O recuo do governo do Equador em relação ao decreto que aumentava o preço dos combustíveis em 123% - e que levaram a uma série de protestos - pode significar um equilíbrio de forças na situação política do país, até então mais favorável os grupos econômicos que apoiam a gestão neoliberal do presidente Lenín Moreno. Os protestos, que duraram 12 dias, mostraram o poder dos movimentos populares equatorianos, liderados sobretudo pela Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie).
“Moreno tem o apoio das Forças Armadas, da grande imprensa, do grande empresariado e do FMI. Por outro lado, o grau de mobilização e resiliência demonstrado pelos movimentos sociais mostra que temos, por ora, uma situação de empate. Nenhum dos lados têm condições, neste momento, de impor uma derrota definitiva ao outro. E isso pode perdurar nos próximos meses”, afirma Wagner Iglecias, professor do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (Prolam-USP).
Para Iglecias, a revogação do decreto deve reduzir a tensão política. "Mas os movimentos indígenas têm forte grau de organização e não se pode descartar a hipótese de que voltem a promover mobilizações, caso o governo não cumpra o que foi acordado entre as partes”.
Outra exigência dos movimentos, ainda não atendida, é a demissão dos ministros da Defesa, Oswaldo Jarrín, e de Governo, María Paula Romo.
Antes dos protestos, além do fim dos subsídios, Moreno havia anunciado uma série de outras medidas como parte de exigências feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Entre elas, as reformas trabalhista e previdenciária. Devido à intensidade das manifestações, Iglecias acredita que o presidente equatoriano deve adotar medidas menos impopulares a partir de agora.
Repressão
Uma série de opositores ao governo foram presos mesmo após o acordo, dando continuidade à forte repressão que marcou os 12 dias de protesto, iniciados em 3 de outubro e encerrados somente no dia 14.
Entre as detenções recentes está a da governadora da província de Pichincha, Paola Pabón, uma das lideranças da chamada Revolução Cidadã. Ela foi presa nesta segunda-feira (14) sobre a acusação de “rebelião”.
Christian Gonzáles e Pablo Correa, dois militantes da organização Bulla Zurda, foram presos sob a mesma acusação.
Para o economista equatoriano Danilo Albán, a perseguição a opositores, ainda em curso, representa uma tentativa de manter a popularidade que Moreno possui nos setores mais à direita do país.
“O presidente agora sabe que seu governo ficou muito fraco [...] Ele vai fazer uma caça às bruxas contra seus inimigos políticos. Isso fortalece sua pouca popularidade”, diz.
Ao todo, segundo dados divulgados nesta quarta-feira (15) pela Defensoria Pública, instituição nacional que monitora a situação dos direitos humanos no Equador, 1.192 pessoas foram presas. Muitas não tiveram acusações formais apresentadas. Além disso, 8 morreram e 1.340 ficaram feridas.
Manifestações
Em 1º de outubro, para dar seguimento ao pagamento do défict público equatoriano, acentuado nos últimos anos, Moreno anunciou uma série de reformas trabalhistas e fiscais, entre elas o fim de subsídios estatais aos combustíveis. O corte no auxílio, em vigor no país há 40 anos, foi a medida que mais desagradou a população.
A diligência foi tomada como parte das imposições feitas pelo FMI, órgão que fechou um empréstimo na ordem de US$ 4,2 bilhões com o Equador em fevereiro deste ano. O pacote de recuperação econômica inclui ainda outros US$ 6 bilhões vindos de organismos multilaterais.
As mobilizações que atingiram o país começaram no dia 3, data em que o fim dos subsídios passou a valer. De imediato, motoristas de ônibus, táxis e caminhões bloquearam as principais ruas da capital, Quito, e de Guayaquil. Por conta disso, as aulas foram suspensas.
Estudantes universitários, sindicatos e indígenas também aderiram aos protestos, que passaram a ocorrer em toda a nação. Entre os grupos, participa a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), uma das principais lideranças dos protestos.
O maior ato ocorreu na quarta-feira (9), dia marcado por uma greve geral e duas concentrações em Quito. Sabendo que a capital seria o local onde a maior parte das manifestações iria ocorrer, Moreno anunciou a transferência da sede do governo de Quito para Guayaquil.
Em resposta às manifestações, o presidente decretou, já em 3 de outubro, estado de exceção. A medida permitiu que o governo limitasse o ir e vir da população e passasse a impor censura prévia à imprensa. O estado de exceção parou de valer na segunda.
Edição: João Paulo Soares