Na primeira sessão de julgamento das ações que debatem a prisão após condenação em segunda instância no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quinta-feira (17), o ministro Marco Aurélio Mello realizou a leitura do relatório dos processos, aproveitando o momento para tecer críticas sobre a forma como a questão transcorreu na Corte.
Foi seguido pelos advogados que representavam os autores das ações, por integrantes de entidades que participaram na qualidade de “amicus curiae”, termo em latim que significa "amigo da corte" e se refere a entidades que não são partes formais no processo, mas têm interesse em debater o tema.
O julgamento deve ser retomado na próxima quarta-feira (23). Antes dos votos dos ministros, ainda devem falar dois representantes de organizações com acúmulo no tema, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Julgamento
A sessão foi iniciada pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que ressaltou que o debate se daria em torno de "ações abstratas", ou seja, sem relação direta com nenhum "caso particular".
Apesar do fato de que Marco Aurélio Mello, formalmente, se limitou à leitura do relatório das ações -- resumo dos argumentos trazidos pelas partes e o andamento dos processos --, o momento foi aproveitado pelo relator para tecer críticas.
Entre outras coisas, Mello lembrou que, no final de 2018, deu uma decisão individual acatando liminarmente os argumentos das ações. Sua posição, entretanto, foi cassada por Dias Toffoli. O relator, nesse linha, lembrou das decisões do ministro Luiz Fux derrubando liminares que garantiam a Luiz Inácio Lula da Silva o direito de dar entrevistas.
“Atitude autoritária, totalitária”, disse Mello, afirmando que a cassação de liminares individuais feitas por outros ministros singulares rompia com a ideia de que todos os ministros estão no mesmo nível hierárquico enquanto julgadores.
Constituição
Todos que se manifestaram nesta quinta-feira (17) defenderam que a Corte revisasse sua posição, com exceção dos advogados do Patriotas (ex-PEN), partido que foi autor de uma das ações, que realizaram uma fala ambígua, na qual pediram ponderação aos ministros.
Juliano Breda representou o Conselho Federal da OAB, outra das autoras, traçando um panorama da Constituição de 88 como resposta ao período da ditadura militar: "Literalidade o artigo 5º, inciso 57, tem sua razão de ser”, no que aponta como esse debate se deu na Assembleia Nacional Constituinte, durante a redemocratização. Segundo ele, historicamente, a referência explícita ao trânsito em julgado buscou eliminar qualquer dúvida de quando se esgota a presunção de inocência.
José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça e um dos represantes do PCdoB, terceira das autoras, refutou o argumento de que a prisão em segunda instância visa combater a corrupção, lembrando que decisão do STF em 2016 teve impacto no inchaço carcerário, fenômeno responsável pelo fortalecimento de facções criminosas.
"’E a impunidade’? Para isso serve a prisão preventiva. Não se pode confundir opinião pública com senso comum”, disse Cardozo. Seu argumento sobre o impacto sobre a população mais pobre foi replicado por representantes da Defensoria Pública da União, de São Paulo e do Rio de Janeiro, que aturam como “amicus curiae”.
Outros expositores, também na qualidade de “amigos da Corte”, enfrentaram outro argumento, o de que apenas no Brasil a prisão deveria esperar o trânsito em julgado.
"É muito simples. 'Não é assim na Alemanha'. Na Alemanha, não vigora a Constituição brasileira. Cumprir a Constituição passou a ser um ato revolucionária. O texto é inequívoco”, afirmou o advogado Antonio Carlos de Almeida, o Kakay.
Edição: Vivian Fernandes