esquerda brasileira e os partidos de esquerda, precisa destruir a base social, que é o movimento social e sindical”, ressalta Nobre.
Na opinião do presidente recém-eleito, as graves consequências da reforma trabalhista aprovada por Temer, assim como as mudanças na Previdência, defendidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, já impactam na vida da classe trabalhadora.
“O desmonte de todas as políticas sociais é um grande crime. E é por isso que vemos novamente famílias inteiras irem dormir na calçada, inclusive com crianças. Um país que não oferece proteção social, é um país que leva seu povo à selvageria”, enfatiza.
Confira entrevista na íntegra.
Brasil de Fato - Sua eleição se deu recentemente no 13º Congresso da CUT. Quais foram os temas discutidos durante esses quatro dias e quais serão os principais marcos da sua gestão?
Sérgio Nobre - O grande tema do congresso, de fato, foi a conjuntura política. Nós não esperávamos, em pleno século 21, estar vivendo um governo de extrema direita que destila ódio contra negros, mulheres, homossexuais e pobres. Temos um governo que não gosta do povo brasileiro. E, além disso, é um governo que ameaça a soberania do nosso país.
Nem o governo militar ousou tanto. Um governo subordinado aos interesses dos Estados Unidos, que tem como plano entregar a Amazônia, privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil, todo o patrimônio público. Empresas importantes de pesquisas. Porque se vai se subordinar, não precisa ter autonomia.
Isso foi o centro do nosso debate. Não podemos permitir que isso aconteça porque é comprometer o futuro de gerações. Nenhum país do mundo consegue se desenvolver sem ter uma base industrial muito importante e inovadora.
Temos empresas estatais que sempre fomentaram o desenvolvimento. Aliás, o presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva], no fim do seu segundo mandato, disse que só pôde governar o país porque tinha a Petrobras como instrumento e também os bancos públicos, porque os privados boicotavam o tempo todo as iniciativas do governo, em especial, a tentativa de dar crédito para os mais pobres.
O tema do desenvolvimento e o combate ao governo Bolsonaro é central, mas também as transformações que estão acontecendo no mundo do trabalho. Hoje, uma nova revolução tecnológica está em andamento e isso traz mudanças profundas na organização do trabalho. É o trabalho à distância, o famoso home office. Os trabalhadores de plataformas digitais como Uber e Ifood. Isso precisa de regulação.
Há também a digitalização de setores importantes como os bancos. Os bancos hoje tem tecnologia para quase não ter trabalhador. É um desafio tanto pra sociedade brasileira quanto para a classe trabalhadora no mundo.
Nos preocupa muito a iniciativa do governo Bolsonaro de destruir o movimento sindical. O que está chamando de mudança na estrutura sindical, não é uma reforma. Bolsonaro está convencido de que, para destruir a oposição ao seu governo, a esquerda brasileira e os partidos de esquerda, precisa destruir sua base social, que é o movimento social e sindical.
Ele quer acabar com a Legislação que regula a estrutura sindical e deixá-la absolutamente sem regra. Significa que os empresários podem criar seus próprios sindicatos, por exemplo.
Isso é extremamente grave. Temos que combater e não permitir. A democracia está em risco no Brasil e, neste cenário, os movimentos sociais e sindicais são extremamente importantes. Esse foi o centro do debate da CUT.
Quais são as principais bandeiras de luta do próximo período?
A partir do desmonte da legislação trabalhista, o país passou a estimular empregos precários. O que verificamos da reforma trabalhista do [Michel] Temer para cá, é que o Brasil está destruindo empregos protegidos, de jornada inteira, e em seu lugar, estão nascendo empregos sem fiscalização e em prazo parcial, o que é horrível para o país.
Já a reforma da Previdência prejudicou os pobres sobremaneira. Sabemos que o mercado de trabalho expulsa pessoas com 45 anos de idade. É só ir em qualquer local de trabalho e olhar se se encontram pessoas com 65 anos de idade... não se encontram. Os trabalhadores foram condenados a não se aposentar.
Aliás, o desmonte de todas as políticas sociais é um grande crime. E é por isso que vemos novamente famílias inteiras irem dormir na calçada, inclusive com crianças. Isso é fruto do desmonte das políticas sociais. Um país que não oferece proteção social, é um país que leva seu povo à selvageria. É muito preocupante, em especial nas regiões mais pobres.
Se formos ver, a maioria dos municípios brasileiros vive da receita oriunda da Previdência Social. O tema da proteção social é central e vai nortear, com certeza, o próximo período.
A organização sindical tem sido duramente atacada pelo governo Bolsonaro. O que essa perseguição objetiva e, frente a isso, qual a perspectiva de resistência?
A direita brasileira vem tentando destruir a esquerda desde 2005, com a história do mensalão. O que fizeram com a presidente Dilma, tentaram fazer com o presidente Lula em 2005. A mesma novela. Não conseguiram dada a força política do presidente e resultados muitos concretos de seu governo. A população percebia que a vida estava melhorando.
A perseguição não é de hoje. Eles se convenceram que, para destruir partidos de esquerda, tem que destruir movimentos sociais e sindicais. O governo Temer já iniciou esse processo, tentando impedir os sindicatos de arrecadar verba. A taxa de sindicalização da classe trabalhadora é de 17%. Isso é em todo o mundo. Na Alemanha é 18%, nos Estados Unidos, 18%.
Todos os sindicatos tem cobranças de trabalhadores que não são associados, toda vez que ele é beneficiado por um acordo coletivo ou melhores benefícios, se cobra uma taxa. Isso é no mundo assim. Aqui, o Temer impediu que fizéssemos esse tipo de cobrança, portanto, inviabilizando o financiamento da estrutura sindical.
E agora, a intenção deles é destruir a legislação que regula o funcionamento dos sindicatos. Temos uma legislação que precisa melhorar, mas que cria regras. Para se criar um sindicato, não é de qualquer maneira, tem que se criar regras. E eles querem acabar com isso, muito espelhado no modelo mexicano. No México, meia dúzia de pessoas se juntam e criam um sindicato. Inclusive os empresários, que criam sindicato com funcionários da sua confiança e fazem acordos que retiram direitos da classe trabalhadora. É terrível.
Por exemplo, a greve dos caminhoneiros. Foi uma greve importante. Mas, quando estavam parados, o governo tentava achar uma solução pra greve, mas cada caminhoneiro era um sindicato. Faziam um acordo com um e não com outro.
Quando não se tem grandes entidades representativas, se cria isso. Não é possível regular as negociações por meio da negociação coletiva. Vai ser uma bagunça generalizada do Brasil. Essa é a intenção do governo Bolsonaro, desorganizar o movimento sindical para que levemos dez, vinte anos, para nos organizarmos. Não podemos deixar que isso aconteça.
A MP 873 perdeu a validade em junho mas o Ministério da Economia afirma que a medida não foi devidamente debatida e sinaliza enviar um projeto de lei pro Congresso debater mais uma vez essa questão. Quais os perigos e possíveis consequências dessa medida?
No mundo inteiro os sindicatos vivem da receita do associados e de taxa negocial que os não associados pagam em ocasião das negociações salariais quando há um acordo que o beneficia salarialmente. Isso é praticado em todo mundo. Aqui, eles querem dizer que só podemos descontar a mensalidade e, mesmo assim, não permitir que o desconto seja feito na folha de pagamento. Imagina só: o trabalhador usar um boleto. Nem existe mais boleto, as coisas são todas digitais.
Na verdade o que eles querem é enfraquecer os sindicatos financeiramente para que não possam fazer as mobilizações, as greves contra as atitudes que o governo vem tomando. Não é fácil organizar uma mobilização. Dia 30 agora, vamos para Brasília denunciar a política econômica do Guedes, que desemprega, que ameaça a soberania, a Petrobras, e para isso as pessoas têm que se deslocar. Tem material... tudo isso custa. Essa é a verdadeira intenção. Não querem que tenhamos recursos para fazer oposição a esse governo.
A CUT foi criada em um momento no qual o Brasil estava lutando contra uma ditadura. Há um paralelo que se pode traçar com o presente? Na avaliação da central, a democracia está sob ameaça?
Para mim, hoje é mais terrível do que na ditadura militar. Foi um regime hediondo, que perseguiu, torturou, exilou, assassinou. A Comissão da Verdade está aí pra mostrar o que foi aquele período. Mas a ditadura militar, em relação aos sindicatos, preservou suas estruturas. Colocou interventores mas não mexeu na estrutura, nem impediu o sindicato de arrecadar verba.
Hoje, o que está acontecendo no Brasil sob o governo Bolsonaro, é uma coisa inacreditável. Nem a ditadura militar chegou a esse ponto. Estamos fazendo denúncias internacionais em relação a isso.
Nós derrotamos a ditadura militar. A ditadura foi derrotada quando os trabalhadores começaram a realizar grandes greves e exigir seus direitos. Agora é a mesma coisa. O governo Bolsonaro está perdendo popularidade muito rapidamente porque o povo está percebendo que ele veio para desmontar a legislação trabalhista, para precarizar, tirar direito dos trabalhadores. E eu não tenho dúvida: Nos próximos dias esse país vai viver grandes mobilizações. Só tem um jeito de derrotar o governo Bolsonaro: muita gente na rua fazendo mobilização. Esse é o papel central da CUT, assim como foi em 1983. É importante que a classe trabalhadora traga para si a responsabilidade de defender a soberania e derrotar Bolsonaro.
E quais são as estratégias de mobilização para alcançar esse objetivo?
A população se move por aquilo que percebe. Precisamos mostrar para a população que o povo está perdendo emprego, que o desemprego está chegando em todo o lar da família brasileira. Ele é mais dramático em alguns setores, se pegar a juventude, por exemplo, em especial negros e juventude. Todo trabalhador sonha com que seu filho vá para a universidade, que possa ter uma profissão, sustentar a família. Isso tudo está ameaçado.
Precisamos mostrar para a população brasileira que estamos no caminho errado. Eles estão retirando dinheiro da economia. Se reduz o salário, consome-se menos. Se se consome menos, a indústria produz menos. Se se produz menos, a indústria manda embora. É o ciclo da recessão.
O governo Bolsonaro é um governo para 20% da sociedade e não para todo mundo. Eles não fazem questão de esconder essas coisas. Por isso, eles queriam privatizar a Previdência. Não é só aumentar a idade mínima. Eles queriam que fosse privada, um processo de capitalização em que só as pessoas que têm condições de pagar teriam acesso à previdência. Eles querem um país só para alguns.
Temos que mostrar isso ao povo brasileiro. Se ele quer ter um futuro feliz, dignidade, emprego de qualidade, moradia, segurança pública, ele tem que lutar. Se não, tudo isso estará comprometido. Se o Paulo Guedes e Bolsonaro implementarem 30% do que eles querem fazer, acabou o futuro. Não terá futuro para esse povo.
A população está sentindo que está empobrecendo, as coisas estão ficando caras, estamos perdendo emprego. O povo não deve ficar em casa reclamando da vida. Só mudamos nossa realidade lutando. E a CUT vai fazer seu papel junto com os movimentos sociais, junto aos partidos políticos que tem compromisso com o país, de chamar e liderar esse processo com o povo na rua.
Você citou que o governo Bolsonaro protagoniza uma ameaça a soberania, por meio das privatizações e desmonte de empresas como Embraer e Eletrobras. Como isso afeta o trabalhador? Muitos empregos se perdem?
Se pegarmos países do mundo com alto grau de desenvolvimento, eles têm como base uma empresa importante e inovadora. O problema do Brasil é que temos multinacionais. Se pegarmos as empresas que atuam no país, são empresas alemãs, norte americanas, canadenses, que possuem compromisso com sua matriz, não com o Brasil.
As experiências de desenvolvimento que o Brasil viveu foram impulsionadas pelas estatais. O presidente Lula, quando assume a presidência da República, e determina que a Petrobras não faça a plataforma em Singapura e sim no Brasil, ele ressuscitou uma indústria naval que estava morta. E a Petrobras não é só isso, desenvolve pesquisa, tem tecnologia para extrair óleo em áreas profundas. A Embraer tem uma tecnologia aerodinâmica, do avião, que serve para automóveis, eletrônicos que são desenvolvidos ali, é alta tecnologia.
No governo do presidente Lula, tínhamos empresas no setor de construção que eram incentivadas e começaram a se internacionalizar. A Odebrecht, por exemplo, desenvolvia obras importantes na África, derrotando empresas estadunidenses e alemãs. Fazendo obra na Europa, inclusive. A JBS, que é uma empresa brasileira, é responsável por um terço de todos os nutrientes consumidos no planeta. É uma empresa importante.
Durante a Lava Jato denunciamos que por trás da operação tinha uma estratégia para quebrar as empresas brasileiras. A Lava Jato e Bolsonaro atendem estratégias comerciais norte-americanas. A JBS não é mais brasileira, é norte-americana. Eles compraram a Embraer. E agora querem entregar a Petrobras para eles. Não querem vender para uma empresa estatal norte-americana. Óbvio que serviu para interesses estrangeiros. Nenhuma empresa estrangeira foi constrangida na Lava Jato, só as brasileiras e quebraram todas, um grande setor gerador de emprego.
A subordinação do nosso país aos interesses americanos sinaliza que não temos pesquisa. Por isso querem privatizar a Embrapa, por exemplo. Empresas estatais que pesquisam cura de doenças estão sendo desativadas. A [venda da] Base de Alcântara. "Nosso lugar no mundo é oferecer matéria-prima e mão de obra barata". É isso que o Paulo Guedes pensa.
Nos últimos anos, a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi sempre defendida pela CUT e outros sindicatos. Qual a importância de continuar a erguer essa bandeira no próximo período?
Sempre denunciamos que por trás da Lava Jato, a pretexto de combater a corrupção, tinha um projeto político de poder que agora está claro com as denúncias do The Intercept. Para levar a cabo esse projeto de poder, que era colocar o Moro no Supremo Tribunal Federal (STF), eleger um governo de extrema direita e subordinar o país ao interesse norte-americanos, era preciso tirar o Lula do caminho.
O processo do Lula é uma grande fraude jurídica que está sendo desmontada agora e o interesse era tirar o presidente da disputa de 2018. Se ele fosse candidato, não teria adversário. Até as pesquisas dos institutos da direita mostravam isso. Tinham que tirar o presidente Lula das eleições, desconstruir sua liderança e minar sua biografia, e levar a cabo seu interesse de entregar a Amazônia, a Petrobras, o Pré-Sal, as universidades. Qualquer coisa que levou a vitória eleitoral do presidente em 2002 eles teriam que desmontar. Por isso a liberdade de Lula é importante.
A liberdade de Lula tem a ver com a defesa da soberania e a manutenção dos direitos da classe trabalhadora. Temos que fazer mutirões diários e dizer que o presidente Lula foi preso para a retirada de direitos. E não nos limitarmos aos locais de trabalho e sim percorrermos os bairros, feiras no fim de semana, produzirmos materiais e explicar como foi feita a fraude contra o presidente Lula. Tirá-lo de lá. Anular esse processo, é escandaloso não terem anulado.
Tem que anular para que ele recupere seus direitos políticos e que a população brasileira possa ter o direito que lhe foi surrupiado, que é eleger o presidente Lula, colocar o país na rota do crescimento, de olhar para os mais pobres, para aqueles que não tiveram oportunidade. Para fazer esse país voltar a crescer e construir um país para todos os brasileiros, não só para um pedaço.
Edição: Rodrigo Chagas