A Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) aprovou em primeiro turno, nesta terça-feira (22), um pacote de medidas ligadas ao sistema carcerário do estado. O Projeto de Lei n° 316 de 2019, proposto pelo governo estadual, transforma a Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará (Susipe) em Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) e muda a composição do Conselho Penitenciário do Pará (Copen). O órgão, que tem participação da sociedade civil, foi responsável pelas denúncias de tortura nos presídios paraenses.
Os parlamentares mantiveram a autonomia da presidência do Copen. A proposta enviada originalmente previa que o posto fosse ocupado pelo representante do governo estadual responsável pela secretaria penitenciária. Para o deputado Carlos Bordalo (PT), esta composição era inconstitucional, pois o cargo máximo do conselho seria ocupado por quem deve ser fiscalizado.
"O que nós estamos aprovando evita um retrocesso inimaginável. Na modelagem que estava, nós estávamos, praticamente, abrindo mão da possibilidade de que organismos independentes fizessem a fiscalização carcerária. Isso é uma afronta ao Estado de Direito. Na modelagem aprovada, dois terços do conselho são de instituições autônomas, que não pertencem ao governo e menos de um terço é do governo. Mesmo que ele [governo] esteja presente, é um equilíbrio bastante razoável e que garante a execução da fiscalização autônoma e independente do sistema carcerário paraense”, avalia.
A pauta foi aprovada em primeiro turno por 27 dos 28 parlamentares presentes. A Alepa conta com 41 deputados estaduais. Agora, o Conselho Penitenciário do Pará passa a ter 12 membros, antes eram nove. A Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB/PA), que atualmente tem três assentos, passa a ter um.
A nova configuração é a seguinte: um assento para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); um para o Ministério Público Federal; um para o Ministério Público Estadual; um para a Defensoria Pública do Estado; um para a Defensoria Pública da União; e dois para o Conselho Regional de Medicina. Foram incluídos, o Conselho Federal de Psicologia; a Vara de Execução Penal; e duas entidades do governo, a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária.
As mudanças foram propostas em meio a uma crise no sistema penitenciário paraense. Depois do massacre no Centro de Recuperação de Altamira, em que 58 pessoas foram assassinadas, o governo do estado convocou a Força de Intervenção Penitenciária (FTIP) para atuar nos presídios, mas os agentes federais logo se tornaram alvo de uma série de denúncias de agressões e tortura contra os detentos.
O órgão federal está subordinado ao Ministério de Justiça e Segurança Pública, comandado por Sérgio Moro. No dia 2 de outubro, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), o coordenador da FTIP, Maycon Cesar Rottava, foi afastado e passou a ser investigado por improbidade administrativa, envolvendo abuso de poder e tortura. A liminar foi derrubada posteriormente e ele voltou a exercer o cargo.
Democracia
Para o membro da OAB/PA, José Maria Vieira, a garantia da autonomia da presidência do Copen foi uma vitória. Ele também considera que a nova configuração é mais democrática, pois distribui melhor os assentos, diversificando as entidades. Vieira analisa ainda que a entrada do Conselho Federal de Psicologia torna o espaço mais democrático.
"Do ponto de vista democrático, é interessante que os conselhos tenham capilaridade social. Não há uma justificativa, mesmo eu sendo da OAB/PA, para que tenhamos mais assentos do que outros órgãos. Se pudermos dividir isso com outros membros da sociedade, é interessante, porque você traz outros pontos de vista profissionais para uma realidade que é multidisciplinar. A entrada do Conselho Regional de Psicologia é muito interessante e uma saída que eu acho oportuna, porque, de fato, é muito importante que tenha o perfil de um psicólogo para a análise dessas questões”, aponta.
Protesto
Cerca de 200 pessoas que têm parentes em reclusão nos presídios paraenses fizeram um protesto em frente à assembleia pedindo a permanência do atual conselho penitenciário.
Joana Silva (nome fictício), 34 anos, conta que o marido dela, que está cumprindo pena em um presídio paraense, foi torturado e que isso não ocorria antes da atuação da Força de Intervenção Penitenciária.
“Atiraram bala de borracha nele. Estão fazendo ele passar fome. Eles estão fedendo, sem escovar os dentes, um pão, às vezes, é dividido para dez pessoas. Eles estão sendo torturados dessa forma. Não podem tomar banho todos os dias. Nunca aconteceu isso no sistema penitenciário. Eles [força tarefa] vieram, estão torturando eles e muitas vezes humilham a gente que é parente também. Se não fossem feitas essas denúncias, eu acho que estaria pior o sistema penitenciário”, relatou.
Os parentes das vítimas gritaram palavras de ordem em frente à Alepa. Agentes da Ronda Tática Metropolitana (Rotan) foram acionados e ficaram posicionados em frente ao órgão.
Edição: Camila Maciel