Cerca de 7,3 milhões de bolivianos vão às urnas neste domingo (20) para as eleições gerais. Além de presidente e vice-presidente, serão escolhidos 130 deputados e 36 senadores para o período de 2020 a 2025.
O horário de votação é das 8h às 16h (das 9h às 17h no horário de Brasília). A apuração tende a demorar mais do que no Brasil porque não se utiliza o sistema de urnas eletrônicas. O resultado final deve sair até a manhã de segunda-feira (21).
Para vencer a disputa presidencial em primeiro turno, não é preciso fazer 50% dos votos válidos mais um, como no Brasil. Basta ter 40% e abrir dez pontos percentuais de vantagem em relação ao segundo colocado. Se houver segundo turno, a votação ocorrerá no dia 15 de dezembro.
Acompanhe a cobertura especial do Brasil de Fato e não perca nenhum detalhe das eleições bolivianas.
Quem é quem
Prestes a completar 60 anos, Evo Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS), tem 40% das intenções de voto para presidente, segundo o instituto IPSOS. Liderança histórica dos cocaleiros em Cochabamba, região central, ele concorre ao quarto mandato ao lado do vice Álvaro García Linera. Sociólogo e ex-membro do Exército Guerrilheiro Tupac Katari (EGTK), referência na luta dos povos indígenas por direitos, Linera é um dos principais teóricos das transformações promovidas pelo governo atual.
Durante os três mandatos de Morales, a Bolívia quadruplicou seu Produto Interno Bruto (PIB) e reduziu a extrema pobreza de 38,2% para 15,2%. Os três pilares da economia são: a nacionalização dos hidrocarbonetos, o investimento público e a distribuição de renda
Um dos pontos altos dos 14 anos de governo foi o referendo constitucional de 2009, que transformou o país em um Estado Plurinacional, ampliando o conceito de democracia e garantindo direitos que antes eram negados aos povos originários.
Hoje, a Bolívia tem mais de 30 idiomas oficiais, um sistema inédito de cotas para mulheres no parlamento e é um dos únicos em que os integrantes do Poder Judiciário são eleitos pela população.
Em segundo lugar nas pesquisas, com 22%, aparece o ex-presidente Carlos Mesa (Comunidade Cidadã). Aos 66 anos, ele propõe uma mudança gradual de modelo econômico, distanciando-se do horizonte socialista.
O seu principal desafio durante campanha foi desvencilhar-se de seu passado neoliberal. Mesa governou o país interinamente de outubro de 2004 a março de 2005. Antes, era vice de Gonzalo Sánchez de Lozada, que teve que abandonar o país após um mandato marcado por recessão, entrega de bens naturais a estrangeiros e violência do Estado.
O candidato a vice escolhido por ele é o ex-ministro Gustavo Pedraza, especialista em “desenvolvimento sustentável” com formação nos Estados Unidos e nascido em Santa Cruz de La Sierra – uma tentativa clara de disputar eleitores nas “terras baixas”, como é conhecida a porção oriental do país.
O empresário e senador Óscar Ortiz (Bolívia Diz Não) tem 50 anos e é o terceiro colocado na disputa, com 10% das intenções de voto. Em Santa Cruz, maior cidade da Bolívia e sua terra natal, ele ficaria em primeiro lugar nas eleições com 27% dos votos.
Apoiado por grandes proprietários de terra e com um programa neoliberal, Ortiz tem como principal bandeira uma reforma institucional na Bolívia – combate à corrupção e controle dos gastos públicos.
A jovem deputada Shirley Franco, de 32 anos, é candidata à vice nesta chapa. Ela foi anunciada às pressas em agosto após a surpreendente desistência do senador Edwin Rodriguez.
Fundador de mais de 70 igrejas presbiterianas, o sul-coreano Chi Hyun Chung (Partido Democrata Cristão) chegou a 6% é o candidato que mais cresce nas pesquisas na reta final.
Com uma campanha realizada principalmente pela internet, ele aposta em uma agenda ultraconservadora e agressiva, com bandeiras semelhantes às que elegeram Bolsonaro no Brasil: ataques a mulheres, homossexuais e minorias.
Analistas políticos bolivianos afirmam que, se a curva de crescimento de Chi houvesse começado um mês antes, ele seria um dos favoritos a uma vaga no segundo turno.
A vice da chapa é a empresária Benigna Irma Acne Vargas, descendente de aimara da região de La Paz.
Quase metade dos eleitores são jovens de até 35 anos, muitos deles sem memórias dos tempos de recessão que antecederam Evo Morales – presidente desde 2006. Com 11 milhões de habitantes e mais de 10 mil pontos de conexão fixa e móvel a internet, a Bolívia se tornou um prato cheio para a circulação de notícias falsas em aplicativos de conversa como o WhatsApp.
Reveja a transmissão mais recente do Brasil de Fato, direto de Santa Cruz de La Sierra, e confira mais detalhes sobre o panorama pré-eleitoral na Bolívia:
Impacto no continente
A Bolívia é um dos principais produtores de petróleo, gás natural e lítio da América do Sul. Além da importância econômica, Igor Fuser, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), aponta que a eleição terá um peso simbólico para o continente.
“Uma derrota do Evo poderia ser apontada como prova de que se encerrou o ‘ciclo progressista’ na América do Sul. E, ao contrário, uma vitória do Evo sinalizaria a força, a permanência, a atualidade desse projeto progressista na região. Mostraria que se trata de um projeto viável, um projeto capaz de se manter e se prolongar no tempo de forma democrática”, afirmou em entrevista recente ao Brasil de Fato.
Se a oposição vencer no domingo, pode-se prever uma maior aproximação entre Brasil e Bolívia – afinal, Jair Bolsonaro (PSL) é conhecido por “ideologizar” as relações internacionais. Caso Morales consiga a reeleição, o Brasil não será afetado. “Evo está muito atento para o risco de isolamento e quer manter as relações o mais favorável possível com os vizinhos em um quadro difícil”, analisa Fuser.
Temas em debate
Um dos principais pontos de questionamento ao governo do MAS é a manutenção da candidatura de Morales ao quarto mandato, apesar da derrota em uma consulta pública à população sobre essa possibilidade. A decisão foi revertida nos tribunais superiores, mas causou desgaste.
A expressão “21F”, em referência ao dia 21 de fevereiro, quando foi realizado o plebiscito, tornou-se uma das principais marcas da oposição, inclusive nos protestos mais violentos deste mês – no encerramento da campanha de Morales em Santa Cruz.
Os impactos socioambientais do extrativismo, do agronegócio e das grandes obras de infraestrutura no interior da Bolívia também tomaram conta do debate público. Especificamente, os assuntos que mais tiveram repercussão foram os incêndios na região da Chiquitania, na Amazônia, e o projeto de construção de uma rodovia de 300 km de extensão em meio ao Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), para unir os departamentos de Cochabamba (centro) e Beni (nordeste).
Morales, por outro lado, tem tentado pautar as discussões a partir do tema da economia, um dos pontos altos de seu governo. No último comício, em El Alto, próximo à La Paz, ele propôs comparações com os governos anteriores, em referência ao ex-presidente Carlos Mesa, seu adversário nestas eleições: “Quanto era o PIB per capita de La Paz em tempos neoliberais? Cerca de 880 dólares. Hoje são 2,5 mil dólares. Olhem como mudou a situação econômica do país, porque nós nacionalizamos os recursos, aumentamos a renda petroleira e os investimentos no crescimento do nosso país. Tudo isso, graças à luta e ao voto do povo boliviano”.
Alerta
O presidente do Estado Plurinacional afirma ter gravações que comprovam uma conspiração entre militares reformados e comitês civis em Cochabamba, La Paz e Santa Cruz para promover um golpe caso ele consiga se eleger pela quarta vez.
O plano, ainda segundo Morales, incluiria incendiar a Casa Grande del Pueblo, sede do Executivo desde 2009.
O material será entregue a observadores internacionais que chegam à Bolívia neste sábado (19).
Votos no exterior
Segundo o Órgão Eleitoral Plurinacional (OEP), 341 mil bolivianos vão votar no exterior no dia 20. Eles estão distribuídos em 33 países. Os três com mais eleitores bolivianos são Argentina, com 161 mil, Espanha, com 72,6 mil, e Brasil, com 45,7 mil.
Edição: Vivian Fernandes